Lições para o setor do petróleo graças ao WikiLeaks

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14:55

 

Escrito por Paulo Metri

17-Dez-2010

Até que se prove algo em contrário, o WikiLeaks veio para diminuir o número de anjos na sociedade mundial. As lições que se tiram do vazamento relativo ao setor de petróleo do Brasil são muitas. Para os interessados, que ainda não se atualizaram, vamos listá-las sem ordem de importância.

É incrível, mas algumas pessoas ainda se surpreendem com o fato de a embaixada dos Estados Unidos estar envolvida em assuntos internos do Brasil, buscando interferir a favor dos interesses das suas empresas. Além disso, a importância que o pré-sal tem para as petrolíferas americanas e os Estados Unidos foi desnudada. Inclusive, é mostrado como eles atuaram no nosso Congresso para que o contrato de partilha proposto pelo governo

Lula não fosse aprovado, o que faria com que a lei das concessões da era FHC permanecesse em vigor. Por isso, a conclusão rápida que se pode tirar é que o contrato de partilha deve ser melhor para a sociedade brasileira que as concessões.

José Serra seria favorável à lei das concessões, que muitos congressistas do seu partido defendem, abertamente. Com os vazamentos, ficou claro que, apesar da diminuição de lucro e poder que o contrato de partilha acarreta, as petrolíferas estrangeiras não querem sair do Brasil, inclusive porque não há muitos lugares no mundo para onde elas possam ir, atualmente.

As empresas estrangeiras de petróleo só querem comprar de seus fornecedores no exterior, o que seria facilmente constatado, se as compras delas, em comparação com as da Petrobrás, fossem verificadas nestes 13 anos de existência da lei das concessões. Não é por outra razão que elas se opunham, como mostra o WikiLeaks, à Petrobrás ser a operadora única do pré-sal.

A afirmação "as regras sempre podem mudar depois" dita por um executivo de uma petrolífera estrangeira chega a ser um acinte contra a soberania nacional, o que consta ter sido repetido pelo candidato do PSDB à presidência. A constância do capitalismo internacional em querer usurpar as riquezas onde elas estiverem, além de danosa para os proprietários das riquezas, revela a característica de saqueadores inveterados.

WikiLeaks revelou que as entidades Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) e Organização Nacional da Indústria do Petróleo (ONIP) são brasileiras e nacionais só no nome. A boa notícia é que os estrangeiros têm medo que a sociedade brasileira saiba de toda a tramóia deles e se indigne. Então, como a sociedade está agora começando a saber, deveremos ter boas notícias brevemente.

Finalizando, todos aqueles que acusaram a Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET) e seu presidente, engenheiro Fernando Siqueira, de adeptos da "Teoria da Conspiração" deveriam reconhecer que eles estavam certos. A conspiração existia e era extremamente danosa para a sociedade brasileira.

Relacionado a este tema, fiquei pasmo em saber que boa parcela dos jovens engenheiros admitidos nos últimos concursos da Petrobrás não usufrui do privilégio de serem filiados a esta Associação. Isto ainda é conseqüência da década neoliberal passada, sendo recomendável a leitura por parte deles das conquistas da classe trabalhadora, desde a revolução industrial, conseguidas unicamente devido à união da classe.

Ao se filiarem à AEPET, como profissionais liberais, além de estarem atuando com seus pares, estão em uma entidade que busca preservar os interesses da empresa em que trabalham, que são, na sua quase totalidade, os mesmos da sociedade brasileira. Portanto, filiar-se à AEPET chega a ser um dever ético.

Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros.

 

TEXTO ORIGINAL EM> Correio da cidadania

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IRLANDA: SACRIFÍCIO INÚTIL

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09:46

 

 

Os termos do "salvamento" que o FMI/UE/BCE impôs à Irlanda são muito piores do que tudo o que já foi visto até agora. Até o dinheiro do Fundo de Reserva Nacional de Pensões (NPRF) foi devorado na voragem. Os abutres não perdoaram nem a pensão dos velhinhos! Este salvamento não é do povo irlandês e sim dos banqueiros privados irlandeses.


A manobra decorreu em vários passos:  1) Num autêntico acto de traição nacional o governo irlandês resolveu garantir a dívida dos banqueiros privados irlandeses (os tais que estavam em situação muito saudável segundo o teste de stress feito em Julho pelo BCE);

2) Em consequência, de imediato o défice orçamental irlandês sofreu um aumento brutal, saltando de 11,9% do PIB para 32% do PIB; 

3) Diante de tal défice a UE/FMI obrigou o governo irlandês a impor sacrifícios brutais ao seu povo (despedimentos em massa, cortes na educação, saúde, salários e pensões, etc) em troca do dito "salvamento".

4) Ainda assim, cedo ou tarde, a Irlanda (tal como a Grécia e outros países europeus) entrará em incumprimento (default).
Destes tristes episódios podem-se tirar algumas lições: 

1) Os sacrifícios que o capital financeiro pede/exige a governos servis como o irlandês, grego, português e outros são inúteis pois não levarão ao aumento das respectivas produções nacionais nem resolverão os problemas económicos subjacentes; 

2) Em situações de insolvência mais vale declarar moratória antes de uma ruína total do que persistir inutilmente em pagar dívidas impagáveis; 

3) Sacrificar povos no altar do capital financeiro é uma opção e não uma inevitabilidade; 

4) Filosoficamente, a resolução de um problema de dívida incobrável pode-se dar tanto em favor dos credores como dos devedores;

5) Historicamente, verifica-se que as classes dominantes sempre optaram pela resolução em favor dos credores e as oprimidas sempre pretenderam o inverso. 

6) A capitulação frente às exigências do capital financeiro leva à pauperização dos povos – cabe a estes tomarem o destino nas suas mãos se quiserem salvar-se.

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Senado LADRÃO!

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23:23

 

 

Senado aprova salário de R$ 26,7 mil para parlamentares

Qua, 15 Dez, 05h58

Em uma votação relâmpago, o Senado aprovou hoje o projeto que concede aumento de 61,83% no salário dos próprios senadores e dos deputados federais, de 133,96% no valor do vencimento do presidente da República e de 148,63% no salário do vice e dos ministros de Estado. A proposta foi aprovada no inicio da tarde pelos deputados e não aguardou nem uma hora para ser votada pelos senadores.

O projeto iguala os salários de deputados e senadores, do presidente da República, do vice e dos ministros. Todos eles passarão a receber R$ 26.723,13 por mês, mesmo valor do salário do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e que serve como teto do funcionalismo público. O novo salário entrará em vigor em 1º de fevereiro de 2001.

Apenas a senadora Marina Silva (PV-AC) e o senador Alvaro Dias (PSDB-PR) se manifestaram contra a proposta. Marina acha injusto os parlamentares receberem reajustes muitas vezes superiores aos dos demais servidores públicos do País. Já o tucano defendeu que o reajuste deveria implicar na extinção da perda da verba indenizatória de R$ 15 mil que cada um deles recebe mensalmente para custear gastos no exercício do mandato nos Estados.

 

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Declínio e queda do império americano

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11:51

Quatro cenários para o fim do século americano em 2025

por Alfred W. McCoy [*]

Uma aterragem suave para a América daqui a 40 anos? É melhor não apostar. O desaparecimento dos Estados Unidos, enquanto superpotência global, pode chegar muito mais depressa do que se imagina. Se Washington está convencido que o fim do Século Americano será lá para 2040 ou 2050, uma avaliação mais realista das tendências internas e globais sugere que em 2025, apenas daqui a 15 anos, pode estar tudo acabado excepto a gritaria.
Apesar da aura de omnipotência que a maior parte dos impérios projecta, uma olhadela para a sua história devia lembrar-nos que eles são organismos frágeis. A sua ecologia de poder é tão frágil que, quando as coisas começam a correr mesmo mal, os impérios normalmente esboroam-se com uma rapidez impiedosa: um ano apenas para Portugal, dois anos para a União Soviética, oito anos para a França, 11 anos para os otomanos, 17 anos para a Grã-Bretanha e, com toda a probabilidade, 22 anos para os Estados Unidos, a contar do ano crucial de 2003.


