Partículas Exteriores

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By João Leno Lima

14-01-11

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A chuva que passou
foi como um cavalo despontado pelos telhados rumo ao desconhecido...

 

 

 

 

João Leno Lima

12/01/2010

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Entrevista com Chomsky: WikiLeaks, crise econômica e outros temas (1ª parte)

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11:28
 

 

4 de Janeiro de 2011

A estação alternativa de rádio estadunidense Democracy Now, na pessoa da sua principal animadora Amy Goodman, entrevistou à distância o linguista, filósofo e activista libertário Noam Chomsky, em vésperas do seu 82º aniversário. Uma longa conversa que publicamos em duas partes – hoje a primeira.

Por Noam Chomsky e Amy Goodman

Noam Chomsky

Numa entrevista exclusiva falamos com o dissidente político e linguista de fama mundial Noam Chomsky sobre a publicação de mais de 250.000 telegramas secretos do Departamento de Estado dos EUA, por parte da WikiLeaks. Em 1971 Chomsky ajudou o informador de dentro do governo [estadunidense] Daniel Ellsberg a publicar os “Documentos do Pentágono”, um relatório interno secreto dos Estados Unidos sobre a guerra do Vietnam. Em comentário a uma das revelações, de que vários líderes árabes pressionam os EUA para atacarem o Irão, Chomsky diz: “As últimas sondagens mostram que a opinião dos árabes é que a maior ameaça na região é Israel, com 80% dos entrevistados, e em segundo lugar vêm os EUA com 77%. O Irão aparece como uma ameaça para 10%”, explica. “Isto pode não aparecer na imprensa, mais de certeza algo que os governos israelita e estadunidense, e os seus embaixadores, sabem. O que isto revela é o profundo ódio à democracia por parte dos nossos dirigentes políticos”.

Amy Goodman

Amy Goodman [AG]: Encontramo-nos com o distinto dissidente político e linguista de reputação mundial Noam Chomsky, professor emérito do Massachusetts Institute of Technology e autor de mais de cem livros, incluindo o seu mais recente Esperanças e realidades, para obter a sua reação aos documentos da WikiLeaks. Há quarenta anos, Noam e Howard Zinn ajudaram o denunciante de dentro do governo Daniel Ellsberg a editar e publicar os “Documentos do Pentágono”, a história interna ultra-secreta dos EUA da guerra do Vietnam. Noam Chomsky fala-nos a partir de Boston… Antes de falarmos da WikiLeaks, qual foi a sua participação nos “Documentos do Pentágono”? Não creio que a maioria das pessoas esteja informada sobre isso.

Noam Chomsky [NC]: Dan e eu éramos amigos. O Tony Russo também os preparou e ajudou a filtrá-los. Recebi cópias do Dan e do Tony e várias pessoas as distribuíram à imprensa. Eu fui uma delas. Então o Howard Zinn e eu, como você disse, editamos um volume de ensaios e indexamos os documentos.

AG: Explique como funcionou. Penso sempre que é importante contar essa história, especialmente aos jovens. Dan Ellsberg – funcionário do Pentágono com acesso ao máximo segredo – saca da sua caixa de fundos essa história da intervenção dos EUA no Vietnam, fotocopia-a, e então como veio parar às suas mãos? Entregou-lha diretamente a si?

NC: Chegou-me por intermédio de Dan Ellsberg e de Tony Russo, que tinham feitos as fotocópias e preparado o material.

AG: Foi muito editado?

NC: Bem, nós não modificamos nada. Não corrigimos os documentos. Ficaram na sua forma original. O que fizemos, o Howard Zinn e eu, foi preparar um quinto volume além dos quatro que apareceram, que continha ensaios críticos de muitos peritos sobre os documentos, o que significavam, etc. E um índice, que é quase imprescindível para poderem ser seriamente utilizados. É o quinto volume da série da Beacon Press.

