Reflexão sobre a música mais popular do Pará

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13:41

Por: Cybernic

O universo da música popular é vasto. Em todos os lugares da grande globo, há dignas e interessantes manifestações culturais envolta na música e nas artes de um modo generalizado.

especificamente, no Pará, nos ultimos anos, cresceu de forma mais clara (chegando a outras regiões do país e da mídia) o chamado "Tecnobrega". movimento que visa trazer à luz da modernidade, uma música que já estava sendo feita mas que pouco havia de diálogo com o grande público fora do âmbito do estado.

Como movimento, o techno brega, carrega um interessante jogo de marketing em se tratando de distribuição de seu material pelas rádios e as chamadas "aparelhagens" (grandes estruturas que comporta palcos, maquinários de iluminação, djs) tudo de forma itinerária, circulando por várias regiões e municípios, além de Belém, capital.

Se apoiando na indústria informal, no jabás das rádios locais e sobretudo nas aparelhagens, os músicos conseguem divulgar seus trabalhos, por vezes, feito de apenas uma música, que navega por todas as formas de acesso pelo estado, causando a sensação de um grande sucesso de público.

o faça você mesmo, encontra uma repaginação, enquanto a falta de apoio de grandes gravadoras e até o déficit financeiro que alguns dos música passa, até ter sua canção na mente do povo.

Como música o Tecnobrega não traz nada de novo e de inovador para a música feita nos tempos atuais. Suas incessante reciclagem de sons de outros artistas, muitas das vezes os mesmos que freqüentam as novelas globais e outras mídias mais populares, é um atestado controverso.

Apesar de levar o nome "techno" como difusor de uma música eletrônica mais de caráter moderno e popular também encontra pouco sentido quando o teste do ouvido é ativado para uma leitura mais cuidadosa das músicas. O Techno ( um dos ou o movimento de música mais inovador da música contemporânea) pouco é representado. Na verdade, o chamado techno brega poderia facilmente enquadrado em "eletro brega" com o abuso de vocais manipuladores, passagens com samples e cliques diversos em suas canções computadozidas.

Porém, o Tecnobrega, em se tratando de letra, não foge a regra do que é feito na música pop brasileira nos ultimos 20 anos.

Em comparação com outros estilos (axé, pagode, rock, sertanejo)  que freqüentam a grande mídia corporativa e os mais acessíveis meios, o movimento também encontra não um postura de inferior e sim de no mínimo igualitária e condizente com o modelo de música que preenche radiofonicamente as praças mais populares da música brasileira e nesse sentido, a música brasileira apresentada dentro e fora do país pelos mais respeitados meios de comunicação, é lamentável.

É notório também o apelo popular do movimento no estado do Pará e até de uma classe de músicos (da chamado MPP) que aderiu e incorporou alguns artistas do estilo em palcos e festivais antes um pouco mais inacessíveis.

Se o faça-você-mesmo para ser o espirito de vanguarda dos músicos do chamado techno brega o mesmo não aconteceu com sua música. De cunho até conservadora e de pouca ousadia em sua estrutura, com letras condescendes com as temáticas vigentes e vendáveis e de apelo simplório em muitos casos, o Tecnobrega, preenche bem  a lacuna deixada por músicos/artistas que poderiam até buscar novos mecanismo e revoluções para sua música, mas que ficaram pelo caminho, apenas posando de “artistas”, como uma paisagem de si mesmo, com seus violões inteligentes e com a inercia criativa e a pouca vontade de inovar no peito.

Também se deve ao descaso absoluto dos medias comercias, em acreditar na variedade de artistas que existe em Belém e no estado, nos meios alternativos, no subsolos undergrounds que existe em cada cidade, bairros etc... do estado. De acreditar na pluralidade de estilos e em novas linguagens.

Vivemos na verdade um período (universalmente) onde, a arte, acima de tudo, precisa saber dialogar com as pessoas como produtor e não como arte.

