A ARTE DE SUBVERTER A TECNOLOGIA

1
10:13

Por:  Michelle Delio 


NOVA YORK - A atividade dos hackers já foi descrita como um crime, como uma compulsão e como o resultado geralmente problemático de uma curiosidade fora de controle. Raramente alguém que não se considera hacker tentou retratar a criação, exploração e subversão da tecnologia como uma forma válida e elegante de arte.


Mas uma nova exposição que inaugura nesta sexta-feira no New Museum of Contemporary Art (www.newmuseum.org) de Manhattan, intitulada Open_Source_Art Hack(www.netartcommons.net/), pretende mostrar como o ato de hackear e a ética do desenvolvimento de códigoe aberto - participação direta, investigação profunda e acesso à informação - podem ser considerados arte.
Cada obra apresentada na exposição traz alguma tecnologia que foi alterada por seu criador como uma forma de ativismo - algo que os curadores definem como "o hack enquanto prática artística extrema". "Originalmente", diz Jenny Marketou, artista da nova mídia e curadora de Art_Hack, "a palavra Hacker, como foi cunhada no MIT nos anos 60, era sinônimo de virtuose no computador. Hoje ela representa reapropriação, reforma e regeneração, não apenas de sistemas e processos, mas também de cultura".


A arte criada com a ética do código aberto permite que os artistas ofereçam mais do que apenas imagens bonitas. Eles podem produzir ferramentas funcionais que podem ser usadas por eles e por outros para criar novas formas artísticas, afirma a diretora do museu, Anne Barlow. "E dada a natureza do código aberto, o processo pode ser tão importante quanto o resultado", afirma.
De fato, o processo - como a obra foi criada e como poderá evoluir - é um dos principais aspectos da exposição. O ativismo - usar a arte e o hacking para modificar um sistema ou sabotá-lo completamente - é outro. Nesta exposição, o visual das obras não importa muito. O importante mesmo é o que se pode aprender e fazer com elas. "Cheguei à conclusão de que hackear é um processo que envolve uma combinação de informação, disseminação, ação direta, habilidade e soluções criativas", diz Marketou. "É um fenômeno importante e uma metáfora para como pensamos e manipulamos digitalmente a cultura em rede que nos cerca".

Art_Hack trará uma série de exibições interativas que envolverão os visitantes no ato de alterar ou minar o código usado no dia-a-dia pelos softwares e pela sociedade. Uma das instalações permitirá que os visitantes clonem (www.tracenoizer.org) seus próprios "corpos de dados" e os libertem na Internet. Os "clones" servirão como uma espécie de "dupla identidade", permitindo - em teoria - que seus donos evitem qualquer invasão de privacidade destinada a coletar informações. Um outro trabalho que faz parte da exposição explora a mesma idéia de desinformação ao usar ferramentas automáticas para criar páginas da Web falsas. As páginas falsas são então propagadas através de vários sites de busca, impossibilitando a verificação dos dados pessoais verdadeiros dos participantes. A idéia surgiu a partir da prática comum de fornecer dados falsos nos formulários de registro online.


Em Anti-wargame, o artista Josh On, do grupo Future Farmers (www.futurefarmers.com), desafia as idéias que existem por trás da maioria dos jogos de computador. No jogo desenvolvido por On, os jogadores ganham pontos ao demonstrar até a menor noção de consciência social.

O projeto CueJack, assinado por Cue P. Doll/rtmark, transforma o infame CueCat, um aparelho eletrônico destinado a fornecer informações de marketing para as empresas, em uma ferramenta capaz de fornecer dados aos consumidores. O Cuejack (www.cuejack.com) dá aos consumidores o acesso a um banco de dados contendo informações "alternativas" a respeito do fabricante dos produtos passados na leitora.

"Tenho grande interesse pela forma como os artistas distorcem o uso da tecnologia, aplicando-a em propósitos para os quais ela não foi planejada ou sancionada", diz Steve Dietz, curador de nova mídia do Walker Art Center (www.walkerart.org) e co-curador de Art_Hack. "Esse tipo de transformação parece ser um aspecto comum, se não fundamental, de todo uso artístico da tecnologia, inclusive a programação e o ato de hackear".