Os futuros historiadores identificarão provavelmente a imprudente invasão do Iraque da administração Bush nesse ano como o início da queda da América. Mas, ao contrário do banho de sangue que marcou o fim de tantos impérios do passado, com cidades a arder e massacres de civis, este colapso imperial do século vinte e um pode ocorrer de modo relativamente calmo através dos rebentos invisíveis do colapso económico ou da guerra cibernética.
Mas não tenham dúvidas: quando finalmente acabar o domínio global de Washington, todos os dias haverá recordações dolorosas do que tal perda de poder significa para os americanos qualquer que seja o seu estilo de vida. Como meia dúzia de países europeus descobriram, o declínio imperialista tende a ter um impacto bastante desmoralizante numa sociedade, impondo pelo menos uma geração de privações económicas. À medida que a economia arrefece, a temperatura política sobe, estimulando frequentemente uma grave turbulência interna.


Os dados económicos, educativos e militares indicam que, no que se refere ao poder global dos EUA, as tendências negativas convergirão rapidamente em 2020 e provavelmente atingirão uma massa crítica por volta de 2030. O Século Americano, tão triunfalmente proclamado no início da II Guerra Mundial, estará esfarrapado e moribundo em 2025, na sua oitava década, e pode pertencer ao passado em 2030.


Significativamente, em 2008, o National Intelligence Council dos EUA reconheceu pela primeira vez que o poder global da América estava de facto numa trajectória de declínio. Num dos seus relatórios futuristas periódicos, Global Trends 2025, o Conselho citava "a transferência da riqueza e do poder económico globais actualmente em curso, grosso modo do ocidente para o oriente" e "sem precedentes na história moderna", como o principal factor no declínio da "força relativa dos Estados Unidos – mesmo na área militar". Mas, tal como muita gente em Washington, os analistas do Conselho previam uma aterragem muito prolongada e muito suave para o predomínio americano global e albergavam a esperança de que, de certa forma, os EUA iriam "manter competências militares únicas… para projectar globalmente o poder militar" durante as próximas décadas.


Não vão ter essa sorte. Segundo as actuais projecções, os Estados Unidos vão encontrar-se em segundo lugar, atrás da China (já a segunda maior economia do mundo) em produtividade económica por volta de 2026, e atrás da Índia em 2050. Do mesmo modo, a inovação chinesa está numa trajectória para a liderança mundial em ciências aplicadas e em tecnologia militar algures entre 2020 e 2030, na altura em que o actual suprimento de brilhantes cientistas e engenheiros da América se reformarem, sem uma substituição adequada por uma geração mais nova com deficiente instrução.
Em 2020, segundo os planos actuais, o Pentágono jogará uma última cartada para um império moribundo. Lançará uma tripla cobertura letal de modernas armas aeroespaciais robóticas como a última esperança de Washington para manter o poder global apesar da redução da sua influência económica. Mas nesse ano, a rede global chinesa de satélites de comunicações, apoiada pelos super-computadores mais poderosos do mundo, também estará plenamente operacional, fornecendo a Beijing uma plataforma independente para o armamento do espaço e um poderoso sistema de comunicações para ataques de mísseis ou cibernéticos em todos os quadrantes do globo.


Embrulhada numa arrogância imperial, tal como Whitehall ou o Quai d'Orsay antes dela, a Casa Branca parece imaginar ainda que o declínio americano será gradual, suave e parcial. No discurso sobre o Estado da Nação em Janeiro passado, o presidente Obama voltou a garantir que "eu não aceito um segundo lugar para os Estados Unidos da América". Dias depois, o vice-presidente Biden ridicularizou a ideia de que "estamos destinados a cumprir a profecia [do historiador Paul] de Kennedy de que vamos ser uma grande nação que falhou porque perdemos o controlo da nossa economia e exagerámos". Do mesmo modo, ao escrever na edição de Novembro da revista institucional Foreign Affairs, o guru da política neoliberal Joseph Nye afastou qualquer conversa sobre o crescimento económico e militar da China, desdenhando "metáforas enganadoras de declínio orgânico" e negando que estivesse em marcha qualquer deterioração do poder global dos EUA.


Os americanos vulgares, que vêem os seus empregos a fugir para além-mar, têm uma perspectiva mais realista do que os seus lideres mimados. Uma sondagem de opinião de Agosto de 2010 chegou à conclusão de que 65% dos americanos estão convencidos de que o país já se encontra "numa situação de declínio". A Austrália e a Turquia, tradicionais aliados militares dos EUA, já estão a usar as suas armas fabricadas por americanos em manobras aéreas e navais conjuntas com a China. Os parceiros económicos mais próximos da América já estão a distanciar-se de Washington quanto à oposição às taxas de câmbio da China. Quando o presidente regressou da sua visita à Ásia no mês passado, um cabeçalho tristonho do New York Times resumia a situação desta maneira: "A visão económica de Obama é rejeitada no palco mundial, a China, a Grã-Bretanha e a Alemanha desafiam os EUA, Conversações comerciais com Seul também falham".


Vista numa perspectiva histórica, a questão não é se os Estados Unidos vão perder o seu incontestado poder global, mas qual o grau de rapidez e de violência que o declínio terá. Em vez do pensamento desejoso de Washington, vamos utilizar a própria metodologia futurista do National Intelligence Council para sugerir quatro cenários realistas para ver como o poder global dos EUA pode chegar ao fim nos anos 20, seja com um golpe ou com um gemido (acompanhados de quatro análises correspondentes da situação actual). Os cenários futuros incluem: declínio económico, choque petrolífero, desventuras militares e III Guerra Mundial. Embora estas não sejam as únicas possibilidades no que se refere ao declínio americano ou mesmo ao seu colapso, constituem uma visão sobre um futuro próximo.


Declínio económico: Situação actual

Existem presentemente três ameaças principais para a posição dominante da América na economia global: perda de peso económico graças à quota minguante do comércio mundial, declínio da inovação tecnológica americana e fim da situação privilegiada do dólar enquanto divisa de reserva global.


Em 2008, os Estados Unidos já tinham descido para o número três nas exportações globais de mercadorias, com apenas 11% em comparação com 12% para a China e 16% para a União Europeia. Não há nenhuma razão para crer que esta tendência se vá inverter.
A liderança americana na inovação tecnológica também está em decadência. Em 2008, os EUA ainda eram o número dois a seguir ao Japão nos pedidos de patentes mundiais com 232 mil, mas a China estava a aproximar-se rapidamente com 195 mil, graças a um aumento fulgurante de 400% desde 2000. Um arauto de maior declínio: em 2009 os EUA atingiram o último lugar na classificação entre os 40 países analisados pela Information Technology & Innovation Foundation no que se refere a "mudança" em "competitividade global com base na inovação" durante a década anterior.

A dar mais peso a estas estatísticas, o Ministério da Defesa da China divulgou em Outubro o super-computador mais rápido do mundo, o Tianhe-1A, tão poderoso, disse um especialista dos EUA, que "estoira com a actual máquina nº 1" na América.
Acrescentem a isto a clara evidência de que o sistema educativo dos EUA, a fonte dos futuros cientistas e inovadores, tem vindo a ficar para trás em relação aos seus competidores. Depois de liderar o mundo durante décadas, no que se refere a gente entre os 25 e os 34 anos de idade com graus universitários, o país mergulhou para 12º lugar em 2010. O Fórum Económico Mundial classificou os Estados Unidos com um medíocre 52º lugar entre 139 países quanto à qualidade do ensino universitário de matemática e ciências em 2010. Actualmente, quase metade de todos os estudantes formados em ciências nos EUA são estrangeiros, a maioria dos quais regressará aos seus países, em vez de se manter aqui como acontecia anteriormente. Por outras palavras, em 2025, os Estados Unidos enfrentarão provavelmente uma escassez crítica de cientistas talentosos.


