O que você vai ser. Quando você crescer?

23:00
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A ingratidão é uma das maiores armas do ser humano. Com ela, o ser corta, não a pele, muito menos quebra os ossos, mas sim, perfura a alma, mas ela insiste em permanecer viva, na lentidão melancólica de amar o ser ingrato.
Dezenas de alegorias poderiam ser empregadas na construção deste sentimento, tão destruidor. Alguns até poderiam sim, defender a tese de que nada foi feito pensando em trocas de favores ou seja lá o que for, que tudo foi realizado por amor e foi certamente, mas no mais íntimo desejo do labirinto humano, você sim, espera um reconhecimento. 

Entre pais e filhos e isso torna-se mais latente, pais geralmente mergulham suas vidas em uma dedicação quase religiosa ao filho. Abrem mão de um tempo que jamais voltará, até da companhia um do outro em prol daquele ser que foi gerado e trazido ao mundo com orgulho e prazer. Não é raro vermos lindas histórias de luta e superação de mães vencedores, que jamais desistem da guerra pela sobrevivência, não dela mesma, mas do próprio filho. Quem nunca ouvir a expressão que perder um filho é a pior dor do mundo… Entretanto, curiosamente, filhos não tem o mesmo sentimento (não todos assim como não todos os pais, é verdade) mas nas leis ocultas da natureza, isto é uma grande verdade e um até rotineiro acontecimento. Filhos, às vezes, simplesmente vivem suas vidas desprezando pais, magoando-os por razões infantis, lutando contra argumentos e posturas sem a habilidade e sabedoria de se fazer compreender, apenas usado a violência da palavra e as costas viradas.
Quisera por algum momento, o ser ingrato pudesse sentir a mais pontiaguda lâmina do desprezo e da fúria desprezadora de si mesmo, quisera entender, que nas relações humanas, há muito mais do que a alquimia surreal de trazer o ser ao universo, e educar, vestir, lhe dar de comer etc.,  foi empregado neste processo, um hermético e desconhecido sentimento que valeu por toda a sua vida. Como se a partir dali, você passasse a viver para um outro ser humano, na mais pura condição de ser, do ser.  

A certeza é que apenas àqueles que sabem o quão precioso é ter seus pais do lado, sabendo que jamais eles estarão ali para sempre, podem ser realmente esboçar algum tipo de paz e/ou felicidade com suas novas famílias ou simplesmente em seus destinos escolhidos por si mesmos na vasta solidão do amadurecimento.

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Cronie
Imagem | Kyle Thompson

A Paranoia Poética de Roberto Piva

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19:10

“O poeta existe para impedir que as pessoas parem de sonhar.”

Por | Andrey Tasso

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Nasceu na São Paulo da década de 30 e se foi em pleno século 21, mas foi certamente para provocar alucinantes orgias com Rimbaud e Allan Ginsberg nas dimensões dos poetas malditos e para pichar os mantos brancos dos anjos com eróticas poesias xamânicas e marginais. Roberto Piva escreveu algumas das mais delirantes e rebeldes paisagens da sua geração. Com forte referência surrealista, sob a batuta de André Breton e Dali, chamando Mário de Andrade, Rilke e Jorge de Lima para um jogo de transgressão e utopia. Antes, Piva foi lançado na Antologia dos Novíssimos (São Paulo: Massao Ohno, 1961) mas seu primeiro livro, Paranoia, lançado em 1963 pela editora Massao Ohno, é um clássico oculto, à margem da realidade previsível das rimas e das temáticas do amor e do ufanismo idiotizante. Piva crava seu olhar acidamente febril em São Paulo, suas vielas, sua juventude libertária, suas tramas invisíveis nas esquinas do prazer e do homoerotismo enraizado.

Ao saltarmos no urbanismo cinzento do poeta paulistano nos damos conta que a beleza obvia foi dizimada entre longos períodos serpenteando nossas percepções a fim de nos envenenar com líquidos ejaculados de catarse e turbulentos aniquilamentos. Paranoia começou a ser construído no contato e no estudo de Piva sobre A Divina Comédia de Dante Alighieri, realizado no final da década de 50. (Roberto Piva fez o curso com Edoardo Bizzarri no Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro). Foi fundamental também para a sedimentação e amadurecimento dos seus versos a experiência com William Blake, Hölderlin e dos alemães Gottfried Benn e Georg Trakl. Falando aqui do Brasil, Murilo Mendes foi um dos grandes nortes do mestre Piva. O poeta mineiro de versos que bailavam entre o abstrato e visões onírico-celestiais que sopravam as saias das meninas castas e observava a chuva como um fotógrafo Magrittiano sedento pelos corpos da beleza íntima das coisas ajudou a esculpir a desolação ambígua da obra.