Também serão exibidas obras de arte criadas a partir de dados coletados por grampos eletrônicos conhecidos como "package sniffers". O projeto permite que os visitantes do museu testem as condições de segurança das redes de computadores de vários grupos ativistas. Quando o sniffer encontra uma brecha, um show de luzes e som se inicia.

"Devido à natureza dessa exposição, tive a oportunidade de questionar e ser questionada pelo museu em relação a várias questões legais abordadas por alguns trabalhos", conta Marketou. "Acho surpreendente como a maioria das instituições culturais desse país não estejam preparadas para abrigar exposições como esta por causa de questões técnicas e políticas associadas com algumas destas obras".

A exposição Art_Hack abre com a Noite da Cultura Digital, promovida por Marketou e Dietz, durante a qual se discutirá os méritos artísticos do hacking. Outros programas incluem um debate promovido pelo hacker alemão Rena Tangens a respeito dos conceitos americanos e europeus de privacidade, e um passeio pelas ruas de Manhattan com um guia que irá mostrar aos participantes a localização dos equipamentos ocultos de vigilância instalados na região.


Texto extraído da Wired News em português (www.wired.com.br).

1 comentários:

A Carta Secreta de Obama para Teerão: A Guerra contra o Irão está Suspensa?

0
12:30

por Mahdi Darius Nazemroaya [*]

 

– "A Estrada para Teerão passa por Damasco"

 

O New York Times anunciou que a administração Obama tinha enviado uma carta importante aos dirigentes do Irão a 12 de Janeiro de 2012. [1] A 15 de Janeiro de 2012 o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano reconheceu que a carta tinha sido entregue a Teerão através de três canais diplomáticos:


1) uma cópia foi entregue ao embaixador iraniano nas Nações Unidas, Mohamed Khazaee, pela sua equivalente norte-americana, Susan Rice, em Nova Iorque;
2) uma segunda cópia da carta foi entregue em Teerão pela embaixadora da Suíça, Livia Leu Agosti; e
3) uma terceira cópia partiu para o Irão através de Jalal Talabani, do Iraque. [2]
Na carta, a Casa Branca expunha a posição dos EUA, ao passo que responsáveis iranianos afirmaram que ela constitui um sinal do real estado das coisas: os EUA não podem dar-se ao luxo duma guerra contra o Irão.
Da carta, escrita pelo presidente Barak Hussein Obama, constava um pedido norte-americano para o início de negociações entre Washington e Teerão visando colocar um termo às respectivas hostilidades.


"Na carta, Obama anunciava a disponibilidade para negociações e a resolução de desacordos mútuos", declarou Ali Motahari, um negociador iraniano, à agência noticiosa Mehr. [3] De acordo com outro negociador iraniano, desta feita o vice-presidente da Comissão de Segurança Nacional e Política Exterior do Parlamento do Irão, Hussein Ebrahimi (Ibrahimi), a carta prosseguia solicitando a cooperação e negociações do Irão com os EUA baseadas nos respectivos interesses mútuos. [4]
A carta de Obama procurava igualmente assegurar Teerão de que os EUA não se envolveriam em quaisquer acções hostis ao Irão. [5] De facto, em simultâneo o Pentágono cancelou ou adiou grandes exercícios conjuntos com Israel. [6] Para os iranianos, porém, estes gestos são desprovidos de significado, dado que os actos da administração Obama têm sido sempre contrários às respectivas palavras. Mais amplamente, o Irão está persuadido de que os EUA não atacaram apenas porque sabem que os custos de uma guerra com semelhante oponente são demasiado elevados e as respectivas consequências demasiado arriscadas.


Todavia, isto não significa que um conflito aberto Irão-EUA tenha sido evitado ou que não possa acontecer. As correntes podem levar em qualquer direcção, por assim dizer. Nem tão-pouco impede que a administração Obama esteja já a conduzir uma guerra contra o Irão e os respectivos aliados. De facto, os blocos de Teerão e de Washington têm prosseguido uma guerra fantasma que se prolonga da arena digital e das ondas televisivas até aos vales do Afeganistão e às agitadas ruas de Bagdad.


