a luz instantânea de Andrey tarkovsky

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Pequeno tributo no vigésimo oitavo aniversário de morte do mestre Andrey Tarkovsky (1932-1986)

 

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Por | Andrey Tasso

 

Foram apenas sete filmes, entretanto, parece que foram centenas. Tantas belas imagens, outras tantas reflexões filosóficas atemporais, uma infinidade de poesia esculpidas no tempo-espaço das lentes de um gênio poeta  e vice versa. Cada detalhe caro, modelado em câmeras quase imperceptíveis e estáticas, como uma moldura sobre as metáforas da realidade das coisas, verdadeiras fotografias delicadas em rostos tomados pelo estado bruto da arte e esta sendo executada ali, no ato-fílmico, na criação escrita no exato momento que é vivida, o cinema finalmente em seu posto, tornando-se uma arte irretocável, junção de todas para nascer, com Tarkovsky, uma singularidade.

 

Publicado Em 2006, Instant Light: Tarkovsky Polaroides, pela editora inglesa Thames & Hudson,  reúne oitenta fotografias tiradas com a máquina polaroide. Neles podemos mais uma vez sentir a poética de Andrey, vista em sua filmografia, mas agora na atenção tênue ao instantâneo, a luz calma, densa em sua divagação, impregnada de sensibilidade e solidão do espaço, das coisas, da simbologia do homem e a contemplação do mundo exterior para o interior de suas divagações inconfessáveis. Imagens congeladas, Vistas de perto em profunda investigação. Muitos dos elementos do trabalho do cineasta russo estão presentes nesse despretensioso trabalho.

 

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Tonino Guerra (com quem Tarkovsky trabalhou no documentário Tempo di Viaggio filmado em 1983) e que também faz o prefácio do livro,  certa vez, relevou que foi Michelangelo Antonioni que deu de presente a máquina polaroide à Andrey. O trabalho começou antes do exílio do russo na Itália e antes também no lançamento da obra prima Stalker (1979) e se estendeu até depois das filmagens de um dos grandes trabalhos de Tarkovsky, Nostalgia, lançado em 1983 e filmado na Itália.

 

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Há de se ressaltar: Tarkovsky nasceu próximo ao rio mais longo da Europa, o rio Volga, na pequena Zavrazhye. Essas informações são importantes também para compreender os elementos de sua arte. Filho do poeta Arseny Tarkovsky e da editora e atriz Maria Ivanovna, esta, grande incentivadora da intelectualidade e do gosto pelas artes do cineasta. Algumas biografias apontam certo momento de rebeldia de Andrey alimentado sobretudo pelo pai. A sensibilidade aguçada também teve influência da irmã, Mariana.

 

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Andrey não voltaria mais para sua terra natal. As fotografias tiradas nesse período remetem ao mundo muito próximo dos seus filmes e também, é como se o poeta estivesse pressentindo que não veria mais aqueles lugares e sobretudo, seu filho Andrei Tarkovsky (mesmo nome no pai) que ficou impedido de sair da Rússia dos 11 aos 16 anos, reencontrando o pai apenas em Paris, em seu leito de morte, em 1986.

 

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Para quem acompanha e ama cada detalhe da filmografia do russo, encontra nas polaroides, um universo intimamente familiar. A poética da simbologia do olhar. Da perspectiva filosófica em compreender os signos que movem o mundo, por vezes, ocultos mas obsessivamente percebidos pelas oníricas sutilezas de um estado de sensações jamais falseadas e que acaba sendo objeto de visualizações espirituais do artista.

 

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Basta olharmos que os versos se desdobram sobre nossas percepções. Nessas fotografias estão recortes da Infância de Ivan (primeiro filme e obra de arte do cineasta), rabiscos de Rublev, o cão e os nevoeiros de Stalker e Nostalgia, a simplicidade imóvel de Sacrifício, a identidade existencial construída ao longos dos anos e retratada em O espelho.

 

Parecia e está se revela uma verdadeira certeza, que Andrey Tarkovsky não era apenas um dos maiores cineastas da história, era antes disso, um artista buscando o sentido para as coisas e nessas fotografias, seus filmes, seu livro, suas reflexões e entrevistas remetem a isso: Um ser humano profundamente sensível e determinado em sentir o quão pode ser transformadora a experiência da arte em suas múltiplas facetas.