Paranoia, vai nos contaminando com doses metafísicas de caos, como em "Jorge de Lima, panfletário do Caos" ou versos como “A estátua de Álvares de Azevedo é devorada com paciência pela paisagem de morfina” do poema “Praça da República dos meus Sonhos". Para adentrar em mais um elemento alquímico da obra, Piva relatou algumas experiências com alucinógenos e outras translucidas substâncias, aproximando-se da geração Beat de William Burroughs e Allan Ginsberg, estampado em poemas como “Os anjos de Sodoma”, por exemplo.

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Mas é no desbunde da alma com entorpecimentos múltiplos vazados pelos dedos e por sua vagina transparente que Roberto Piva se releva um bruxo marginal que sai para roubar alguns livros ao lado de Baudelaire e Artaud. São Paulo ou a “Paulicéia desvairada” dos anos 60 na visão lautreamonteana de Piva vai sendo aos poucos revelada. Violada em sua pálida virgindade, agredida à tapas por um Sade doentio que se esconde nos cabelos das putas e dos bêbados e barbudos declamadores incendiários do futuro. Para o poeta, a cidade que é era paranoica e não ele e vamos sendo convencidos a tirar a roupa de nossos pudores homeopáticos e participar deste ritual que romperá os laços acadêmicos de nossos sentidos.

Essa poesia alucinatória dos detalhes rendeu a Piva a honra de ser um dos três únicos escritores brasileiros a fazer parte do Dicionário Geral do Surrealismo, publicado na França em 1965 e dirigida por ninguém menos que André Breton. (Os outros foram o Claudio Willer e o Sérgio Lima).

Paranoia foi relançado pelo Instituto Moreira Salles em 2000 ainda com as fotografias e desenhos de Wesley Duke Lee e o prefácio do jornalista Thomaz Souto Corrêa e se mostra atemporal em todos os seus sentidos vertiginosos. Piva dobrou a esquina deste mundo em 2010 depois de complicações renais mas sua poética ou seu “impulso pelo irracional” é mais atual do que nunca. Na Paranoia diária do cotidiano, nos jovens mortos em sua própria ânsia consumista, no trânsito louco e assassino das grandes cidades, na hipocrisia nefasta e no preconceito psicopata, os marginais de ontem se foram e nossos marginais não tem ética, não tem código, não conhecem Nietzsche ou Maiakóvski, querem apenas o último celular da moda e uma moto para “charlar” com suas patricinhas onde a academia é sua biblioteca vazia. 

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No lema “só acredito em poeta experimental que tem vida experimental” Roberto Piva nos entregou uma obra prima da poesia nacional que reflete suas intensas manifestações diárias, seu olhar cirurgicamente nebuloso, seu descabelado berro ou seria um gemido de transgressão dionisíaca gozando sobre as costelas da normalidade?. O mal-estar Piviano é onipresente e convida nosso imaginário a voos não-piedosos que levam ao transe, à transa, de sentidos ou ao pessimismo modernistas, do suor às constelações cinzentas do eu. Corremos o risco de nos tornamos “arcanjos de enxofre” querendo assim como ele quis um dia, a destruição de tudo que é frágil.

Assim diz o último verso de Paranoia “Eu sou uma alucinação na ponta dos teus olhos” Piva e sua poesia estão prontas para nos fazer ficar “sonhando pendurados” em versos da eternidade.

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Livros |

Paranóia, 1963

Piazzas, 1964

Abra os olhos e diga ah!, 1975

Coxas, 1979

20 Poemas com Brócoli, 1981

Antologia Poética, 1985

Ciclones, 1997

Um Estrangeiro na Legião: obras reunidas, volume 1, 2005

Mala na Mão & Asas Pretas: obras reunidas, volume 2, 2006

Estranhos Sinais de Saturno: obras reunidas, volume 3, 2008

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A ARTE DA INADEQUAÇÃO

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18:12

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Fotografia | Andre Kertesz

 