A guerra contra o Irão começou há vários anos
A guerra contra o Irão não começou em 2012 ou sequer em 2011. A revista Newsweek chegou ao ponto de afirmar num título de página em 2010: "Assassínios, ataques cibernéticos, sabotagem ¯ será que a guerra contra o Irão já começou?" A guerra real pode bem ter começado em 2006. Em vez de atacarem o Irão directamente, os EUA iniciaram uma guerra encoberta e através de proxies. As dimensões secretas da guerra têm sido travadas através de agentes infiltrados, ataques cibernéticos, vírus informáticos, unidades militares secretas, espiões, assassinos, agentes provocadores e sabotadores. O rapto e o assassínio de cientistas iranianos que teve início há vários anos é uma parte constituinte desta guerra encoberta. Nesta "guerra sombra" vários diplomatas iranianos em Bagdad têm sido vítimas de sequestros e cidadãos iranianos em visita à Geórgia, à Arábia Saudita e à Turquia foram detidos ou raptados. Vários responsáveis sírios e importantes figuras palestinianas, bem como Imad Fayez Mughniyeh [dirigente do Hezbollah libanês], foram também assassinados.


A guerra por proxies começou em 2006, quando Israel atacou o Líbano com a intenção de expandir a guerra em direcção à Síria. O caminho para Damasco passa por Beirute, do mesmo modo que Damasco está na rota para Teerão. Depois do falhanço de 2006, e compreendendo que a Síria era o ponto fulcral do Bloco de Resistência, dominado pelo Irão, os EUA e os seus aliados passaram os cinco ou seis anos subsequentes a tentarem separar a Síria do Irão.


Os EUA combatem igualmente o Irão e respectivos aliados na frente diplomática e na económica, através da manipulação de organismos internacionais e de estados satélites. No contexto de 2011-12, a crise na Síria constitui ao nível geopolítico uma frente da guerra conta o Irão. Até mesmo os exercícios conjuntos norte-americanos e israelenses "Austere Challenge 2012" e a correspondente deslocação de tropas visaram primordialmente a Síria enquanto forma de combater o Irão.


A Síria no centro da tempestade
O que Washington está a levar a cabo consiste em exercer pressão psicológica sobre o Irão como maneira de o distanciar da Síria, de forma que os EUA e as suas legiões possam desferir o golpe mortal. Até ao começo de Janeiro de 2012 os israelenses têm estado em permanente preparação para o lançamento da invasão da Síria, numa repetição da iniciativa de 2006, enquanto os EUA e a UE têm continuadamente tentado chegar a um arranjo com Damasco, de forma a separá-la do Irão e do Bloco de Resistência. Todavia, os sírios têm persistentemente recusado esses avanços.


Foreign Policy, a revista do Conselho de Relações Externas (Council on Foreign Relations) norte-americano, publicou um artigo em Agosto de 2011 expondo o que era a visão do rei Saudita acerca da Síria no contexto do ataque ao Irão: "O rei sabe que à parte o colapso da própria República Islâmica, nada enfraquecerá mais o Irão do que a perda da Síria". [7]
Tenha esta afirmação sido genuinamente proferida ou não por Abdul Aziz Al-Saud, a respectiva concepção estratégica é representativa das razões para visar a Síria.

O próprio conselheiro de segurança de Obama disse a mesma coisa, poucos meses depois de a notícia da Foreign Policy ter sido publicada, em Novembro de 2011. O conselheiro de segurança nacional [Thomas E.] Donilon garantiu num discurso que o "fim do regime de Assad constituiria o maior inconveniente regional para o Irão ¯ um golpe estratégico que alterará o equilíbrio de poder na região contra o Irão." [8]
O Kremlin também produziu afirmações que corroboram a ideia de que Washington pretende separar a Síria do aliado iraniano. Um alto responsável russo para assuntos de segurança anunciou que a Síria está a ser punida pela sua aliança com o Irão. O secretário do Conselho Nacional de Segurança da Federação Russa, Nikolai Platonovich Patrushev, declarou publicamente que a Síria está submetida à pressão de Washington devido aos interesses geoestratégicos apostados na quebra dos seus laços com o Irão, e não em virtude de quaisquer preocupações humanitárias. [9]


O Irão também deu sinais de que, no caso de os sírios serem atacados, não hesitaria em intervir militarmente em seu apoio. Washington não pretende esse curso de eventos. O Pentágono preferiria engolir a Síria primeiro, antes de dirigir a sua atenção plena e indivisa para o Irão. O seu objectivo consiste em superar cada obstáculo à vez. Não obstante a doutrina militar norte-americana acerca da prossecução de guerras simultaneamente em vários teatros de operação, e de toda a correspondente literatura do Pentágono, a verdade é que os EUA não estão preparados para suportarem uma guerra regional convencional simultaneamente contra o Irão e contra a Síria, menos ainda para o risco duma guerra estendida aos aliados russo e chinês do Irão.