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ARQUIVO RIZOMA - CANETA DIGITAL

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12:55

CANETA DIGITAL

 

Patrícia Moran


Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
O slogan punk do início dos anos 80 do it youself, chegou ao vídeo. A miniaturização de equipamentos de produção como câmeras digitais e ilhas de edição em computadores domésticos está criando o vídeo de garagem. A qualidade do equipamento permite tanto o transfer para cinema 35mm, quanto um trabalho jornalístico. Já na realização artística o maior acesso a um equipamento praticamente portátil e com recursos sofisticados cria uma outra cultura de produção; câmera e ilha de edição funcionam como caneta e caderno de notas. Há um tempo maior para imersão nos trabalhos. Por outro lado, mais de um trabalho costuma ser produzido ao mesmo tempo. Algumas vezes os trabalhos surgem do registro gratuito de situações, roteiros são apresentados em vídeo. Em suma, a caneta digital é a versão garagem do audiovisual com as portas abertas a diversas experiências. ...........................................................................................................

 

Agosto, de Avi Mograbi
Vinheta de apresentação
Na introdução de seu livro The language of new media, Lev Manovich coloca o desafio de se pensarem as novidades das novas mídias no momento em que as estamos experimentando. Para o autor estudos desta natureza podem ter mais equívocos, o que seria um resultado do olhar projetivo e da falta de maturidade no uso do meio. Mas este tipo de esforço tem além do papel que cabe a qualquer ensaio teórico – o de elaborar uma perspectiva de análise sobre um assunto específico - fornecer a futuros estudiosos nosso ponto de vista ainda verde em algumas questões, sobre as novas mídias. Estaremos assim mostrando o olhar da descoberta e por conseqüência o que estas inovações significaram por ocasião de seu lançamento para as pessoas que viveram sua instauração.


Nos propomos a abraçar esta “causa” e tentar mapear e analisar algumas mudanças na maneira de produção audiovisual tendo em vista a generalização do uso do equipamento digital, seja na captação ou finalização. Nossa ênfase é a tecnologia digital e como novos hábitos, comunidades e culturas resultantes desta produção fazem emergir um novo processo criativo, uma nova criatividade.
Gostaríamos de lembrar que um novo artefato tecnológico não se traduz necessariamente em uma proposta de linguagem inovadora.

Mas diversos trabalhos exibidos tanto no circuito comercial quanto no alternativo têm mostrado experiências instigantes que souberam utilizar recursos oferecidos pelo equipamento digital de uma maneira ainda não vista. Realizadores consagrados como Godard em seu último filme O elogio do amor trata a cor conferindo novo sentido às imagens. O documentarista israelense Avi Mograbi, um dos vencedores do Festival de Berlim de 2002 e de diversos festivais, entre eles o “It´s all true” 2002, no Rio de Janeiro e

São Paulo com seu filme Agosto também tem uma perspectiva particular e inventiva. Destacamos o trabalho de Mograbi menos pelo uso da cor e mais pela maneira como a câmera, uma mini-DV, imprime à movimentação e à imagem captada uma tensão e descomprometimento típicos do que denominamos caneta digital. O realizador vai para as ruas e se propõe explicitamente a aventura de ser sujeito e objeto do trabalho. Ele tem um propósito, ele busca uma questão, e sai para a rua em busca dela. Este é um dos aspectos da miniaturização do equipamento que iremos tratar adiante. Nos dois casos temos peças audiovisuais marcadas por uma opção técnico-estética.


O cinema digital atinge tanto a ponta comercial da arte do audiovisual, quanto possibilita a invenção de novas formas de trabalho à qual denominamos de vídeo de garagem, numa alusão direta ao rock de garagem e à liberdade de expressão proporcionada nesta situação de trabalho. Buscaremos um paralelo entre a cena punk do início dos anos 80 e a situação do audiovisual nos dias de hoje.


Também utilizaremos a título de exemplo experiências como as de Avi Mograbi acima citado, e de Éder Santos, artista brasileiro que tem uma carreira internacional construída com sua criação audiovisual em vídeo, instalações e performances.


Recentemente, na apresentação de seu último projeto de roteiro Blue Desert, vencedor do concurso promovido pela Fundação Vitae, Éder entregou parte dos aspectos formais exigidos pelo edital em vídeo. Ou seja, antes de desenvolver o roteiro - o concurso era para a realização do roteiro - ele apresentou imagens e sons. O que aparentemente é um paradoxo, entregar um vídeo para pleitear recursos para redigir um roteiro, pode estar se configurando em outra escrita.