Ser contemporâneo é andar de cabeça baixa com seu aparelho de última geração daquela marca famosa que ninguém conhece de fato, atravessando a rua ou indo para o ponto de ônibus ou simplesmente batendo um selfie no meio do grande congestionamento cotidiano. Talvez ser contemporâneo seja pedir a volta da ditadura porque a também distorcida democracia ouviu alguns e não outros. Ou não, ser contemporâneo é ouvir música sertaneja que não é sertaneja, funks ostentação que ostenta apenas o desejo consumista e não a verdadeira conta bancária, ou usar o photoshop para forjar uma viagem pelos lugares mais belos do mundo. Meu Deus, ser contemporâneo é ofender pessoas de outras regiões por sua condição educacional e seus benefícios perante o governo. Ou simplesmente ser contemporâneo é atacar com racismo porque de fato o time de futebol é mais importante que as pessoas. Contemporâneo deve ser um apresentador que se diz vítima de racismo por ser branco ao mesmo tempo em que oferece uma banana nas redes sociais para uma pessoa negra.

Definitivamente ser contemporâneo deve ser fazer uns ‘rolezinhos’ para causar aquela impressão perante a sociedade e buscar aqueles minutinhos de fama. Quem sabe ser contemporâneo é roubar um carro mesmo sendo da família rica apenas para “causar”. Quem sabe ser contemporâneo é dirigir alcoolizado e matar pais de famílias e/ou arrancar os braços de algum jovem negro. Ou quem sabe ser contemporâneo é deixar os filhos serem vítimas da psicologia dos publicitários ou as filhas andarem mais pintadas que alguma dama já envelhecida de batom ultrapassado. Contemporâneo é falar em sustentabilidade para soar relevante. Contemporâneo é não se apaixonar por ninguém nem por nada e sim beijar todas as bocas possíveis e no fim da noite deitar com aquela mulher ou homem que no final das contas te fará menos solitário por algumas horas. Ser contemporâneo é fazer intercâmbio e depois voltar deprimido de morar no seu próprio país. Ser contemporâneo é sair nas ruas para protestar, mas só que não, era apenas para tirar umas fotos e jogar no Instagram. Não sei, acho que ser contemporâneo é cultuar a violência mas querer a paz. Hum, acho que ser contemporâneo é espancar mulheres porque enfim, elas resolveram terminar o relacionamento.

Ou melhor, ser contemporâneo  é ler livros sobre sedução, ser espontâneo e verdadeiro para quê? Ser contemporâneo é desprezar os grandes autores do cinema e venerar algum grande filme de vampiro adolescente, porque afinal, são menos chatos e mais populares. Ser contemporâneo é ter orgulho de ser hetero mas também ter orgulho de ser diferente não sendo isso. Contemporâneo é lutar, brigar, matar e ir arduamente para o estádio toda a quarta ou domingo para que seu time seja campeão de alguma coisa, mas sentir preguiça de ir votar num domingo a cada dois anos. Ser contemporâneo é votar nulo, até porque, que novas ideias podem surgir para mudar de fato este país nas urnas? Ser contemporâneo é vaiar a presidente pelos gastos na copa, mas fazer isto de dentro do próprio estádio construído com este dinheiro. Ser contemporâneo é ser contra as graves de alguma classe de trabalhadores, além do mais, eles atrapalham o trânsito daqueles que ganham bem. Contemporâneo também é ver mulheres se humilhando em programas de TV pela efêmera fama. Ser contemporâneo é não saber bem qual faculdade fazer, afinal, queremos fazer tudo ao mesmo tempo, ou melhor, ser contemporâneo não é fazer a faculdade dos sonhos, porque sei lá, não se ganha muito dinheiro com esta profissão.

Ser contemporâneo neste mundo é se submeter a todas as sensações, desejos, tentações, consumos, moda, modinhas, gírias, compras, feriados, religiosos ou não, possuir, descartar, querer o que não precisa precisando, se cansando, buscando sei lá o que para ser feliz, não sendo, sendo, depois, insatisfeito, desfeito, refeito. Queremos tudo e um pouco mais que isso. Queremos ser contemporâneos, só isto basta, mesmo que no fim de tudo, ainda estejamos vivendo como nossos pais, como bem cantou Elis Regina.

Para terminar, ser contemporâneo é escrever esse texto, mais um, entre milhões navegando e naufragando na grande rede. Ser contemporâneo é não ser lido e se for lido, ser deixado, abandonado, esquecido ou não, não importa, algo importará mais daqui umas horas.

Nada mais contemporâneo que o esquecimento.

 

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Por | Andrey Tasso

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