O caminho para a guerra, porém, está longe de ter chegado ao fim. Por enquanto, o governo norte-americano terá de continuar com a "guerra sombra" contra o Irão, enquanto intensifica as guerras mediática, diplomática e económica.

20/Janeiro/2012

NOTAS
[1] Elisabeth Bumiller et al., "US sends top Iran leader warning on Hormuz threat," The New York Times, 12/Janeiro/2012.
[2] Mehr News Agency, "Details of Obama's letter to Iran released," 18/Janeiro/2012.
[3] Ibid.
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] Yakkov Katz, "Israel, US cancel missile defence drill" Jerusalem Post, 15/Janeiro/2012.
[7] John Hannah, "Responding to Syria: The King's Statement, the President's hesitation," Foreign Policy, 9/Agosto/2011.
[8] Natasha Mozgovaya, "Obama Aide: End of Assad regime will serve severe blow to Iran," Haaretz, 22/Novembro/2011.
[9] Ilya Arkhipov e Henry Meyer, "Russia Says NATO, Persian Gulf Nations Plan to Seek No-Fly Zone for Syria," Bloomberg, 12/Janeiro/2012.


Ver também:

  • Solidariedade com os povos iraniano e sírio!
  • Petição ao governo português: Parar os preparativos de guerra! Acabar com o embargo!
    [*] Sociólogo, autor premiado e investigador associado do Centre for Research on Globalization (CRG), Montreal. Está especializado em questões do Médio Oriente e da Ásia Central. Tem contribuído para discussões relativas ao Grande Médio Oriente em numerosos programas internacionais e em estações televisivas tais como a Al Jazeera, a Press TV e a Russia Today. Escritos seus foram publicados em mais de dez idiomas. Escreve para a Strategic Culture Foundation, SCF, Moscovo.

  • O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=28736 . Tradução de JCG.
  • 0 comentários:

    A infinita Fluidez

    0
    10:04

    Num primeiro ato, nascemos,
    Nossos olhares ainda confusos contemplam o desconhecido,
    pequenas ilusões disformes se formam
    nossos passos são lentos e incalculados,
    parecemos pequenas embarcações rumo a terras inexploradas.

    Num segundo momento, caímos nas tribulações íntimas da carne, corremos em longos descampados destemidamente,
    tropeçamos mas somos indomáveis como as águas e as nuvens,

    Nos atolados em dívidas e dividendos cotidianos,
    repensamos as conclusões da infância,nao vacilamos antes de chegar ao fim de nós mesmos,queremos um colo ou todos os colos.,carros, edifícios, trens, aparelhos e construções elevadas,queremos ainda o delírio, o conforto, a certeza e por ventura até deus...

    num aleatório ato, nos consumimos com as razoes do tempo,
    o destino parece certo como a chegada ao próximo ponto,
    as músicas não envelheceram apenas suas lembranças,
    as pessoas se vão e se tornam pequenas formas de saudade grisalha, as mãos já não seguram mais com tanta força as verdades da aurora, mesmo jovens ou antigos, mesmo saudáveis ou moribundos, o último ato vem...


    Numa manhã cinzenta, com pétalas de chuva.
    E como pequenos embarcações rumo a terras inexploradas


    Como pequenas embarcações...

     

    Cybernic

    (Em mémoria ao Profº Ruivaldo – 24 de Janeiro de 2012)

    0 comentários:

    Os desaparecidos do Império

    0
    10:51

    ESCRITO POR ATILIO BORON

    Um artigo recente assinado por John Tirman, diretor do Centro de Estudos Internacionais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e publicado no Washington Post, apresenta com crueza uma reflexão sobre um aspecto pouco estudado das políticas de agressão do imperialismo: a indiferença da Casa Branca e da opinião pública em relação às vítimas das guerras que os Estados Unidos travam no exterior (1).

