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Num mundo dominado pelas massificações que desabam sobre nossas almas afundando nossa essência verdadeiramente imprescindível ciente que sem ela apenas sobreviveremos para uma vida vazia de sonhos e liberdades interiores e nasceremos para uma vida cujo único sentido ainda não alcançamos.
Amnesic (2001), quinto trabalho dos britânicos do Radiohead e quarto disco conceitual da discografia gira em torno mais uma vez do homem, criando a utopia como salvação perante a verdade vigente absoluta.
Depois de duas obras primas que marcaram a década de noventa (Ok Computer e Kid A) a banda comandada por Thom Yorke assina as respostas às reflexões que os dois álbuns anteriores trouxeram.
Sob a batuta do engenheiro de som Nigel Grodich, uma pequena orquestra comandada pelo multi-instrumentista da banda Jonny Greenwood e o lendário trompetista jazzy Humphrey Lyttelton, com a influencia da musica eletrônica experimental de vanguarda e do jazz clássico da década de 40, evocando os ecos da arte-conceitual contemporânea, minimalismo conceitual e expressionismo abstrato e releituras do Krautrock, e inspirações Yorkianas nos artistas da Warp (selo independente de musica eletrônica experimental) para nos entorpecer com nossos próprios sentidos ultras sonoros.
A banda assina um dos mais melancólicos e sombrios discos da sua geração e já um dos melhores e ao mesmo tempo controversos discos desse século XXI.
Se nos discos anteriores a reflexão girava em torno do homem contemporâneo e seu afastamento existencial de si mesmo para assim nascer um homem - maquina, ciente que não pode sonhar e sim sobreviver, ciente que não poder ser ele mesmo e sim ser apenas parte dele e parte nulo.
Aqui Thom Yorke escreve seu sonho maior, o de voltar a sua essência para o qual o homem se vendeu e achar ali um lugar de liberdade onírica e racional que abrirá uma fenda no destino e novos caminhos se ergueirão em meio à soterrada carga de ideologias que vivemos no mundo moderno.
Sufocado por sua própria condição de ser humano, centro do paradoxo do mundo pos-moderno,
York abre o disco em estado de alerta com Packt Like Sardines In A Crushed Box, clama que nossas vidas estão passando num piscar de olhos e não estamos percebendo e afunda mais nossas esperanças quando afirma que quando começar-mos a perceber será tarde demais. Camadas minimalistas de texturas beats se misturam à voz sufocada de Thom Yorke numa esquizofrenia quase kafkaniana “empacotado como uma sardinha esmagada numa lata dentro de uma caixa” dialogo com um Yorke com medo e deslizando em si mesmo em meio à construção da textura entrecortada, vozes de sussurros gélido que desce pelas teias vicerais de um ambiente frio e cheio de ecos vestidos de navalhas que cortam nosso interior. Como barcos navegando para os sonhos mais distantes além da vida Yorke nos entrega Pyramid Song “canção pirâmide” balada jazz num piano descompassado, aqui o visionário joga-se num “rio de olhos negros” e conduz nossas promessas de salvação de uma vida deliberadamente confusa e maravilhosa, não há nada a temer nem a duvidar é o que Yorke nos diz enquanto vai seu barco existencial vai sendo sulgado para dentro da sua subconsciência despertando ela de seu gás do sono feito de senso comum e ideologias-camisas de força em meio a pianos mágicos que se destoam em meio a vozes sussurrantes e tremulas de delírios onde massas cinzentas de eteras camadas de uivos oceânico nos arremessam em Pulk/Pull Revolving Doors “portas giratórias” onde portas desafiadoras pelo qual só conhecemos no mais profundo âmago da nossa consciência são adentradas por um Yorke entubado por uma voz mecânica que paira no ar e desliza pelo seu rosto varando sua boca carcomida de inalcansabilidade, a voz sintética e confusa porem destemida no seu percurso fugitivo entre portas que se fundem num sonho inesgotável então sua alma é transportada para um deserto intimo em You And Whose Army? “Você e que Exercito?” um Yorke distante canta entorpecido por pesadelos futuristas, onde ele acredita que logo chegará o tempo que todos os exércitos que batalham contra o mais íntimo da humanidade irão ruir, o poeta, visionário dos tempos modernos profetiza que logo a maquina conhecerá sua ruína e enquanto eles sugam a força existencial da vida humana Yorke em seu sonho de retorno a si mesmo planeja outra fuga metafisicamente ciente de onde quer ir e numa noite gloriosa um cavalo fantasma o levará para dentro si, Yorke pede que nos aproximemos dele e subamos nesse veiculo soluçante que tem a força do infinito humano. Mergulhado em hipnotizantes guitarras cósmicas vestidas de sentidos que vagueia pelas artérias abstratas do comodismo caótico es que chega I Might Be Wrong “eu posso estar errado” um timbre nervoso da guitarra de Ed’O Brien rasga o silencio surgindo um Yorke futurista, pedindo uma abertura acima ou uma fuga por baixo, mergulha nas cachoeiras flutuantes da sua memória a fim de encontrar de novo os bons tempos, outra fuga, pelos tubos de ventilação do seu destino em meio às densas camadas da sua voz que passeia pela constante repetição da guitarra e baterias eletrônicas que entrecortam o ambiente urbano e perturbador, enquanto ecos sintéticos o perseguem pelos corredores do seu próprio medo de fracassar em si mesmo. Yorke acredita na fuga e pede para não olharmos para trás em Knives Out “facas para fora”, é uma sinfonia de guitarras e vilões dialogando dentro dos nossos cinco sentidos, não podemos desistir agora de nosso plano de vôo, Yorke