Em suma, nos propomos a mapear uma nova cultura de produção proporcionada pelo barateamento e melhoria de qualidade do equipamento digital. Consideramos que esta mudança traz um novo olhar, um novo tipo de imersão no trabalho o que resulta na escrita da caneta digital.


A cena digital


A consolidação da pesquisa e produção audiovisual vem acompanhada da união de empresas como a Lucas Filmes, de instituições governamentais como a NASA, de universidades e de artistas para a investigação e descoberta de soluções tanto no âmbito de simuladores com uma utilização prática imediata, quanto de trabalhos artísticos e comerciais(1). Essa união de saberes para a criação de hardware, software ou peças de arte testemunha a importância da união e troca de conhecimentos possibilitados e demandados pela cena digital. A associação dos grupos acima citados não se restringe à invenção de novos instrumentos de trabalho, passa por soluções que se fazem presentes no trabalho, na imagem no som, enfim na linguagem. Essa união é ainda importante em termos da filosofia da ciência pois saberes que estavam separados são chamados novamente a operar em conjunto.


Os realizadores que não tem acesso à tecnologia mais cara de uma linha, que fazem seus vídeos de garagem, também participam dos debates de criação e ajuste de programas. Hoje já é praxe nas corporações produtoras de software a consulta regular a diversos realizadores e/ou técnicos espalhados pela rede. Sejamos mais claros. Um programa antes de ser lançado no mercado, têm versões beta disponíveis na rede para o uso dos curiosos. Alguns destes, normalmente jovens inventivos, se deliciam em apontar falhas nos programas, inclusive criam uma disputa entre si para ver quem conseguirá entender melhor o programa e descobrir usos não previstos dos mesmos. De acordo com as sugestões oferecidas pelo testador curioso, as companhias elegem alguns para receber diversos produtos da empresa e testá-los.

Listas de discussões na rede sobre programas aprovados, mas com suas primeiras versões ainda com problemas, também utilizam as questões levantadas pelos usuários para repensar e refazer a nova versão do programa.


Estas situações são um esboço de uma nova cultura de troca e produção da cena digital. De um lado há o esmaecimento da linha divisória entre profissionais e amadores. Os testadores nem sempre são desenvolvedores de programas, mas estão sugerindo mudanças para estes. Outro dado interessante é que muitas vezes quem mais contribui são jovens com tempo disponível, jovens que tem uma relação apaixonada com as máquinas e em suas “garagens” operam como profissionais. A fronteira arte e não arte também é atingida. Designers gráficos e realizadores de filmes voltados para a rede por exemplo, não necessitam do carimbo de arte para produzir, e assim caminham e criam experimentações originais entendidas pelos estudiosos de arte como tal. (2)


O acesso a programas também não se pauta em divisões profissional e amador. Alguns softwares como o Photoshop (3) são utilizados tanto por amadores, quanto profissionais. Do garoto que tem uma cópia pirata, ou um genérico segundo os vendedores, ao profissional de Hollywood, todos usam o Photoshop. Mas não é apenas no acesso a um software que percebemos a proximidade do trabalho amador e profissional, diversos procedimentos de manipulação de programas são próximos. O uso de programas é assim a porta de acesso a uma lógica de trabalho que será desenvolvida em escala de mercado ou doméstica.


A possibilidade do entusiasta do audiovisual ou do artista ter acesso a programas complexos em sua própria casa acontece graças à diminuição do tamanho e dos custos do equipamento.

Um computador G4 da Macintosh, um software de edição de imagens, outro para o som, uma câmera digital funcionando como vídeo, duas caixas de som, um amplificador e um monitor são mais baratos que dois vídeos Betacam, e com vídeos Betacam nada se faz, enquanto com esta configuração de equipamento é possível se realizar a captação, finalização e até distribuição pela rede do trabalho. O avanço da indústria no barateamento das máquinas tem proporcionado a um número cada vez maior de pessoas o acesso à criação.