    Como acadêmico “bem-pensante” se abstém de utilizar a categoria “imperialismo” como chave interpretativa da política exterior de seu país; sua análise, em troca, revela claramente a necessidade de apelar a esse conceito e à teoria que lhe dá sentido. Tirman expressa em seu artigo a preocupação que lhe suscita, como cidadão que crê na democracia e nos direitos humanos, a incoerência na qual incorreu Barack Obama – não nos esqueçamos, um Prêmio Nobel da Paz -, em seu discurso pronunciado em Fort Bragg (14 de dezembro de 2011), para render homenagem aos integrantes das forças armadas que perderam a vida na guerra do Iraque (4.500, aproximadamente), quando não disse uma única palavra sobre as vítimas civis e militares iraquianas, que morreram por causa da agressão norte-americana.

    Agressão, convém recordar, que não teve nenhuma relação com a existência de “armas de destruição em massa” no Iraque ou com a inverossímil cumplicidade do antigo aliado de Washington, Saddam Hussein, com as travessuras que supostamente cometia outro de seus aliados, Osama Bin Laden. O objetivo fundamental dessa guerra, como a que ameaça iniciar contra o Irã, foi se apoderar do petróleo iraquiano e estabelecer um controle territorial direto sobre essa estratégica região para o momento em que o abastecimento de petróleo deva ser feito confiando na eficácia dissuasiva das armas, no lugar das normas daquilo que alguns espíritos ingênuos na Europa do século XVIII chamaram de “o doce comércio”.

    Em seu artigo, Tirman acerta ao recordar que as principais guerras que os Estados Unidos travaram desde o fim da Segunda Guerra Mundial – Coréia, Vietnã, Camboja, Laos, Iraque e Afeganistão - produziram, segundo suas próprias palavras, uma “colossal carnificina”. Uma estimativa, que este autor qualifica como muito conservadora, lança um saldo fúnebre de pelo menos seis milhões de mortes ocasionadas pela cruzada lançada por Washington para levar a liberdade e a democracia a esses desafortunados países. Se forem contadas as operações militares de menor escala - como as invasões a Granada e ao Panamá, ou a intervenção apenas dissimulada da Casa Branca nas guerras civis da Nicarágua, El Salvador e Guatemala, para não falar de confusões militares similares em outras latitudes do planeta - a cifra se elevaria consideravelmente (2).

    Não obstante, e pese as dimensões desta tragédia, às quais se deveria agregar os milhões de deslocados pelos combates e devastação sofrida pelos países agredidos, o governo e a sociedade estadunidense nunca evidenciaram a menor curiosidade, preocupação ou, digamos, compaixão (!) para saber do ocorrido e fazer algo a respeito. Essas milhões de vítimas foram simplesmente apagadas do registro oficial do governo e, pior ainda, da memória do povo estadunidense, mantido de maneira desavergonhada na ignorância ou submetido à interessada tergiversação da notícia. Como de maneira fúnebre reiterava o ditador criminoso argentino Jorge Rafael Videla, diante da angustiada pergunta dos familiares da repressão, também para Barack Obama essas vítimas das guerras estadunidenses “não existem”, “desapareceram”, “não estão”.

    Se o holocausto perpetrado por Adolf Hitler ao exterminar seis milhões de judeus fez que seu regime fosse caracterizado como uma monstruosidade aberrante ou como uma apavorante encarnação do mal, então qual categoria teórica haveria de se usar para caracterizar os sucessivos governos dos Estados Unidos que semearam mortes numa escala pelo menos igual, se não maior?

    Lamentavelmente, nosso autor não se questiona com essa pergunta porque qualquer resposta haveria colocado em questão o crucial artigo de fé do credo norte-americano, que assegura que os Estados Unidos são uma democracia. Mais ainda: que são a encarnação mais perfeita da “democracia” neste mundo. Observa com consternação, em troca, o desinteresse público pelo custo humano das guerras estadunidenses; indiferença reforçada pelo premeditado ocultamento que se faz daqueles mortos na volumosa produção de filmes, novelas e documentários que têm por tema central a guerra; pelo silêncio da imprensa sobre estes massacres – recordar que, depois do Vietnã a censura nas frentes de batalha é total e que não se podem mostrar vítimas civis e tampouco soldados norte-americanos feridos ou mortos; e porque as inumeráveis pesquisas que dia a dia se realizam nos Estados Unidos jamais indagam qual é o grau de conhecimento ou a opinião dos entrevistados sobre as vítimas que ocasionam no exterior as aventuras militares do império.