Estas tendências negativas estão a estimular críticas cada vez mais duras ao papel do dólar como divisa de reserva mundial. "Os outros países já não estão dispostos a comprar a ideia de que os EUA sabem o que é o melhor em política económica", observou Kenneth S. Rogoff, um antigo economista de topo do Fundo Monetário Internacional. Em meados de 2009, quando os bancos centrais mundiais detinham um valor astronómico de 4 milhões de milhões de dólares em notas do Tesouro americano, o presidente russo Dimitri Medvedev insistia que era tempo de acabar com "o sistema unipolar mantido artificialmente" baseado "numa divisa de reserva que antigamente era forte".


Simultaneamente, o governador do banco central da China sugeria que o futuro poderá assentar numa divisa de reserva global "desligada de países individuais" (ou seja, o dólar dos EUA). Considerem isto como indicadores de um mundo futuro, e duma possível tentativa, conforme referiu o economista Michael Hudson, "para acelerar a falência da ordem mundial financeiro-militar dos Estados Unidos".


Declínio económico: Cenário 2020


Em 2020, depois de anos de gordos défices alimentados por intermináveis guerras em países distantes, e conforme esperado há muito, o dólar dos EUA perde finalmente o seu estatuto especial como divisa de reserva mundial. Subitamente, o custo das importações dispara. Impossibilitado de pagar os défices enormes através da venda ao estrangeiro das notas do Tesouro agora desvalorizadas, Washington é finalmente forçado a reduzir o seu inchado orçamento militar. Debaixo da pressão interna e externa, Washington faz regressar lentamente as forças americanas das centenas de bases ultramarinas para um perímetro continental. Mas agora já é tarde demais.


Confrontados com uma superpotência moribunda incapaz de pagar as contas, a China, a Índia, o Irão, a Rússia e outras potências, grandes e regionais, desafiam provocadoramente o domínio dos EUA sobre os oceanos, o espaço e o ciber-espaço. Entretanto, no meio de preços altos, de um desemprego sempre crescente e de uma queda continuada dos salários reais, as divisões internas resultam em choques violentos e debates fracturantes, muitas vezes sobre questões totalmente irrelevantes. Na crista de uma onda política de desilusão e desespero, um patriota da extrema-direita conquista a presidência com retórica retumbante, exigindo respeito para com a autoridade americana e ameaçando retaliação militar ou represálias económicas. O mundo não liga nenhuma quando o Século Americano termina em silêncio.


Choque petrolífero: Situação actual


Uma consequência do poder económico moribundo da América tem sido a sua dificuldade nos abastecimentos globais de petróleo. Ultrapassando a economia ávida de gasolina da América, a China passou a ser o maior consumidor de energia este Verão, uma posição que os EUA mantiveram durante mais de um século. O especialista em energia Michael Klare argumenta que esta mudança significa que a China vai "assumir o comando na definição do nosso futuro global".


Em 2025, o Irão e a Rússia vão controlar quase metade do abastecimento mundial de gás natural, o que potencialmente lhes dará uma vantagem enorme sobre a Europa faminta de energia. Acrescentem as reservas de petróleo a esta mistura e, conforme alertou o National Intelligence Council, dentro de apenas 15 anos, a Rússia e o Irão poderão "emergir como os reis da energia".
Apesar duma espantosa capacidade de invenção, as grandes potências petrolíferas estão neste momento a esgotar as grandes bacias de reservas petrolíferas que são de extracção fácil e barata. A grande lição do desastre petrolífero do Deep Horizon no Golfo do México não foi o padrão negligente de segurança da BP, mas o simples facto que toda a gente viu no "pequeno ecrã": os gigantes da energia já não têm alternativa senão procurar aquilo que Klare designa por "petróleo difícil" a quilómetros abaixo da superfície do oceano para conseguir manter os seus lucros.


A agravar o problema, os chineses e os indianos tornaram-se repentinamente enormes consumidores de energia. Mesmo que os abastecimentos de combustíveis fósseis se mantivessem constantes (o que não acontece), a procura, e portanto os custos, aumentará certamente – e de forma acentuada. Outras nações desenvolvidas estão a enfrentar esta ameaça de uma forma agressiva dedicando-se a programas experimentais para desenvolver fontes de energia alternativas. Os Estados Unidos seguiram um caminho diferente, fazendo muito pouco para desenvolver energias alternativas ao mesmo tempo que, nos últimos trinta anos, duplicaram a sua dependência das importações de petróleo estrangeiro. Entre 1973 e 2007, as importações de petróleo aumentaram de 36% da energia consumida nos EUA para 66%.


Choque petrolífero: Cenário 2025


Os Estados Unidos mantêm-se tão dependentes do petróleo estrangeiro que qualquer pequena evolução adversa no mercado global de energia em 2025 provoca um choque petrolífero. Em comparação, o choque petrolífero de 1973 (quando os preços quadruplicaram em poucos meses) não é nada. Irritados com a queda do valor do dólar, os ministros do Petróleo da OPEP, num encontro em Ryadh, exigem os pagamentos futuros da energia num "cabaz" de ienes, iuans e euros. O que só contribui para aumentar o custo das importações do petróleo dos EUA. Na mesma altura, enquanto assinam uma nova série de contratos de entrega a longo prazo com a China, os sauditas estabilizam as suas próprias reservas de divisas estrangeiras mudando para o iuan. Entretanto, a China injecta milhares de milhões na construção de um enorme oleoduto trans-Ásia e no financiamento da exploração no Irão do maior campo de gás natural do mundo, em South Pars no Golfo Pérsico.


Com a preocupação de que a Marinha dos EUA já não seja capaz de proteger os petroleiros que viajam do Golfo Pérsico para abastecer a Ásia oriental, uma coligação de Teerão, Riad e Abu Dabi forma uma inesperada nova aliança do Golfo e afirma que a nova frota da China de porta-aviões ligeiros passará a patrulhar o Golfo Pérsico a partir duma base no Golfo de Oman. Sob uma forte pressão económica, Londres concorda em cancelar o aluguer aos EUA da sua base na ilha de Diego Garcia no Oceano Indico, enquanto Camberra, pressionada pelos chineses, informa Washington que a Sétima Frota deixou de ser bem-vinda para usar Fremantle como porto de abrigo, expulsando assim na prática a Marinha dos EUA do Oceano Indico.
Duma penada, e após alguns avisos sucintos, a 'Doutrina Carter', segundo a qual o poder militar dos EUA iria proteger eternamente o Golfo Pérsico, é posta de parte em 2025. Todos os elementos que há muito garantiam aos Estados Unidos abastecimentos ilimitados de petróleo a baixo preço daquela região – logística, taxas de câmbio e poder naval – evaporam-se. Nesta altura, os EUA ainda conseguem cobrir uns insignificantes 12% das suas necessidades energéticas a partir da sua alternativa embrionária da indústria energética e mantém-se dependente das importações de petróleo para metade do seu consumo de energia.


O choque petrolífero que se segue atinge o país como um furacão, disparando os preços para alturas impressionantes, tornando as viagens uma proposta extremamente cara, colocando os salários reais (que há muito estavam em declínio) em queda livre e tornando não competitivas as poucas exportações americanas que ainda restam. Com os termóstatos a descer, os preços da gasolina a furar o tecto, e os dólares a fugir mar fora em troca do petróleo caro, a economia americana fica paralisada. Com as alianças há muito desgastadas no fim e as pressões fiscais a aumentar, as forças militares americanas começam finalmente uma retirada encenada das suas bases ultramarinas.


Em poucos anos, os EUA estão funcionalmente na falência e o relógio aproxima-se da meia-noite do Século Americano.
Aventuras militares desastrosas: Situação actual
Contrariando o bom senso, à medida que o seu poder enfraquece, os impérios embarcam frequentemente em aventuras militares desastrosas e mal aconselhadas. Este fenómeno é conhecido entre os historiadores do império como "micro-militarismo" e parece envolver esforços psicologicamente compensadores para salvar o estigma da retirada ou da derrota ocupando novos territórios, mesmo que breve e catastroficamente. Estas operações, irracionais mesmo do ponto de vista imperialista, representam muitas vezes gastos hemorrágicos ou derrotas humilhantes que só aceleram a perda do poder.