AG: Então foi um dos primeiros a ver os documentos do Pentágono?

NC: Sim, para além do Dan Ellsberg e do Tony Russo. Quer dizer, talvez tenha havido alguns jornalistas que puderam vê-los, mas não tenho a certeza.

AG: E atualmente, o que pensa? Por exemplo, acabamos de reproduzir o vídeo do congressista republicano Peter King, que diz que se deveria declarar a WikiLeaks como organização terrorista estrangeira.

Pentágono - Secretaria da Defesa EUA

NC: Penso que é revoltante. Temos de compreender – e os Documentos do Pentágono são outro exemplo claro – que uma das principais razões do segredo governamental é proteger o governo contra a sua própria população. Nos Documentos do Pentágono, por exemplo, houve um volume – o volume das negociações – que poderia ter tido influência nas actividades em curso, e o Daniel Ellsberg não o revelou logo. Apareceu pouco depois. À vista dos documentos propriamente ditos, há coisas que os estadunidenses deveriam ter sabido e que outros queriam que não se soubessem. E, que eu saiba, pelo que eu próprio vi deste caso, agora é o mesmo. De fato, as revelações atuais – pelo menos as que eu vi – são interessantes, sobretudo pelo que nos esclarecem sobre como funciona o serviço diplomático.

AG: As revelações dos documentos acerca do Irão aparecem precisamente no momento em que o governo iraniano aceitou uma nova ronda de conversações nucleares para o começo do próximo mês. Na segunda-feira, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu disse que os telegramas reivindicam a posição israelita de que o Irão constitui uma ameaça nuclear. Netanyahu disse: “A nossa região tem estado presa a uma narrativa que é o resultado de sessenta anos de propaganda que apresenta Israel como principal ameaça. De facto, os dirigentes compreendem que esse ponto de vista está na falência. Pela primeira vez na história existe um acordo de que a ameaça é o Irão. Se os dirigentes começarem a dizer às claras aquilo que têm dito à porta fechada, podemos realizar uma mudança radical na caminhada para a paz.” A secretária de Estado Hillary Clinton também falou do Irã na sua conferência de imprensa em Washington. Disse o seguinte:

Hillary Clinton

Hillary Clinton: “Creio que não deveria ser surpresa para ninguém que o Irã é uma fonte de grande preocupação, não só para os EUA. Em todas as reuniões que tenho, em qualquer parte do mundo, aparece a preocupação com as ações e as intenções do Irã. Por isso, qualquer dos alegados comentários dos telegramas confirma que o Irã representa uma ameaça muito séria do ponto de vista dos seus vizinhos e uma preocupação muito séria muito para além da sua região. Por isso a comunidade internacional se reuniu para aprovar as sanções mais duras possíveis contra o Irão. Isso não aconteceu porque os EUA tivessem dito ‘Por favor, façam isso por nós!’. Aconteceu porque os países – depois de avaliarem as provas quanto às ações e às intenções do Irã – chegaram à mesma conclusão que os EUA: que temos de fazer o que pudermos com o fim de unir a comunidade internacional para que ela atue e impeça o Irã de se converter em um Estado com armas nucleares. De modo que, se os que lerem as histórias sobre esses, em supostos telegramas, pensarem cuidadosamente, chegarão à conclusão de que as preocupações com o Irão são bem fundadas, são amplamente partilhadas e continuarão a ser fundamento para a política que mantemos com os países que têm a mesma opinião, para impedir que o Irão adquira armas nucleares.”

AG: Assim falou a secretária Hillary Clinton, ontem, numa conferência de imprensa. Qual o seu comentário sobre Clinton, sobre o comentário de Netanyahu, e o fato de Abdullah da Arábia Saudita – o rei que está a ser operado às costas em Nova Iorque – ter incitado os EUA a atacarem o Irão.