    Este pesado manto de silêncio se explica, segundo Tirman, pela persistência do que o historiador Richard Slotkin denominou “o mito da fronteira”, uma das conformações de sentido mais arraigadas da cultura estadunidense, segundo a qual uma violência nobre e desinteressada - ou interessada somente em produzir o bem - pode ser exercida sem culpa ou peso de consciência sobre aqueles que se interponham ao “destino manifesto” que Deus reservou aos estadunidenses e que, com piedosa gratidão, as notas de dólar recordam em cada uma de suas denominações. Só “raças inferiores” ou “povos bárbaros”, que vivem à margem da lei, poderiam resistir a aceitar os avanços da “civilização”.

    O violento despojo sofrido pelos povos originários das Américas, tanto no Norte como no Sul, foi justificado por esse mito racista da fronteira e edulcorado com mentiras infames. No extremo sul do continente, na Argentina, a mentira foi denominar como “conquista do deserto” a ocupação territorial a sangue e fogo do habitat, que não era exatamente um deserto, dos povos originários. No Chile, a mentira foi batizar como “a pacificação da Araucania” o nada pacífico e sangrenta submissão do povo mapuche. No norte, o objeto da pilhagem e da conquista não foram as populações indígenas, mas sim uma fantasmagórica categoria, apenas um ponto cardeal: o Oeste.

    Em todos os casos, como observou o historiador Osvaldo Bayer, a “barbárie” dos derrotados, que exigia a peremptória missão civilizadora, era demonstrada por seu... Desconhecimento da propriedade privada!

    Em suma: esta constelação de crenças - racista e classista até a medula - presidiu o fenomenal despojo de que foram objeto os povos originários e libertou os devotos cristãos, que perpetraram o massacre, de qualquer sentimento de culpa. Na realidade, as vítimas eram humanas só na aparência. Essa ideologia reaparece em nossos dias, claro que de forma transfigurada, para justificar o aniquilamento dos selvagens contemporâneos. Segue “oprimindo o cérebro dos vivos”, para utilizar uma formulação clássica, e fomentando a indiferença popular diante dos crimes cometidos pelo imperialismo em terras distantes. Com a inestimável contribuição da indústria cultural do capitalismo, hoje a condição humana é negada aos palestinos, iraquianos, afegãos, árabes, afro-descendentes e, em geral, aos povos que constituem 80% da população mundial.

    Tirman recorda, como já havia feito antes Noam Chomsky, o sugestivo nome designado à operação destinada a assassinar Osama Bin Laden: “Gerônimo”, o chefe dos apaches que se opôs à pilhagem praticada pelos brancos. O lingüista norte-americano também lembra que alguns dos instrumentos de morte mais letais das forças armadas de seu país também têm nomes que aludem aos povos originários: o helicóptero Apache, o míssil Tomahawk, e assim sucessivamente.

    Tirman conclui sua análise dizendo que esta indiferença diante aos “danos colaterais” e das milhões de vítimas das aventuras militares do império enterra a credibilidade de Washington quando pretende se elevar a campeão dos direitos humanos. Acrescentamos: enterra “irreparavelmente” essa credibilidade, como ficou eloqüentemente demonstrado em 2006, quando a Assembléia Geral da ONU criou o Conselho de Direitos Humanos, em substituição à Comissão de Direitos Humanos, com o voto quase unânime dos Estados-membros e repúdio solitário dos Estados Unidos, Israel, Palau e Ilhas Marshall (3). O mesmo ocorre quando ano após ano a Assembléia Geral condena por uma maioria esmagadora o bloqueio criminoso a Cuba, imposto pelos Estados Unidos.

    Mas não é somente a credibilidade de Washington que está em jogo. Mais grave ainda é o fato de que a apatia e o torpor moral, que inviabilizam a questão das vítimas, garantem a impunidade daqueles que perpetram crimes de lesa humanidade contra populações civis indefesas (como nos casos de My Lai, no Vietnã, ou Haditha, no Iraque, para não mencionar os mais conhecidos).