O aumento da quantidade de trabalhos produzidos extrapola um dado estritamente estatístico. Um maior número de trabalhos representa potencialmente mais pessoas realizando e de maneira diferente. A qualidade, o novo, não tem uma relação causal com a quantidade, mas potencializa alternativas de expressão diferenciadas, principalmente quando consideramos que os custos de alguns trabalhos são pequenos pelo fato dos meios de criação estarem ao alcance do realizador.

A ampliação dos “circuitos” de exibição como já citamos é uma novidade da cena digital. Um filme produzido digitalmente pode ser exibido na internet e também transferido (4) para o cinema alcançando assim os circuitos tradicionais. A internet é o campo por excelência de expressão de trabalhos experimentais, a ausência praticamente completa de compromissos institucionais ou comerciais faz dos filmes produzidos para a internet um campo ideal para a experimentação.


Em se tratando da exibição no cinema, além dos aspectos comerciais implicados na possibilidade de se alcançar o circuito mais organizado em termos de mercado temos a abertura de flancos para experiências

pessoais chegarem aos rincões mais conservadores da produção audiovisual, promovendo discussões de linguagem em um âmbito oficial. Novamente o digital proporciona a duas pontas opostas em termos de condições e estrutura o acesso à produção de bens simbólicos. Do mainstream da sala de cinema a filminhos colocados na rede há uma lógica digital.


A captação em vídeo, para a posterior utilização da imagem no cinema não é uma novidade. Pelo contrário, muitas experiências pioneiras foram realizadas antes de entrarmos no uso generalizado do vídeo para a pós-produção em cinema como vemos hoje. Em 1988 Arlindo Machado (5) já discutiu em seu livro A arte do vídeo a aproximação entre o cinema e o vídeo. Na época o sinal era analógico e o equipamento eletrônico, hoje é digital. Mas as diferenças entre aquele momento e hoje não se restringem a um aspecto técnico. Estas têm implicações na quantidade de trabalhos realizados, na ampliação do alcance potencial destes filmes e na maneira de criação.


Em suma, a cena digital não obedece a modelos excludentes de invenção. Temos distintos projetos de realização, de linguagem e de formato. Na sala de cinema o digital aparece na transferência de fita para filme e em efeitos especiais. De outro lado há uma gama praticamente imensurável de trabalhos sem muitos vínculos institucionais, sem compromisso com procedimentos de linguagem usuais. Estes são livres, muitas vezes criativos, são as expressões de subjetividade produzidas para a internet ou para ser exibida em mostras locais, bares e festivais de cinema. As listas distribuídas pela internet de festivais e eventos internacionais não param de chegar solicitando trabalhos que muitas vezes são a manifestação de grupos e tem a intenção de expressar anseios dos criadores do trabalho.


Algumas defesas da cena digital têm o tom das utopias modernistas. Nas comunidades virtuais de discussão vemos um entusiasmo militante. Este tem seu correspondente em estudiosos que em vez de fechar os olhos aos novos trabalhos se debruçam neles buscando trazer sua novidade como pensamento e proposta de linguagem sobre/do nosso tempo.

Novamente cito Lev Manovich (6) quando na conclusão de seu texto sobre a Geração Flash (7), chama nossa atenção para as possibilidades de montagem materializadas na internet. Por que as pessoas se dedicam a fazer filminhos, com programas disponibilizados na rede? É porque “nós ainda precisamos de arte. Nós ainda queremos dizer alguma coisa sobre o mundo e sobre nossas vidas nele, nós ainda precisamos de nosso próprio espelho no meio de uma estrada empoeirada, segundo expressão de Stendhal para chamar a arte do século XIX.” (8) Conclui esta parte do seu texto com um convite para a aventura de criação possibilitada por programas utilizados na internet: “Welcome to visual remixing Flash style.”