pede que sejamos fortes perante as tempestades, a constante bateria e labirintos dedilhados por Jonny Greenwood misturam nossas percepções sensoriais enquanto Yorke áspero metaforiza sobre ratos e seres humanos se confundindo no soturno alvorecer dos tempos atuais e em certo momento ambos devem ser engolidos e esmagados no ápice labiríntico e angustiado da poesia Yorkiana. Congelado por um desespero translúcido ele percorre as teias sonoras do seu próprio orgulho fugitivo e destila sua matéria viva de impossível pelos vastos campos do futuro, Como num vento da manhã que leva pelas estradas mais seguras e percorre os túneis das palavras não ditas, Yorke nos apresentar Morning Bell “sino da manhã” em sua outra versão (essa música esta no disco anterior mas com camadas mais eletrônicas) cordas e violinos abraçam um Yorke lagrimejante e inconsolável um Yorke que quer corta-se ao meio, arrastar-se pelo próprio sangue e enroscar-se em sua sombra numa aurora que passou a ser noite. e nessa fragilidade cotidiana de alguma manhã qualquer ele ouve o Dollars And Cents “dólares e centavos” com um silencioso ruído ensurdecedor da maquina vestida de refúgio materialista para sua alma cansada e fraca, que o tenta seduzir pelos caminhos mais razoáveis, um contrabaixo circular de Colin Greenwood e pratos constantes da bateria de Phill metaforiza a monotonia cotidiana, enquanto teias éteras causam um ambiente esquizofrênico e alucinado que conduz Yorke a vertiginosa confusão de pensamentos e angustias, os dólares e centavos (personagem criado por Yorke na sua translucidez critica) afirma que ele terá uma vida magnífica e segura mas Yorke espatifa-se e se desespera, a maquina pede que ele tenha calma se não ela rachará sua alma pequena uma guitarra desliza pelas bordas da musica deixando desolado o cenário cheio de rachaduras e vidraçadas nisso surge uma guitarra gélida explorando um canto desolador na instrumental Hunting Bers “levando a caça" alguns timbres graves e um ar de devastação interior no meio de um deserto transcendente permeia para nos arremessar em Like Spinning Plates “como pratos girando” aranhões de vinis giram ao contrario a melodia improvável que vai conduzindo um Yorke impessoal, áspero, escalando sua própria mente como se tivesse explorando o mundo submerso dos sentidos, incapaz de responder as respostas que o levam ate aqui, um fugitivo querendo encontrar a si mesmo num verdadeiro sentido da própria existencialidade, sua mente caminha acima das nuvens e seus pés se sepultam abaixo da terra e a musica nos envolve para uma distancia inimaginável de nos mesmo e então somos transportados para um ultimo suspiro, baseado num complexo jazz espacial em A Life Glasshouse “vida numa casa de vidro” com letra de Jonny Greewood traz um Yorke melancólico pelos arredores de si mesmo e soterrado pelos trompetes de Humphrey Lyttelton e clarinetes que vagam por nossas artérias do desejo de alcançar-se desejando ir ate o fundo de si num mergulho nas próprias respostas que encontrou pelo caminho, pelo próprio infinito da sua própria infinitude, querendo que a humanidade volta a si mesma, recuperar-se do vazio dos caminhos percorridos na atual celebração do homem contemporâneo como resposta as alienações que engolem com todo a força os nossos sentidos, Yorke parece acreditar na humanidade desacreditando nela mas não em si mesmo e cria sua utopia poético-existencial como ode-manisfeto a tudo que nos torna menos humano e mais maquina, apenas sobreviventes e passageiros de um mundo globalizado tantos nos aspectos culturais como alienadores, vomitando o ser humano numa grade existencial que aos poucos vai encolhendo e sufocando nossos pensamentos mais essenciais para dá lugar a um ser humano vazio de idéias e sonhos que morrem dentro de si mais que vive e morre apenas para alimentar seu frágil desejo de existir por existir.assim como num “musical dos anos 30” encerra-se esse percurso radiohediano por nossas mentes entregues a nós mesmos.
Em Amnesiac, só acreditando na utópica volta as suas raízes essenciais o ser humano voltará a sim mesmo e descobrirá o verdadeiro sentido para sua existência, é preciso acreditar nas utopias do impossível talvez por que em nós mesmo somos impossíveis sendo possíveis, portanto sonhadores eternos da essencia humana. No disco mais esquizofrenicamente esperançoso e viciante do Radiohead, um sopro curto que às vezes parece insuportável, aqui a banda se desconstroi, tornando-se em muitos momentos irreconhecível suas principais características, nos arremessando em ambientes asfixiantes de nós mesmo onde a melodia eletronicamente conceitual enrosca-se pelos tentáculos das camadas da própria natureza orgânica do ser humano causando sensações de oceanos, ventos metálicos vindos da nossa própria mente, horizontes sussurrantes, noites longas e rios que cortam nossos corpos e sombras nos perdendo nas próprias camadas de nossos delírios cotidianos. num emblemático inicio de século que pode representar para a humanidade, um reinicio de existencialidade? Com Amnesiac a música é presenteada com a relevância que transborda questionamentos, perguntas e respostas que transpiram e absorvem nossa certeza e duvidas essências para a libertação de nossos sentidos, usando o próprio passado da musica como ponte para o futuro.Amnesiac é moderno, confuso, belo, áspero, frio, emocional, arrebatador, textualizado e texturizado na própria essência da arte; a de nos enriquecer com sua inesgotável plenitude.

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