Em todas as épocas, os impérios bélicos sofrem de uma arrogância que os leva a mergulhar cada vez mais profundamente em aventuras desastrosas até que a derrota se transforma em derrocada. Em 413 AC, uma Atenas enfraquecida enviou 200 barcos para serem massacrados na Sicília. Em 1921, uma Espanha imperialista moribunda enviou 20 mil soldados para serem dizimados pelos guerrilheiros berberes em Marrocos. Em 1956, um Império Britânico em decadência destruiu o seu prestígio atacando o Suez. E em 2001 e 2003, os EUA ocuparam o Afeganistão e invadiram o Iraque. Com a arrogância que define os impérios ao longo dos milénios, Washington aumentou o número de efectivos no Afeganistão para 100 mil, alargou a guerra até ao Paquistão, e prolongou o seu compromisso até 2014 e para além disso, namorando desastres grandes e pequenos neste cemitério de impérios com armas nucleares, infestado por guerrilhas.


Aventuras militares desastrosas: Cenário 2014


O 'micro-militarismo" é tão irracional, tão imprevisível, que cenários aparentemente irreais rapidamente são ultrapassados pelos acontecimentos reais. Com as forças militares americanas esticadas desde a Somália às Filipinas e as tensões crescentes em Israel, no Irão e na Coreia, são múltiplas as combinações possíveis para uma crise militar desastrosa no estrangeiro.


Estamos a meio do Verão de 2014 e uma reduzida guarnição americana no Kandahar em guerra no sul do Afeganistão é súbita e inesperadamente invadida por guerrilheiros talibãs, enquanto a aviação americana está no chão por causa duma tempestade de areia que impede a visão. São feitas pesadas baixas e, em retaliação, um comandante americano envergonhado envia bombardeiros B-1 e caças F-16 para demolir bairros suburbanos da cidade que se julga estarem sob controlo dos talibãs, enquanto helicópteros equipados com metralhadoras AC-130U "Spooky" varrem os escombros com um devastador fogo de canhões.


Imediatamente, os mullahs começam a pregar a jihad nas mesquitas por toda a região, e unidades do exército afegão, treinados por forças americanas para dar a volta à guerra, começam a desertar em massa. Então, os combatentes talibãs desencadeiam uma série de ataques extremamente sofisticados, visando as guarnições dos EUA em todo o país, fazendo aumentar as baixas americanas. Em cenas que fazem recordar Saigão em 1975, helicópteros americanos resgatam soldados e civis americanos nos telhados de Cabul e Kandahar.


Entretanto, irritados com o beco sem saída interminável que já dura há décadas no que se refere à Palestina, os lideres da OPEP impõem um novo embargo petrolífero aos EUA como protesto pelo seu apoio a Israel, assim como pela matança de número incontável de civis muçulmanos nas suas guerras em curso por todo o Grande Médio Oriente. Com os preços da gasolina a subir em espiral e as refinarias a ficarem secas, Washington toma a decisão de enviar forças de Operações Especiais para conquistar os portos petrolíferos do Golfo Pérsico. Isto, por sua vez, incentiva uma onda de ataques suicidas e a sabotagem de oleodutos e de poços de petróleo. Enquanto nuvens negras se acumulam no céu e os diplomatas se levantam na ONU para denunciar asperamente as acções americanas, comentadores em todo o mundo fazem ressuscitar a história para brandir este "Suez da América", uma referência explícita à derrocada de 1956 que marcou o fim do Império Britânico.


III Guerra Mundial: Situação actual


No Verão de 2010, as tensões militares entre os EUA e a China começaram a aumentar no Pacífico ocidental, outrora considerado um 'lago' americano. Ainda um ano antes ninguém teria previsto uma evolução destas. Tal como Washington se aproveitou da sua aliança com Londres para se apropriar de grande parte do poder global da Grã-Bretanha depois da II Guerra Mundial, também a China está a utilizar agora os proveitos do seu comércio de exportações para os Estados Unidos para financiar o que parece vir a ser um desafio militar ao domínio americano nas águas da Ásia e do Pacífico.


Com os seus recursos cada vez maiores, Beijing está a reclamar um vasto arco marítimo desde a Coreia à Indonésia há muito dominado pela Marinha dos EUA. Em Agosto, depois de Washington ter manifestado um "interesse nacional" no Mar do Sul da China e de ali ter efectuado exercícios navais para reforçar essa pretensão, o Global Times oficial de Beijing respondeu asperamente, dizendo, "O confronto de forças EUA-China em relação à questão do Mar do Sul da China fez subir a parada quanto à decisão de qual vai ser o verdadeiro futuro governante do planeta".


No meio de tensões crescentes, o Pentágono relatou que Beijing já detém "a capacidade de atacar… porta-aviões [americanos] no Oceano Pacífico ocidental" e visar "forças nucleares por todo… o continente dos Estados Unidos". Ao desenvolver "capacidades ofensivas de guerra nuclear, espacial e cibernética", a China parece determinada a competir pelo domínio daquilo a que o Pentágono chama "o espectro de informação em todas as dimensões do campo de batalha moderno". Com o desenvolvimento em curso do poderoso super míssil Longo Alcance V, assim como com o lançamento de dois satélites em Janeiro de 2010 e outro em Julho, num total de cinco, Beijing deu sinal de que o país estava a dar passos rápidos na direcção de uma rede "independente" de 35 satélites para capacidades de posicionamento global, de comunicações e de reconhecimento até 2020.


Para conter a China e alargar a sua posição militar globalmente, Washington pretende montar uma nova rede digital de robótica aérea e espacial, capacidades avançadas de guerra cibernética e vigilância electrónica. Os estrategas militares esperam que este sistema integrado envolva a Terra numa grelha cibernética capaz de ofuscar exércitos inteiros no campo de batalha ou de caçar um simples terrorista no campo ou na favela. Em 2020, se tudo correr conforme planeado, o Pentágono vai lançar um escudo de três camadas de pequenos aviões espaciais de controlo remoto – que vão da estratosfera até à exosfera, armados com mísseis ágeis, ligados por um elástico sistema de satélite modular e manobrados inteiramente por vigilância telescópica.


Em Abril passado, o Pentágono fez história. Alargou as operações dos aviões de controlo remoto até à exosfera lançando calmamente o X-37B, um veículo espacial não tripulado, para uma órbita baixa a 410 km acima do planeta. O X-37B é o primeiro de uma nova geração de veículos não tripulados que vão marcar o total armamento do espaço, criando uma arena para futuras guerras diferente de tudo o que já se viu.


III Guerra Mundial: Cenário 2025


A tecnologia do espaço e a guerra cibernética são coisas tão novas e sem estarem testadas que até os cenários mais estranhos podem vir a ser ultrapassados por uma realidade que ainda é difícil de conceber. Mas se utilizarmos apenas o tipo de cenários que a própria Força Aérea usou no seu Jogo de Capacidades Futuras 2009, podemos obter "uma melhor compreensão de como o ar, o espaço e o ciber espaço se sobrepõem na guerra" e começar a imaginar como poderá ser realmente travada uma próxima guerra mundial.
São 11:59 da noite de quinta-feira de Acção de Graças em 2025. Enquanto os ciber-compradores se apinham nos portais da Melhor Compra para beneficiar dos grandes descontos na última palavra de aparelhos electrónicos domésticos chineses, os técnicos da Força Aérea dos EUA no Telescópio de Vigilância Espacial em Maui engasgam-se com o café quando os seus ecrãs panorâmicos se apagam subitamente. A milhares de quilómetros, no centro de operações do Ciber-Comando dos EUA, no Texas, os ciber-guerreiros depressa detectam binários maliciosos que, embora lançados anonimamente, mostram as distintas impressões digitais do Exército de Libertação de Pequim.


O primeiro ataque aberto é um ataque que ninguém previra. "Vírus" chineses apoderam-se do controlo da robótica a bordo de um avião "Vulture" americano, de controlo remoto, não tripulado, alimentado a energia solar, quando ele se encontra a 70 mil pés de altitude sobre o Estreito Tsushima entre a Coreia e o Japão. Este dispara subitamente toda a carga de mísseis transportada na sua enorme envergadura de 120 metros, enviando dezenas de mísseis letais que mergulham inofensivamente no Mar Amarelo, desarmando eficazmente essa arma formidável.


Decidido a combater o fogo com fogo, a Casa Branca autoriza um ataque de retaliação. Confiante em que o seu sistema satélite F-6 "Fractionated, Free-Flying" é impenetrável, os comandantes da Força Aérea na Califórnia transmitem códigos robóticos para a flotilha de aviões espaciais de controlo remoto X-37B que se deslocam numa órbita a 400 km acima da Terra, ordenando-lhes que lancem os seus mísseis "Triple Terminator" contra os 35 satélites da China. Resposta zero. Quase em pânico, a Força Aérea lança o seu Cruise Vehicle Hipersónico Falcon para um arco a 160 km acima do Oceano Pacífico e, 20 minutos depois, envia os códigos de computador para disparar mísseis contra sete satélites chineses em órbitas vizinhas. Subitamente os códigos de lançamento deixam de estar operacionais.


À medida que os vírus chineses alastram descontroladamente pela arquitectura dos satélites F-6, enquanto os super-computadores americanos de segunda categoria não conseguem decifrar o diabolicamente complexo código do vírus, deixam de funcionar sinais de GPS vitais para a navegação dos navios e aviação americana em todo o mundo. Porta-aviões começam a andar em círculos no meio do Pacífico. Esquadrões de caças aterram. Mortíferos aviões de comando remoto voam sem rumo, despenhando-se quando se esgota o combustível. Subitamente, os Estados Unidos perdem o que a Força Aérea americana há muito chamava "o supremo terreno elevado ": o espaço. Em poucas horas, o poder militar que dominara o globo durante quase um século, foi derrotado na III Guerra Mundial sem uma única baixa humana.


Uma Nova Ordem Mundial?


Mesmo que os acontecimentos futuros venham a ser mais sensaborões do que estes quatro cenários sugerem, todas as tendências significativas apontam para um declínio muito mais impressionante do poder global americano em 2025 do que tudo o que Washington parece estar hoje a encarar.


À medida que em todo o mundo os aliados começam a realinhar as suas políticas para terem conhecimento dos crescentes poderes asiáticos, o custo de manter 800 ou mais bases militares ultramarinas vai tornar-se simplesmente insustentável, acabando por forçar uma retirada encenada numa Washington ainda renitente. Com os EUA e a China numa corrida para armar o espaço e o ciber-espaço, é inevitável que aumentem as tensões entre as duas potências, tornando pelo menos possível um conflito militar em 2025, embora isso não seja garantido.


A complicar ainda mais as coisas, as tendências económicas, militares e tecnológicas acima traçadas não funcionarão isoladamente. Tal como aconteceu aos impérios europeus depois da II Guerra Mundial, essas forças negativas vão mostrar-se inquestionavelmente sinérgicas. Vão combinar-se de formas perfeitamente inesperadas, vão criar crises para as quais os americanos não estão minimamente preparados e vão ameaçar precipitar a economia numa súbita espiral descendente, mergulhando esta nação numa geração ou mais de miséria económica.


Enquanto o poder dos EUA recua, o passado oferece um espectro de possibilidades para uma futura ordem mundial. Numa das pontas deste espectro, não se pode pôr de lado a ascensão de uma nova superpotência global, embora isso seja pouco provável. Tanto a Rússia como a China revelam ainda culturas auto-referenciais, escritas difíceis não romanas, estratégias de defesa regional e sistemas legais subdesenvolvidos, que lhes negam instrumentos chave para um domínio global. Portanto, de momento, parece que não há no horizonte nenhuma superpotência que possa suceder aos EUA.


Numa versão sombria, medonha, do nosso futuro global, uma coligação de corporações transnacionais, de forças multilaterais como a NATO e duma elite financeira internacional talvez pudesse forjar um único elo supra-nacional, possivelmente instável, que tornaria sem sentido continuar a falar de impérios nacionais. Enquanto as corporações desnacionalizadas e as elites multinacionais governariam assumidamente um mundo assim em enclaves urbanos seguros, a multidão seria relegada para a desolação urbana e rural.


No 'Planeta Favela' (Planet of Slums) , Mike Davis apresenta pelo menos uma visão parcial de um mundo desses. Defende que os mil milhões de pessoas já amontoadas em fétidos bairros pobres, tipo favelas, em todo o mundo (e que chegarão aos dois mil milhões em 2030) formarão "as 'cidades falhadas, selvagens' do Terceiro Mundo… o campo de batalha característico do século vinte e um". À medida que a noite se instala nalgumas das futuras super-favelas, "o império pode impor tecnologias orwelianas de repressão" como "helicópteros com metralhadoras, tipo vespas, a caçar inimigos enigmáticos pelas ruas estreitas dos bairros pobres… Todas as manhãs os bairros respondem com bombistas suicidas e explosões eloquentes".


A meio caminho do espectro de possíveis futuros, pode emergir um novo oligopólio global entre 2020 e 2040, com potências em ascensão como a China, a Rússia, a Índia e o Brasil colaborando com potências em decadência como a Grã-Bretanha, a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos para imporem um domínio global ad hoc, parecido com a aliança solta dos impérios europeus que governaram metade da humanidade por volta de 1900.


Outra possibilidade: a ascensão de hegemonias regionais num regresso a algo que faz recordar o sistema internacional que funcionou antes de tomarem forma os impérios modernos. Nesta ordem mundial neo-westfaliana, com as suas imagens infindáveis de micro-violência e de exploração sem controlo, cada hegemonia dominará a sua região – a Brasília na América do Sul, Washington na América do Norte, Pretória na África do Sul, e por aí afora. O espaço, o ciber-espaço e as profundezas marítimas, libertos do controlo do antigo "polícia" planetário, os Estados Unidos, até podem tornar-se áreas públicas globais, controladas por um Conselho de Segurança das Nações Unidas alargado ou qualquer órgão ad hoc.


Todos estes cenários são extrapolações de tendências existentes para um futuro no pressuposto de que os americanos, cegos pela arrogância de décadas de um poder historicamente sem paralelo, não possam ou não queiram tomar medidas para gerir a erosão descontrolada da sua posição global.
Se o declínio da América está de facto numa trajectória de 22 anos, de 2003 a 2005, então já esbanjámos a maior parte da primeira década desse declínio com guerras que nos afastaram dos problemas a longo prazo e, tal como a água despejada nas areias do deserto, desperdiçaram milhões de milhões de dólares de que precisamos desesperadamente.


Se restam apenas 15 anos, ainda se mantém alta a possibilidade de esbanjá-los todos. O Congresso e o presidente encontram-se actualmente manietados; o sistema americano está inundado de dinheiro público destinado a emperrar as obras; e poucas indicações há de que quaisquer questões de significado, incluindo as nossas guerras, o nosso estado de segurança nacional, o nosso esfomeado sistema de educação, e o nosso antiquado fornecimento de energia, sejam tratadas com a necessária seriedade para assegurar o tipo de aterragem suave que podia maximizar o papel e a prosperidade do nosso país num mundo em mudança.


Os impérios da Europa acabaram e o império da América está a acabar. É cada vez mais duvidoso que os Estados Unidos venham a ter algo parecido com o êxito da Grã-Bretanha em moldar uma ordem mundial sucedânea que proteja os seus interesses, preserve a sua prosperidade e exiba o carimbo dos seus melhores valores.

[*] Professor de história na Universidade de Wisconsin-Madison, colaborador frequente de TomDispatch, autor de Policing America's Empire: The United States, the Philippines, and the Rise of the Surveillance State (2009). É também o lider do projecto "Empires in Transition" , um grupo de trabalho global de 140 historiadores de universidades de quatro continentes. Os resultados das suas primeiras reuniões em Madison, Sidney, e Manila foram publicados como Colonial Crucible: Empire in the Making of the Modern American State e as conclusões da sua última conferência aparecerão no próximo ano em "Endless Empire: Europe's Eclipse, America's Ascent, and the Decline of U.S. Global Power".


O original encontra-se em www.tomdispatch.com/... .

Tradução de Margarida Ferreira.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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WikiLeaks/Caso Dorothy: Ex-embaixador dos EUA afirma que Pará parece o 'Velho Oeste'

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10:56

 

  John Danilovich, ex-embaixador dos EUA no Brasil (2004-2005), afirmou em telegramas diplomáticos que o Pará se parece "com a imagem popular do Velho Oeste": "isolado, pouco povoado" e uma terra "sem lei".


A visão é expressa em relatos sobre a morte da missionária Dorothy Stang, americana naturalizada brasileira.
Stang foi morta em fevereiro de 2005, aos 73 anos, alvo de seis tiros, em uma estrada de terra perto de Anapu (750 km de Belém), por denunciar a grilagem e o desmatamento ilegal. Cinco pessoas foram condenadas pelo crime.


A Embaixada dos EUA no Brasil produziu nove relatórios sobre o caso nos três meses seguintes ao assassinato, e pelo menos outros seis foram elaborados até 2008.


Os telegramas foram obtidos pelo site WikiLeaks (www.wikileaks.ch), que teve acesso a milhares de despachos. A Folha e outras seis publicações têm acesso antecipado aos documentos.


Nos relatos do ex-embaixador, há elogios ao governo federal, cujo empenho foi considerado "vigoroso" sob "qualquer ponto de vista".
Mas Danilovich manifesta preocupação com a Justiça do Pará e sugere que a federalização do crime seria a melhor solução.

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O cerco ao WikiLeaks e a falsa liberdade

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10:08
 

Entre as muitas ironias que produziu, uma das mais saborosas do caso WikiLeaks é ter dado oportunidade ao jornal russo Pravda de zombar do sistema legal e da censura nos EUA.
Depois de comentar mensagens do WikiLeaks que mostram o governo Obama pressionando Alemanha e Espanha para encobrir torturas praticadas pela CIA no governo anterior, o colunista e editor legal David Hoffman tripudia: “Agora, dado que o fundador do WikiLeaks Julian Assange enfrenta acusações criminais na Suécia, fica também evidente que os EUA têm o governo sueco e a Interpol no bolso. Claro que não sei se Assange cometeu o crime do qual é acusado. Sei é que para o ‘sistema’ legal dos EUA a verdade é irrelevante. No minuto em que Assange revelou a extensão dos crimes dos EUA e seu encobrimento para o mundo, tornou-se um homem marcado.”


Aproveita também para apontar a hipocrisia de conservadores e seus porta-vozes na imprensa, que querem as penas mais rigorosas possíveis para o WikiLeaks, mas não tiveram dúvidas em expor a agente dos EUA Valerie Plame quando o governo Bush júnior quis punir seu marido, o ex-embaixador Joseph Wilson, por denunciar provas forjadas para justificar a invasão do Iraque.


A coluna tem data de 3 de dezembro. O cerco começara com a ordem de captura internacional do governo sueco que colocou o australiano Assange na lista de “alerta vermelho”, os mais procurados da Interpol, a serem monitorados a cada passo. Com um pretexto inusitado para uma operação desse porte, se não surreal: o fundador do WikiLeaks teria continuado a fazer sexo com uma sueca depois da ruptura de seu preservativo e se recusado a usá-lo com outra.


Não há sequer um indiciamento formal e as duas acusadoras, Sofia Wilén e Anna Ardin enviaram mensagens por SMS e Twitter alardeando seus encontros com Assange logo após o fato, falando deles em tom elogioso e festivo. A segunda é nascida em Cuba e escreveu artigos para uma publicação anticastrista, sugerindo que pode haver o dedo da CIA no caso.


Na véspera, a Amazon expulsara o site WikiLeaks.org de seus servidores. No mesmo dia 3, o próprio endereço foi deletado pelo provedor estadunidense everydns.com. Foi rapidamente transferido para um domínio registrado na Suíça, wikileaks.ch, mas com parte dos arquivos hospedados no provedor francês OVH que, ameaçado com “consequências” pelo ministro francês da Indústria Eric Besson, entrou na justiça com uma consulta sobre a legalidade da ação.
No dia 4, a Switch, provedor suíço do novo endereço, disse que não atenderia às pressões estadunidenses e francesas para deletá-lo, mas o sistema PayPal de pagamentos via internet, uma subsidiária do eBay, cancelou a transferência de doações ao WikiLeaks. No dia seguinte, a OVH saiu da rede e os arquivos passaram a ser hospedados pelo Partido Pirata Sueco e passou a sofrer ataques de hackers, mas centenas de “espelhos” do site se multiplicaram pelo mundo. O WikiLeaks também distribuiu a todos os interessados uma cópia encriptada do arquivo completo, cuja chave será distribuída caso algo aconteça com o site ou seu fundador.


Nos dias 6 e 7, as redes Mastercard e Visa também cancelaram as doações ao WikiLeaks – embora, como tenha notado o editor de tecnologia do Guardian, nenhuma delas tenha problemas com encaminhar doações ao Ku-Klux-Klan. Além disso, o banco suíço PostFinance encerrou a conta de Assange com o pretexto de que ele “mentiu” ao fornecer endereço no país – também ridículo, pois ele seguiu a praxe e deu o endereço de um advogado em Genebra. Com essas operações, o WikiLeaks perdeu cerca de US$133 mil. Ainda no dia 7, Assange apresentou-se à Scotland Yard e foi preso sem direito a fiança.

Toda essa farsa foi levada ao palco porque as atividades de Julian Assange e do WikiLeaks não são realmente ilegais. Várias decisões jurídicas dos EUA, notadamente a decisão de 1971 que deu ao New York Times o direito de publicar os “Papéis do Pentágono”, concordaram em que a liberdade de imprensa garantida pela Constituição se sobrepõe à reivindicação de segredo do Executivo. O funcionário que vazou os arquivos oficiais pode, em princípio, ser processado, não a organização que aceitou o material e a publicou.
O fato é que Julian Assange é hoje um preso político, detido sob o mesmo tipo de falso pretexto que é devidamente ridicularizado quando usado para se deter um dissidente russo, chinês ou iraniano. Fosse os segredos de algum desses países que tivesse revelado, o fundador do WikiLeaks seria candidato automático a um Nobel da Paz.


Ao serem os segredos dos EUA os que o australiano se dispõe a divulgar – e o que pode vir a ser ainda pior, de seus grandes bancos e empresas (a começar, provavelmente, pelo Bank of America), como anunciou em entrevista à Forbes –, políticos e jornalistas de Washington e de seus aliados do Ocidente passam a considerar justo e aceitável que seja perseguido e preso pela Interpol sob acusações que matariam de rir os responsáveis pelos Processos de Moscou da era stalinista.


O Ocidente tem dificuldade cada vez maior em conviver com os direitos e garantias em nome dos quais julga ter o dever de impor sua vontade ao resto do mundo. Sente cada vez mais a necessidade de leis de exceção e estados de exceção, que pouco a pouco viram regra. O mundo vai descobrindo que é ilusório confiar na Internet como garantia de liberdade de informação.

 

Reproduzo artigo de Antonio Luiz M. C. Costa, publicado na revista CartaCapital:

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Assalto à mídia

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13:08

Por Ricardo Rosas

Os culture jammers são punks da era tecno. Verdadeiros sampleadores do discurso midiàtico vigente, os culture jammers levam o faça-você-mesmo (DIY) subversivo dos punks ao coração da cultura do capitalismo corporativo.

Jammers vem de praticantes de jam (obstrução, congestionamento), mas jam numa gíria para " a prática ilegal de interromper transmissões de rádio ou conversas entre locutores canastrões com arrotos, obscenidades e outras provocações sem graça", como descreve o jornalista Mark Dery. Obstruidores, bagunceiros ou hackers da cultura, os culture jammers dão uma sacudida nos sentidos anestesiados das massas consumidoras, embriagadas hoje pelas técnicas de persuação, marketing, propaganda subliminar, controle e vigilância, como o panóptico estudado por Michel Foucault em Vigilar e Punir, o Grande Irmão de George Orwell, a Sociedade do Espetáculo de Guy Debord ou as Sociedades de Controle de que William Burroughs falava (chegando a propor uma tática de combate em The Eletronic Revolution) e que Deleuze e Guattari teorizaram numa filosofia libertária.


Usando técnicas e procedimentos da publicidade, do urbanismo, das logomarcas, dos signos urbanos, dos discursos dos meios de comunicação, da memória coletiva veiculada pela televisão e pelos jornais e rádios e meios eletrônicos de comunicação, os culture jammers efetuam colagens, apropriações, alterações de slogans, usos inesperados de lugares comuns da linguagem publicitária, interferências em produtos e brinquedos, cartazes, outdoors ou marcas, e reatualizam toda uma tradição, ou anti-tradição, de contestação e inconformismo, cujas manifestações na segunda metade do século vinte foram devidamente historiadas por Stewart Home no seu já clássico Assalto à cultura. Agora, no entanto, trata-se de um ataque de dentro do Espetáculo (no sentido que lhe dá Debord), de uma rebelião do imaginário frente à sua colonização pelo discurso das grandes corporações e dos meios de comunicação e produção cultural por elas controlados. Serão os "congestionadores da cultura" uma alternativa ao controle global das megacorporações? Para certos jornalistas e estudiosos da cultura contemporânea como Mark Dery e Naomi Klein, a resposta é sim.


Dery escreve para revistas como o Village Voice, Artbyte e Getting It e sua especialidade é cultura marginal, fringe, e experiências extremas neste nosso fim de milênio, em livros como Escape Velocity e Pyrothenic Insanitarium e particularmente no seu Culture Jamming : Hacking, Slashing and Snipping in the Empire of Signs (Congestionamento da Cultura : Hackeando, Retalhando e Tesourando no Império dos Signos), que se debruça sobre o fenômeno destes grupos que têm interferido com seus ruídos na nossa cultura midiatizada. O livreto é um verdadeiro apanhado de toda a cena jammer, com uma bibliografia e documentação acurada.
Naomi Klein causou rebuliço na imprensa pop e alternativa com seu livro No Logo (Sem Logo), um livro abertamente ativista, contra as megacorporações que colonizam os pensamentos e a diversão das pessoas.

Tornou-se uma espécie de bíblia dos protestos anti-globalização. Klein consagra aos jammers as graças pelo desvelar do véu de ísis da mídia. Ao desconstruirem a cultura comercial e propagandística, os jammers permitem ver os limites em que os meios de comunicação nos confinam, os memes passados sem se perceber, a manipulação de nosso imaginário. Klein vê com bons olhos os que protestaram contra a OMC (Organização Mundial de Comércio) em Seattle e Washington, que organizaram barricadas ao som de tecno.
O clamor de Klein vai na mesma direção da TAZ de Hakim Bey ou das idéias de Abbie Hoffman ou Raoul Vaneigem nos anos 60.

Definida como guerrilha semiótica por Umberto Eco, a tática dos bagunceiros bate de frente com a hipnose massificada. Nossa época não é nada inocente. Técnicas subliminares de persuação e controle mental são programadas pelos que detém o poder da propagação cultural vigente. Valores e condicionamentos de consumo são infiltrados a todo momento em nossas mentes bombardeadas de informações por todo lado. Os culture jammers tomam uma atitude frente a isso : Subverta a mídia, faça anti-propaganda.
Sublicitar, adulterar, congestionar, bagunçar, deturnar, plagiar, alterar. A interferência ou o ruído inesperado e transformador como o imaginava John Cage e Jacques Attali, ou o deturnamento dos situacionistas, a lógica plagiarista já presente em Baudelaire, Rimbaud e Lautréamont, que deu esse significado especial ao termo detournement : desvio, alteração, pilhagem, tergiversação ou apropriação, como é alternadamente traduzido em português. Em face da multiplicidade de palavras, optei pelo neologoismo deturnamento.


A tradição literária da apropriação desembocou no século vinte em autores como Brion Gysin e Willliam Burroughs e seus cut-ups, e, mais recentemente, no plagiarismo de Stewart Home, na escrita de Kathy Acker ou mesmo na mais deslavada jamming do grupo de escritoras feministas canadenses, as K/S Slashers, que escrevem ficção científica deturnando o subtexto sexual da série Star Trek ( K/S vem de Kirk/Spock) criando uma utopia pornô onde cyborgs transam entre si e Kirk e Spock são amantes assumidos.
A afirmativa de Debord em A Sociedade do Espetáculo de que "O plágio é necessário - O progresso o implica", é diretamente deturnada do Lautréamont dos Poémes. O próprio Sociedade é todo construido com deturnamentos. É contra a manipulação de nossos desejos que se faz a apropriação. O espetáculo determina nosso imaginário sem que o percebamos. Fazer o seu próprio espetáculo, ou antes, sampleá-lo, alterá-lo, deturná- lo talvez à busca de uma revelação como pretendia Burroughs com os cut-ups, talvez uma iniciação gnóstica como em The Matrix, assim mesmo subvertendo, transgredindo as regras do pensamento midiático.

Os culture jammers atuam em nosso inconsciente midiático coletivo metamorfoseando marcas em memes anarquistas e contraculturais, algo que você já deve ter visto sob outros ângulos em Eles vivem, de John Carpenter, ou num videoclip de George Michael. Tão pop quanto subversiva, o assalto à cultura midiática promovido pelos jammers tem atraído muita gente e há muitíssimos sites fazendo bagunça, parodiando marcas e grifes, ou cutapeando músicas, filmes, propagandas, discursos, notícias, memes, lugares comuns, títulos, arte, embalagens, banners. Puro agit-prop pop, derivado em ativismo eletrônico, impresso ou ação direta mesmo.


RTmark (www.rtmark.com) patrocina projetos alternativos de criadores e artistas que deturnem a linguagem e os aparatos tecnológocos da mídia vigente. Trangressão e projetos de risco é também a praia da revista Adbusters (www.adbusters.org), que defende a vandalização como arte e a anti propaganda como prática. Chamam a si mesmos uma espécie de QG dos culture jammers.

Sua editora, Kalle Lasn, é autora do livro Culture Jam, obra básica sobre o tema. O Bilboard Liberation Front (www.billboardliberation.com) propõe o melhoramento de outdoors. O Detritus (www.detritus.net) é uma database de sampleadores musicais da mais variada afiliação e tem uma página chamada Rhizome que dá todas as conexões do que seria uma bibliografia, bandas, músicos, sites afins e fanzines relacionados à cena. A Enciclopédia de Culture Jamming (www.syntac.net/hoax/index.php) é instrutiva, anedótica e muito bem humorada, como aliás é a tônica dos jammers. A Barbie Liberation Organization (www.syntac.net/hoax/barbie.html) hackeia a voz da boneca Barbie com a voz do boneco Joe, para questionar noções preconcebidas de sexismo e violência. Para uma panorâmica de várias anti-propagandas nos mais diversos temas e campos, vale conhecer o Subvertise (www.subvertise.org). É incontável a quantidade de organizações, grupos e sites com propostas de culture-jamming e uma dose equivalente de bom humor.

Uma risada rabelaisiana está por trás disso tudo, essa risada desestabilizadora e carnavalesca que o crítico russo Mikhail Bakhtin via como revolucionária, ironia grotesca que se escutará igualmente na musica, como a banda Negativland deturnando o U2, nos Tape-Beatles, ou em John Oswald cutapeando música disco, "grandes sucessos" e Michael Jackson. Oswald é o criador da Plunderphonics, a furtofônica ou audiopirataria. O sampler é uma prática mais que comum na música pop e na experimental. Já foi objeto de culto secreto para Genesis P-Orridge, criador da música industrial e promotor de raves, e para os rappers é um instrumento de contestação ou de vendas fáceis, dependendo da intenção. O fato é que é difícil hoje em dia não escutar alguma música sem pelo menos um sampler de maquiagem. O próprio MP3, o DvX, o Napster e programas semelhantes de pirataria tanto audio quanto visual seriam apenas sintomas de algo muito maior.


Os jammers são por natureza anti-copyright é sua intenção é deixar às claras um mecanismo executado às escuras. A manipulação é definida por quem controla, e decidir quem manipula é hoje um ato político. O Critical Art Ensemble (www.critical-art.net) é um desses jammers abertamente políticos, mas naquele sentido do corpo político. O CAE é um grupo acadêmico que realiza ciberperfomances on-line para defender suas teses subversivas de fim do direito autoral e da nomadologia invisível. Apoiaram o movimento dos zapatistas em Chiapas, talvez a primeira rebelião eletrônica, pois inteiramente conectada pelos rebeldes. O CAE também publicou dois livros on-line o Eletronic Civil Desobedience em direta citação do clássico de Henry David Thoreau, e The Eletronic Disturbance (Publicado no Brasil como Distúrbio Eletrônico na coleção Baderna, da Conrad) . A linha de pensamento do CAE é também devedora de Hakim Bey e do conceito de TAZ, tanto quanto de Deleuze e Guattari.


No cinema, além dos filmes deturnados dos situacionistas e da produção de Anthony Balch (que já nos anos 60 filmava Burroughs em sequencias cutapeadas de caóticas assemblages visuais), um destaque atual é o cineasta underground Craig Baldwin, um apropriador de filmes B, educativos e noticiários dos anos 50, que antropofagiza tudo numa colagem pirada. Baldwin já passeou pelas teorias de conspiração, OVNIs e política imperialista em O No Coronado!, já retratou a cena musical dos culture jammers em Sonic Outlaws e seu último filme Specters of the Spectrum é uma colagem pirada de ficção científica trash numa história que levanta hipóteses polêmicas sobre a teoria da energia vital e as pesquisas, dentre outros, de Whilhelm Reich e Nikolas Tesla. Além de temas questionadores, os filmes de Baldwin bagunçam, cortam e colam toda uma memória desprezada da mídia no inconsciente coletivo. As colagens chapantes dos filmes de Martha Colburn, deturnando fotos e cenas da memória fotográfica cotidiana também fazem bagunça cultural.


Um filme que passou meio desapercebido nos cinemas e locadoras é A Vida em Preto e Branco (Pleasantville), que conta a história de dois jovens de hoje teleportados para uma série típica dos anos cinquenta e alterando completamente os clichês idealizados e inverossímeis da narrativa, o que resulta na introdução de novas cores no preto-e-branco e uma alteração do comportamento, da moral, do amor e do sexo. Pleasantville tem a capacidade de suspender nossa descrença através de uma transformação dos sentidos e significados que temos com relação a nossos valores e tudo (do desbunde à AIDS) que aconteceu após a assim chamada "revolução sexual". É com a História que o filme dialoga ao percebermos o quanto trouxeram todos os trangressores daqueles anos cinzentos, como os beats e depois os hippies e em que inferno puritano não nos veríamos trancados se vivêssemos como nossos avós. Pleasantville congestiona nossa noção de valores e aquela que nos é passada todo dia por novelas e programas de tevê como a ideal.


Se A Vida em Preto e Branco deturna a "utopia" televisiva e seus lugares comuns facilmente detectáveis, Os Surveillance Camera Players (Performáticos da Câmera de Vigilância) deturnam o panóptico, esse mecanismo do poder estudado por Michel Foucault em Vigiar e Punir e que cada vez mais nos cerca com a absoluta proliferação das câmeras de vigilância por ruas, bairros, edifícios, lojas e todos os lugares, de forma que talvez vivamos os estertores do que se podia chamar intimidade. Sorria, você está sempre sendo filmado. O sucesso de séries como Casa dos Artistas e Big Brother nos diz que talvez estejamos mesmo chegando à era prefigurada por Orwell, mas em forma de entretimento, de audiência massificada, como o simulacro narcótico de Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo .


O outro lado da moeda, a segurança e a homogeneização do comportamento que é imposto pela presença das câmeras de vigilância pode chegar muito em breve à sua mais efetiva aplicação. Segundo a New Scientist de Dezembro de 1999, um sofisticado sistema de segurança visual vem sendo desenvolvido por pesquisadores ingleses, o CCTV, que trabalha detectando qualquer comportamento desviante do âmbito normal de comportamento humano, com a finalidade de prever crimes. Este Show de Truman em que todos estamos possivelmente entrando é subitamente bagunçado pelos Performáticos da Câmera de Vigilância, que fazem happenings e encenam peças de Genet ou Artaud em shopping centers ou lojas de conveniência, quebrando etiquetas e rotinas comerciais. Os Performáticos são neo-situacionistas assumidos e deturnam a realidade mediada de nosso tempo com arte transgressiva e utópica.


O "desregramento dos sentidos" que os jammers propôem bagunça o pragmatismo narrativo da cultura corporativista que nos domina, seu discurso e sua política. Esses "novos radicais", como chamou recentemente a revista New Yorker, estão cada vez mais tomando a forma de um movimento, como bastiões de uma renascente contracultura de artistas, ironistas, viajantes do mundo e da rede. Foi sob esse enfoque de uma nova boemia ativista que o jornalista Clive Thompson da RAYGUN (jun/2000) retratou a cena por trás dos protestos de Seattle e Washington D.C., movidos a música e totalmente anti- globalização.
O Global Exchange, uma entidade baseada em San Francisco e um dos principais grupos fomentadores dos protestos, tem como objetivos nada menos que: "democratizar" o mercado; humilhar grandes marcas em respeito a direitos (normalmente violados) do trabalho; e cancelar a dívida do Terceiro Mundo. Como você pode ver, há muita coisa dos jammers que pode ter interesse direto para nós, brasileiros.


Como diz Juliette Beck, do GE, "o poder corporativo é a questão de nossa geração". As adesões tem crescido em escala geométrica após os incidentes de Seattle. Agora, usando táticas de ação nômades e pacíficas, os grupos autônomos se comunicam por celulares numa estratégia descentralizada para despistar as tropas de choque. São pequenos grupos unidos via web por todo o país - culture jammers, ambientalistas, grupos de luta do direitos dos índios, anarquistas, como informa a RAYGUN.
O grupo de Juliette Beck traz de volta o protesto para a cultura, encenando toda noite, no "QG" do Global Exchange, teatro político, leituras, piadas e música. Essa atitude carnavalizada, se assim podemos dizer, tem estreita afinidade com o potlach situacionista ou a TAZ de Hakim Bey.


Mas a culture jamming chegou também à arena dos direitos civis. Sob o lema "Ninguém é ilegal", um grupo de artistas e ativistas durante a Documenta de 97 decidiu criar um festival alternativo, uma TAZ, para expressar sua indignação em relação à situação de terra de ninguém vivida por imigrantes nos EUA e na Europa. A coisa tomou corpo, gerando a filosofia dos borderhackers ( Hackers de fronteira, que se reúnem em festivais como o Borderhack em Tijuana, fornteira do México com os EUA), que olha para os excluídos, dá a eles uma voz global, e procura penetrar, explorar e comprender um sistema mundial desigual, para então tentar mudar suas devastadoras consequências, como acredita Alex Burns, do Disinformation (www.disinfo.com).


As tão variadas facetas do Culture Jamming só comprovam o paradoxo de sua viabilidade prática e anseio utópico. O vasto escopo das apropriações, colagens, samplers, até chegar na vida real, reflete a mesma aspiração de utopia detectada por Stewart Home nos movimentos artísticos "obscuros" do pós- guerra.
O libertarianismo boêmio, o nomadismo, o plágio como prática artística e cultural, a pirataria e a desobediência civil talvez sejam nada mais que sintomas de uma época onde os interesses neo-liberais e globalizantes (ditados pelas megacorporações e o FMI) manipulam nosso imaginário sem, no entanto, conseguirem responder pelos desejos de uma sociedade verdadeiramente livre e igualitária. Os culture jammers representariam, então, nada mais que os ruídos, as interferências, as vozes dissonantes do coro hipnotizado das maiorias silenciosas.
Julho de 2000

 http://www.rizoma.net

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