Alex Sernambi (9) diretor de fotografia de Houve uma vez dois verões, primeiro longa do diretor gaúcho Jorge Furtado, também destaca as alternativas potenciais de invenção de um trabalho em DV. “Como fotógrafo me entusiasmo com as possibilidades do processo de transferência digital e não só quando a captação é feita em DV, pois entendo que isso é uma prerrogativa do produtor, mas porque ele aumenta de diferencial fotográfico.” Em suma a cena digital impõe novos procedimentos, pede outras habilidades e maneira de pensar. Até situações de trabalho corriqueiras podem responder diferente no trabalho. Há uma instabilidade inicial interessante para o realizador que decidir abraçar a alternativa de transformar sua maneira de criar, de deixar seus hábitos, para também fazer da técnica uma fonte de inspiração, uma aliada na exploração recursos de linguagem ainda não experimentados.

O vídeo de garagem


Temos usado a expressão vídeo de garagem para nomear uma condição de trabalho criada com a miniaturização do equipamento de captação e finalização. O barateamento de equipamentos para produção audiovisual esta socializando os meios de produção. Em países como o Brasil onde as desigualdades e carências atingem grande parte da população, onde grande parte da população é excluída do consumo é difícil falar em socialização em um sentido amplo (10), mas há um acesso maior a equipamentos. Escolas de comunicação e de artes tem mais facilidades para adquirir as máquinas e pessoas tem comprado o equipamento individualmente ou em grupos. Novas formas de organização aparecem.


Uma produção de garagem retoma um estado de espírito da contracultura. O compromisso do realizador é com suas questões. O vídeo de garagem é uma proposta de organização e de trabalho. Uma pessoa pode ter um equipamento destes e fazer um uso convencional do mesmo. O realizador de garagem não faz, para ele ter acesso a um meio de produção é uma maneira de falar, de se expressar, de construir representações sobre seu tempo.
Um dos pontos que os aproxima da cena punk está no slogan do movimento punk, a palavra de ordem era “do it yourself”. Este slogan trazia embutida a idéia de que não havia porque se esperar gravadoras para produzir os discos, eles deveriam ser realizados independente de um domínio técnico virtuose do meio, independente de gravadoras e mesmo de empresários. Existia a proposta de uma relação social de produção. Hoje os garotos que auxiliam na definição da dinâmica de programas e fazem vídeo instalações, filmes para internet ou para o cinema estão imbuídos deste estado de ânimo, eles fazem seus filmes independentes sem compromissos institucionais. Isso implica uma maior liberdade de criação.


A maneira como as pessoas se organizam nas garagens têm um espírito comunitário. Os trabalhos são discutidos e criticados em grupos, as idéias circulam. Curiosamente foi este princípio que uniu a dupla Steve Jobs e Steve Wozniac inventores da Apple, atual fabricante do G4. Em meados da década de 70, ainda sob a égide do movimento hippie eles se reuniam em garagens no Silicon Valley para desenvolver traquitanas tecnológicas.

“O campus de Berkeley não ficava muito longe; a paixão pela bricolagem eletrônica se misturava então a idéia sobre o desvio da alta tecnologia em proveito da ‘contracultura’ e a slogans tais como Computers for the people (computadores ‘para o povo’ ou ‘a serviço do povo’ ou ‘ao serviço das pessoas’)”(Levy. pg 43). Os computadores que tem possibilitado o vídeo de garagem são tataranetos dos ideais de liberdade, da aventura (11) do fazer aonde o compromisso é com a necessidade pessoal de expressão, seja representativa de minorias ou trabalhos mais poéticos e pessoais.


Esta alternativa de criação gera trabalhos marcados pela condição de produção do digital de garagem. O vídeo Só de Conrado Almado é um exemplo. Com duração de quatro minutos, ele foi exibido no VídeoBrasil de 2001. Segundo sinopse do catálogo do Festival, Só “narra a insólita trajetória de um jovem ao interior de seu ego. Lá, ele se vê só, tendo como única companhia sua própria pessoa”. Só utiliza um único ator e pelo corte quase obsessivo de alguns frames desumaniza a pessoa. A personagem é transformada em uma animação, sua questão existencial não é apresentada por textos ou reflexões, é na maneira de se relacionar com o espaço, em como ela se situa no espaço, que vemos seus estados emocionais.

O desconforto da perda parâmetros existenciais têm seu correlato na imagem, na maneira como o filme é cortado. O desespero da personagem está no ritmo frenético da imagem e do som, é linguagem. Conversei com Conrado sobre este trabalho e ele narrou uma situação exemplar de uma certa incompatibilidade da experiência de garagem e do mercado. Para o mercado tempo é dinheiro, para o mercado publicitário a solicitação de vídeos é para ontem. Para a garagem tempo é invenção, é erro, é acerto, é descoberta, é uma série de versões para o mesmo trabalho. Conrado costuma ser procurado por agências de publicidade que solicitam um VT comercial com as características de montagem como as de seu filme de garagem Só. Perguntei-lhe como reagia, sorriu e disse, impossível.

O vídeo de garagem pede o tempo da utopia, pede um tempo desperdício; tempo do erro para o encontro de um caminho para o trabalho. Os realizadores de garagem investem em cada frame. Lembrando que cada segundo tem 29,97 frames o trabalho no frame a frame em máquinas semi-domésticas exige uma imersão e tempo fora de praticas comerciais. Arrisco-me a pensar que um trabalho como Só existe graças a esta condição de trabalho.
Um diferencial em termos de linguagem de filmes produzidos em computadores é essa manipulação do detalhe, de cada frame. No cinema do filme fotográfico é o laboratório quem vai fazer, na era do eletrônico, de ilhas de edição analógica, a fita que é a parte material do trabalho não suportava muitos cortes. A constante pressão do cabeçote do vídeo na fita acabava por danificar a mesma, ela ficava amassada ou se rompia.

Hoje, nos computadores, imagem e o som são arquivos que podem ser cortados e colados ad infinitum sempre juízo da existência física do mesmo, alias no computador eles nem existem fisicamente.
Filmes experimentais em película e vídeo eletrônico também buscavam alcançar a materialidade do frame. No cinema (12) temos exemplos de cineastas como Fernand Léger, Man Ray e cineastas brasileiros do udigrudi dos anos 70 que desenhavam, arranhavam ou colocavam objetos no negativo para alcançar formas abstratas no positivo. No vídeo um procedimento usualmente utilizado era fazer uma série de cópias xerox e gravá-los quadro a quadro, na cena digital esta manipulação do frame se concentra na finalização. Um dos grandes trunfos do cinema digital é ter conseguido elevar a quantidade de cortes e ordenação significante dos mesmos a tal ponto que chega, com é o caso de Só ao transformar imagens realistas em abstrações dada a quantidade de cortes e tratamento de cor a que a imagem é submetida. Nestes casos o programa mais utilizado é o After Effects, como o Photoshop, também da Adobe.
Outros trabalhos.

Outras experiências Neste ensaio usamos exemplos de filmes muito diferentes, pois como temos dito uma das características da cena digital é promover uma aproximação de procedimentos de trabalho em proposta de linguagem bem distintas. Há no entanto diferenças em termos de velocidade e precisão das tarefas solicitadas à máquina, mas o tempo de dedicação ao filme cria novos caminhos.


Outro aspecto desta nova cena é o crescimento do papel da montagem na construção da linguagem do filme. Se em animação em ambientes virtuais pode-se prescindir da captação, quando temos imagens captadas estas podem ser manipuladas em praticamente todos os seus parâmetros de cor, luz, forma, etc. O laboratório perde sua função nos efeitos especiais. Se tomarmos como exemplo o cinema eletrônico, os efeitos de computação eram criados e desenvolvidos em computadores para posterior incorporação ao trabalho. Hoje tudo está no computador O filme de Godard O elogio do amor já citado acima modificou principalmente os parâmetros de cor. O que mais chama a atenção neste trabalho em relação ao uso do digital é a desnaturalização da paisagem proporcionada pela cor. Godard usa filme preto e branco e quando trabalha com fita digital mantém as imagens coloridas. A cor da paisagem de Godard só existe no filme não é um verde como o da natureza. A natureza de Godard é de um amarelo árido misturado com um certo roxo leve, puxado ligeiramente para o magenta. Jogar com o naturalismo e a encenação faz parte do filme. Ele aborda temas como o cinema, a guerra e a encenação de uma maneira geral. Em um jogo de naturalizar a encenação, Godard nos fazer crer que um teste de atores é uma situação que está acontecendo no filme. Por outro lado, o campo é desnaturalizado.

Em suma, a representação como um todo é colocada em questão. É sempre bom lembrar que o tratamento significante da cor foi usado em O mistério de Oberwald e em diversos filmes de Peter Greenaway o que muda hoje é que alternativas deste tipo estão disponíveis em escala comercial, são uma opção barata e o espectro de mudanças possíveis é bem maior. A gama de recursos disponíveis é mais ampla.


Na captação a cultura do digital, da pequena câmera cria o que estamos chamando de caneta digital. A câmera é usada como bloco de notas ela é um rascunho que pode virar matriz, que pode estar no produto final. É na hora de gravar o trabalho que ele é pensado. Isso não significa falta de reflexão anterior, mas o embate com o tema fornece ao realizador dados para a mudança do mesmo na hora da filmagem, principalmente em se tratando de trabalhos mais subjetivos ou de documentários.


Mudanças de andamento na captação sempre acontecem, costuma-se dizer que no audiovisual existem três trabalhos, o da idéia e roteiro, o da captação e o da montagem, ou seja em cada etapa de trabalho um novo filme vai se fazendo. Mas agora, a disponibilidade de tempo para filmar, a fita é mais barata e longa, e a praticidade proporcionada pelo tamanho da câmera, permite ao realizador uma agilidade maior e o confronto com o tema muitas vezes transforma-se em enredo.


É na hora de se fazer o trabalho que a estratégia de sua realização é elaborada. O filme August, dirigido por Avi Mograbi é um exemplo. Este trabalho é um documentário com trechos ficcionais. É a história de um diretor de cinema que considera o mês de agosto uma metáfora dá má sorte de Israel, ele decide fazer um documentário e se confrontar com o azar e a violência. Sua mulher, papel representado pelo próprio diretor, pensa diferente e conversa com ele algumas vezes. Um produtor, também Mograbi, cobra do diretor o elenco de seu próximo filme de ficção. As situações ficcionais são todas realizadas na sala da casa do diretor, testes com atores acontecem no mesmo lugar. A câmera é fixa em um tripé. A cena ficcional é utilizada como momento de reflexão sobre as imagens captadas, sobre as situações de violência a que estão submetidos o diretor e o povo de Israel, que é filmado em momentos de embate tornados corriqueiros nas ruas de Israel. Quando vai para rua, ele é questionado o tempo todo sobre o porque de estar fazendo imagens, para qual emissora de TV está fazendo o trabalho. Sua câmera é nervosa, é militante.


Nas reflexões de Mograbi colocadas no documentário são analisadas as dificuldades do documentarista. Ele sai às ruas com a câmera em busca de cenas de confronto, nada encontra. Em outro momento ele sem câmera nas ruas, perde uma situação importante aos objetivos de seu trabalho. “When I started filming, I thought I would shoot events, small and big, whose potential violence would materialize. But once you go to the street with an intention to film it the way you conceive it in your mind´s eyes, you find that it has a mind of its own” (13).

É a pulsão dos acontecimentos, a mente dos acontecimentos, para usar a expressão de Mograbi, que é revelada na escrita digital. Em certos aspectos aproxima-se da câmera jornalista, a imagem é mais instável, mais suja. Mas tanto nos aspectos formais do trabalho como um todo, quanto na insistência de manter planos longos, sem corte, incômodos, ele instaura outra situação, ele constrói outra linguagem.

O confronto com policiais ou passantes não é encenado, este é o ponto documentário do filme, em um momento sua câmera é atingida. Manter a cena no todo de sua duração parece dilatar o tempo do acontecimento. As situações ficam em suspenso. O desfecho da cena ganha em tensão pois a informalidade da câmera nos faz sentir que tudo pode acontecer a qualquer momento. A câmera de Mograbi é o típico caderno de notas. Ele anda pelas ruas fazendo anotações em fita digital para posterior ordenação do material.