    Porém, isso vem de longe: recorde-se a patética indiferença da população norte-americana diante das notícias do bombardeio atômico em Hiroshima e Nagasaki, e as mensagens que enviava o correspondente do New York Times destacado no Japão, dizendo que não havia indícios de radioatividade na zona bombardeada! Impunidade que alentará futuras atrocidades, motorizadas pela inesgotável voracidade de lucros que exige o complexo industrial-militar, para o qual a guerra é uma condição necessária, imprescindível, aos seus benefícios.

    Sem guerras, sem escalada armamentista, o negócio produziria prejuízos, e isso é inadmissível. E são os lucros desses tenebrosos negócios, não nos esqueçamos, que financiam as carreiras dos políticos norte-americanos (e Obama não é exceção a esta regra) e sustentam os oligopólios midiáticos com os quais se desinforma e adormece a população. Não por acaso, os Estados Unidos guerrearam incessantemente nos últimos sessenta anos.

    Os preparativos para novas guerras estão à vista e são inocultáveis: começam com a satanização de líderes desafetos, apresentados diante da opinião pública como figuras despóticas, quase monstruosas; seguem com intensas campanhas publicitárias de estigmatização de governos desafetos e povos dissidentes; logo, vêm as condenações por supostas violações aos diretos humanos ou pela cumplicidade daqueles líderes e governos com o terrorismo internacional ou o narcotráfico, até que finalmente a CIA, ou algum esquadrão especial das forças armadas, se encarrega de fabricar um incidente que permita justificar diante da opinião pública mundial a intervenção dos Estados Unidos e seus comparsas para pôr fim a tanto mal. Em tempos recentes, isso foi feito no Iraque e depois na Líbia.

    Na atualidade, há dois países que atraem a maliciosa atenção do império: Irã e Venezuela, por pura coincidência donos de imensas reservas de petróleo. Isto não significa que a funesta história do Iraque e da Líbia vá necessariamente se repetir, entre outras coisas porque, como observou Noam Chomsky, os Estados Unidos só atacam países frágeis, quase indefesos, e ilhados internacionalmente. Washington fez o impossível para estabelecer um “cordão sanitário” para isolar Teerã e Caracas, até agora sem êxito. E não são países destruídos por longos anos de bloqueio, como o Iraque, ou que se desarmaram voluntariamente, como a Líbia, seduzida pelas hipócritas demonstrações de afeto de uma nova camada de imperialistas. Afortunadamente, nem Irã nem Venezuela se encontram nessa situação. De toda forma, terão de estar alertas.

    Notas:

    1) “Why do we ignore the civilians killed in American wars?” (The Washington Post, 5 de dezembro de 2011).

    2) Especialistas internacionais asseguram que o número de vítimas ocasionadas pelos Estados Unidos no Vietnã ronda as quatro milhões de pessoas. A estimativa total de seis milhões subestima em grande parte o massacre desencadeado pelo imperialismo norte-americano em suas diferentes guerras.

    3) Acrescentamos um dado bem significativo: quando a Assembléia Geral teve que decidir a composição do Conselho, em 9 de maio de 2006, os Estados Unidos não conseguiram os votos necessários para ser um dos 47 países a integrá-lo. Uma grande definição sobre a nula credibilidade internacional dos Estados Unidos como defensor dos direitos humanos!

    Traduzido por Rodrigo Jurucê Mattos Gonçalves (PCB – Partido Comunista Brasileiro)

    0 comentários:

    RESTOS DE PEQUENOS PERCURSOS

    0
    10:18

     

    Fecho os olhos perante a ausência do percurso desconhecido,
    o dia abre-se em frascos repetidos,
    a decisão precisa ser tomada em goles de sentidos,
    deixo-me adormecer antes de adentrar nas locomotivas escaldantes, abandono as mãos num lugar visível e contemplo paisagens até então obvias.


    Esse erro lamentável afasta-me da sensação vulcânica da existência, o dia na verdade é uma montanha que renasce em diversos lugares possíveis, escalamos até as altas horas, em tênue força matinal, ao som das embarcações do destino;
    nas pedras pontiagudas do acaso.

    Fecho os olhos perante a ausência do percurso desconhecido, o dia fecha-se e então:

    Para que inventamos a palavra recomeço?

    0 comentários: