Radiohead Brasil em 22-03-2009 Impressões acerca de uma eternidade viva

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Foto tirada por João Leno Lima

Quase um ano após o mítico 22 de Março de 2009, eu ainda não consigo descrever o que aconteceu naquela chácara. Como num processo de delírio tudo se misturou nas memórias inesquecíveis e tem seu lugar - como num monumento abstrato - na eternidade do nosso ser.

Nesse dia, um grupo de amigos, da longínqua Oxford, gente que faz música primeira pra própria música e pra si mesma, pousariam com seus revolucionários leds ecologicamente fascinantes, seus enquadramentos cinematográficos que passam longe dos clichês do estilo, sua impecável pontualidade e sua áurea de mitos/gênios/poetas vivos capazes que fazer viagens especiais à lua com qualquer uma das suas canções.

E por falar nelas... Foram vinte seis atos de uma peça que virará pelo menos pelos pra mim, tradição reviver sempre, mas, longe de qualquer encenação, sentimos o espetáculo de arte, arte brutal, performances inigualáveis de tão profundamente reais, sem marcações ou maneirismo, sem camisas da seleção ou espaços vips, a arte ali, se misturando com cada um que saiu de longe, muito longe, dos confins para vê-los ali, em estado puro, sem as vítreas paredes do cd.

O que aprendemos num redemoinho supersônico em 22 de Março, foi que a arte ainda é capaz de arrebatar nossas almas e nos levar até onde queremos, sem contradição, sem caricaturas e oportunismo, aprendemos que cada canção é um universo em si - lição aprendida nos sete discos dos ingleses. Desda abertura já clássica de “15 Step” - do já lendário In Rainbows- onde Jonny entra com uma capa azul cobrindo seu rosto - do que ele se escondia? - e destila segundos depois seus acordes inconfundíveis, fusões alienígenas de jazz e radiohedianismo e Thom dançando sobre as nuvens e nós ainda com pés nesse planeta começamos o processo de transcendência rumo a algum lugar belo e que jamais iríamos querer voltar.

“There There” retumbando seus tambores, como corações entorpecidos de angustia, Thom magistral, como um peregrino pelos pântanos de si mesmo, enquanto Ed e Jonny ensurdecendo os espaços das nossas percepções. “The National Enther”, mostrando porque Kid A é uma obra espiritual, deixa-nos em transe e eufóricos, estamos dentro de uma das canções mais geniais da nossa geração. “Pyramid Song” - primeiras lágrimas - gestos de devoção ao instigante amnesiquiamento de nossos sentidos, o mundo lá fora é uma ilha e estamos no mar - profundo e indivisível mar- de nós mesmos.

Passamos por peixes estranhos também, alargamos nossas pupilas para os otimismos sombrios da nossa época ou nos sublimes violões num dueto folk entre o vento e o pássaro em “Faust Arp” ou entre os acordes perfeitos de “Karma Police” e seu canto final que nunca foi tão completo e fez tanto sentido para nós como nesse dia.

A catarse de “Climbing Up The Walls” e nesses instantes já estamos escalando os muros dos nossos próprios sonhos. Esquecemos as horas que passamos nas filas e de como foi difícil e prazeroso a chegada até então, que estamos enlamaçados dos nossos próprios desejos e que éramos e somos "afortunados" desse encontro.

Encontro, aliás, que promoveram amizades, restabeleceram elos antigos e abstratos e naquele momento reais, numa babilônia sonora havia só uma linguagem. O sentimento.

São Paulo, Bahia, Piauí, Belém, Manaus. Foram um dos acordes em forma de sotaque que pude ouvir perto de mim enquanto uma música era carinhosa preparada para nos enriquecer de poesia. Como “Exit Music”, comunhão espacial com cada acorde, cada gesto, cada frase declamada pelo visionário, o silêncios da comunhão sonora, onde planejávamos fugir a tantos anos e estamos aqui, nossas almas sufocadas de sorrisos, olhos fechados, mãos para o ar e reverencia a arte.