 

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Para acessar estas e outras imagens | http://www.diphotos.net/JJ/Tarkovskij/Web/li.htm

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a passagem do tempo em ‘boyhood’

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Por | João Roc

 

Doze anos de nossas vidas. Foi este o tempo que Richard Linklater de (Antes do Amanhecer, 1995) passou para nos entregar seu novo trabalho chamado Boyhood. E provavelmente a fluidez que sentimos nesta película é muito fruto desta paciente modelagem, ou um tempo sendo esculpido em tela e em cada personagem, como sugere o livro ‘Esculpir o Tempo’ do Andrey Tarkovsky.

 

A pergunta que talvez possamos fazer depois da experiência de assistir Boyhood é: Por que tudo isso? Por que a vida? Por que fazemos o que fazemos e por que as coisas funcionam deste jeito, que jeito? Não sei, o seu, o meu jeito. A princípio pode até parecer um questionamento puramente juvenil, talvez até seja, mas enquanto vamos mergulhando nas experiências, mudanças, escolhas destes personagens; é como se estivéssemos também a ver, como um videotape, recortes de nossas vidas e pudéssemos por algum momento perceber, de fora, mudando de lugar com um imaginário telespectador, nossas posturas, razões e motivações para continuar vivendo e nesse processo, parar, algo tão caro nesses nossos tempos modernos, e entender o que está acontecendo e por qual transformação estamos passando neste exato instante. Todos nós; adultos, crianças, jovens…

 

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O tempo, um rio congelado onde abriga cada acontecimento que vai, de alguma forma e até certo ponto, influenciar o próximo passo, como uma grande teia, um grande painel de sensações, um poema sendo escrito, mas que não temos noção de estar a escrever a não ser que alguém diga: Estais a escrever sua história? E você se dá conta que sim e foi isso que fez Richard Linklater em seu novo trabalho e talvez por isso esteja sendo tão aclamado pela crítica.

 

Não à toa, Christopher Nolan fez um paralelo com sua obra prima, Interestelar, e Boyhood. Lá o tempo é implacável e aquilo que por escolhas não pudemos viver, irreversivelmente perdem-se num limbo de dor, tão demasiadamente humana. Na construção de Linklater, é como se estivéssemos no olho do furacão, o mundo ao redor acontecendo. Pais divorciando, novos amigos, velhos amigos partindo, pessoas diferentes em lugares diferentes dos nossos, ao mesmo tempo em que vivemos algo aqui, ali perto, talvez no vizinho ou no parente que não falas há algum tempo, coisas estão acontecendo, a fluidez, o envelhecimento, novos amores, novo emprego, nova cidade, nova casa, novo ano chegando e com eles, para alguns, novas promessas, como num grande alvoroço, a vida como um hipopótamo, como no delírio de Machado de Assis em Brás Cubas, levando-nos sem pedir permissão aos confins.

 

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Como nota, o trabalho de Ellar Coltrane é fantástico e foi muito facilitado pela grande atuação de Patrícia Arquette e magnífica construção de Ethan Hawke como o pai que mora longe e visita os filhos nos finais de semana. Na verdade, Richard Linklater entregou para cada um, um documentário de suas próprias vidas como ator. Cada ator e atriz fizeram nestes doze anos, vários filmes, inclusive o diretor.

 

Boyhood acabou sendo o retrato de suas vidas, outros rumos, outros caminhos não só como artistas, mas como pessoas e é nesse sentido que esta obra é arte no sentido de ser tão espelho, tão universalmente fiel ao fluxo natural da vida e fazer uma leitura nossa capaz de nos envolver em sua profundidade. Pulamos de páginas em páginas, certas coisas não podem ser mudadas mas podem ser reescritas em outra época, em novas formas de olhar, sentir, enquanto há a vida há experiências, elas existirão, quer você tenha noção ou não, podemos controlar certas escolhas mas algumas são como vem, independentes de nós e o que vai acontecer é um sublime mundo desconhecido. Vivamos então!!!

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