Seu filme tem o frescor e a desordem de um caderno de notas. Frame do projeto Blue Desert de Éder Santos
Outro tipo de escrita digital é a de Éder Santos. Há cerca de dois anos atrás Éder ministrou uma oficina de vídeo no Festival de Inverno de Ouro Preto. Para produzir uma instalação com o grupo de alunos foram feitas imagens. Éder participava de todo o processo, tanto na concepção quanto na captação do material. Para fazer a vídeo instalação foram projetadas dentro em uma caverna pessoas se movimentando. As condições de luz da caverna eram poucas, a imagem ficou nebulosa, difícil de se identificar o que havia. Talvez a textura da caverna ajudava a se criar uma ambiência que lembrava a caverna primitiva. Éder gostou das imagens e as manteve ali à mão, o que significa dentro do seu G 4 portátil ou numa fita bem identificada. Daí, revendo a imagem, começou a ter outras idéias. A imagem suscitava uma situação possível de ser continuada.


Corta para Austrália.


Olhando o deserto na Austrália Éder têm a idéia de fazer um longa-metragem de ficção. Em sua história o personagem principal tem o sonho de conhecer o deserto. Como ele tem medo de ir ao deserto faz um robô que irá em seu lugar. O personagem passa a ver o mundo pelos olhos do robô e não consegue mais distinguir o que é uma experiência sua ou do robô. Uma das experiências do robô acontecerá em uma caverna, onde ele se encontrará com homens pré-históricos.


As imagens produzidas durante o Festival são chamadas a entrar na estória. Mas a estória ainda não existia, ainda não existe, é apenas uma sinopse, é apenas um indicativo de um futuro trabalho. Éder decide mandar sua idéia para o concurso de bolsas da Fundação Vitae, este concurso apóia o desenvolvimento de roteiros. Como as imagens da caverna já estão em seu computador, como as imagens já estão sendo trabalhadas, como elas serão incorporadas ao filme através da

transferência Éder decide entregar um projeto com as imagens montadas, ele entrega um vídeo em processo.
Considero este caso exemplar desta idéia de caneta digital. Você registra alguma situação ou evento sem muita expectativa sobre o mesmo.

E este, e alguma imagem que você faz, puxa uma associação e já é um outro projeto, uma outra idéia. O interessante neste caso é que a idéia vem de uma imagem em movimento, e já é parte do trabalho, principalmente em se tratando de criador como Éder que em toda sua trajetória nunca se apegou a padrões de qualidade de imagem pré-estabelecidos. Suas imagens têm uma plasticidade que dispensa a figurativização realista.


É do encontro com a imagem que surge o trabalho. A gênese dele é lúdica, é imagética, é resultado de uma aventurar do querer fazer, é resultado da facilidade de se ter uma câmera na mão. Originalmente há uma idéia na cabeça também. Mas a imagem se presta a outras idéias. Assim uma câmera na mão está não só a serviço de uma idéia na cabeça, mas posteriormente poderá suscitar outras idéias.
Os casos de Conrado Almada, Avi Mograbi e Éder Santos são exemplos diferentes de propostas de trabalho marcados pelas novas possibilidades de produção audiovisual da garagem, da caneta digital que imprime sua assinatura no trabalho juntamente com o diretor.


Referências Bibliográficas

Engeli, Maia. 2000. Digital Stories. The Poetics of Communication. Basel/Boston/ Berlin. Birkhäuser.
Lévy, Pierre. 1995.As tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. 2 a ed. Tradução: Carlo Irineu da Costa. Rio de Janeiro. Editora 34.
Machado, Arlindo. 1990. A Arte do Vídeo. 2a ed. São Paulo: Brasiliense.
_________________ . 1993. Máquina e Imaginário: O desafio das poéticas tecnológicas. SP: Edusp.
Manovich, Lev. 2001. The Language of New Media. Cambridge, Massachusetts: MIT press.
Pires, Paulo Roberto. Idéia na cabeça, mouse na mão. Revista do Centro Cultural Banco do Brasil. Ano 7. número 76. abril 2002.
Rees, A.L. 1999. A history of experimental film and video. From the canonical Avant-Garde to Contemporary British Practice. London: British Film Institute.
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Revista de Cinema – Ano II, no 23. Março de 2002. Alex Sernambi.
Revista Sinopse, no 8, Ano 4, abril de 2002.


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