O Homem precisa da arte, precisa sentir isso com todo esse grau é a conclusão cheio de suor e vislumbre..

E o que falar de um dos instantes mais soberbos da história da Radiohead? Ainda tivemos pelo caminho uma “Nude” irretocável com Thom pairando seu vocal acima de nós e nos observando, nus, olhos nos olhos para ver o que nós sentimos meu deus, que sentimento...

Em “Videotape”, vemos Thom sentando ao piano quase de costas para comungar com a música a tratá-la com belos afagos e nos ensinar que ela está acima...sempre acima. Quando surge “Paranoid Android” o mundo pára. As pupilas se arreganham em acordos de punhos tentando arremessar para bem perto da canção e roçar seu rosto e sentir sua pulsação naquela instante, o batimento do seu coração em ondas sonoras inenarráveis. Nada mais perplexo diante de um épico contemporâneo, canção cultuada como uma das canções mais poderosas da história da música. Ela vai deslizando, a banda toda trabalhando numa harmônica e nervosa sinfonia, erguendo sua monumental pirâmide futurista. Nós embasbacados, não ousamos piscar os olhos, antes de Jonny destilar o ato um do seu paranóico e chapante solo, os devotos, como eu, que pulavam segundos antes agora estão de joelhos nas imensidões, cientes, que aquele momento, é um dos momentos mais completos e perfeitos de suas vidas.

Houve tempo ainda para um inexprimível coro de uma chuva invisível de estupefação que pairava sobre nossas mentes, não havia espaço para cansaço ou angustia tudo estava de mãos dadas com os deuses da música, e eles semideuses cientes que também viveram um momento raro que chegava ao âmago com Thom duateando conosco com seu violão num dos versos mais caros a sua poesia...

Poderia encerrar aqui esse meu desabafo intimo, personalíssimo, de quem tem eles como gênios vivos e sua arte como uma lei da natureza capaz de espiritualizar o instante mas ainda houve uma “You And Whose Army”, com excêntricos enquadramentos no olho esquerdo do Thom enquanto esse mergulhava sua cabeça nos acordes oceânicos de Jonny enquanto Colin preenchia os espaços fluindo sangue para as artérias da melodia e nós, prontos para fugir num cavalo fantasma sem titubear. Poderia encerra aqui as minhas impressões, tantas outras canções que eu estava tão mais tão longe que me lembro delas como uma espaçonave onde eu adentrava as galáxias mais sublimes, galáxias que nunca estiveram tão perto de mim e eu delas quando Jonny destila seu solo em “Lucky”, pude tocar numa estrela numa das canções mais flutuantes já escritas, voltei a terra para chorar na essencial “Fake Plastic...”, canção rara, Jeff Buckley também choraria e Renato Russo iria para alguma montanha mágica qualquer...

E quando tudo estava no seu devido lugar - mera ilusão deles por que jamais tudo voltará a estar no lugar depois desse dia e sempre vamos ficar com a certeza de um dia perfeito e com a ânsia absurdamente humana de desejar reencontrar aquilo que tanto nos marcou de forma jamais sentida antes - quando planejamos voltar a essa galáxia, pegar carona num cometa talvez ou esperar uma estrela cadente, eles voltam e para dizer que nós somos especiais e pena que eles não são (Creep)

Poetas são assim... Suas poesias definem sua lógica e abraçam nossos corações mesmo que seja cruel para eles exprimir isso... Só que somos obrigamos a discordar e acreditar o quanto foi especial existirmos e eles existirem.

Enquanto eu seguia com meu olhar no ultimo membro da banda sumindo nos confins do palco mágico, ia pensando...

No dia 22 de Março de 2009 todos nós naquelas horas éramos poetas e escrevemos e vivemos e sentimentos o essencial de uma poesia.

Não houve nada a temer e não há o que duvidar.

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