NC: Isso só vem reforçar o que eu disse antes, que o significado principal dos telegramas que têm sido publicados é, até agora, o que nos dizem sobre os dirigentes políticos ocidentais. Hillary Clinton e Benjamin Netanyahu de certeza conhecem as cuidadosas sondagens da opinião pública árabe. O Brookings Institute publicou há poucos meses amplas sondagens sobre o que pensam os árabes acerca do Irã. Os resultados são bastante impressionantes. Mostram que 80% da opinião árabe considera que a maior ameaça na região é Israel. A segunda maior ameaça são os EUA, com 77%. E o Irã só é referido como ameaça por 10%. No que diz respeito às armas nucleares, de um modo bastante notável, há 57% que diz que, se o Irã possuísse armas nucleares, isso teria um efeito positivo na região. Pois bem, não se trata de cifras pequenas. 80% e 77%, respectivamente, dizem que Israel e os EUA constituem a maior ameaça. 10% dizem que o Irão é a maior ameaça.

Claro que, aqui, os jornais nada dizem sobre isso – dizem-no na Inglaterra – mas é certamente algo que os governos de Israel e dos EUA e os seus embaixadores sabem muito bem. Mas não se vê aparecer uma palavra sobre isso. O que isso revela é o profundo ódio à democracia por partes dos nossos dirigentes políticos e dos dirigentes políticos israelitas. São coisas que nem referidas podem ser. Isso impregna todo o serviço diplomático. Não há nenhuma referência a isso nos telegramas.

Quando falam dos árabes referem-se aos ditadores árabes, não à população, que se opõe rotundamente às conclusões dos analistas, neste caso Clinton e os médias [a mídia]. Também há um problema menor que é o maior problema. O problema menor é que os telegramas não nos dizem o que pensam e dizem os dirigentes árabes. Sabemos o que foi selecionado daquilo que disseram. De modo que há um processo de filtragem. Não sabemos o quanto a informação é distorcida. Mas não restam dúvidas: o que é mesmo uma distorção radical – ou nem sequer uma distorção, mas sim um reflexo – é a preocupação de que o que importa são os ditadores. A população não importa, mesmo se se opõe totalmente à política estadunidense. Há coisas semelhantes noutros sítios, como as que têm a ver com essa região.

Israel bombardeia  Gaza

Um dos telegramas mais interessantes foi aquele de um embaixador dos EUA em Israel para Hillary Clinton, que descrevia o ataque a Gaza – que deveríamos chamar o ataque israelo-estadunidense a Gaza – em Dezembro de 2008. Indica corretamente que houve uma trégua. Não acrescenta que durante a trégua – que de fato Israel não respeitou mas o Hamas respeitou escrupulosamente segundo o próprio governo israelita –, não foi disparado um só míssil. É uma omissão. Mas logo surge uma mentira direta: diz que em Dezembro de 2008 o Hamas retomou o disparo de mísseis e que por isso Israel teve de atacar para se defender. Acontece que o embaixador não pode deixar de saber que há alguém na embaixada dos EUA que lê a imprensa israelita – a imprensa israelita dominante – e nesse caso a embaixada tem de saber que é exatamente o contrário: o Hamas estava a pedir uma renovação do cessar-fogo. Israel considerou a oferta, recusou-a e preferiu bombardear em vez de optar pela segurança. Também omitiu que Israel nunca respeitou o cessar-fogo – manteve o cerco [a Gaza] em violação do acordo de trégua – e em 4 de Novembro, dia da eleição de 2008 nos EUA, o exército israelita invadiu Gaza e matou meia dúzia de militantes do Hamas, o que motivou trocas de tiros em que todas as vítimas, como de costume, foram palestinas. De imediato, em Dezembro, quando terminou oficialmente a trégua, o Hamas pediu que ela fosse renovada. Israel recusou e os EUA e Israel preferiram lançar a guerra. O relatório da embaixada é uma falsificação grosseira, e é muito significativa porque tem a ver com a justificação do ataque assassino, o que significa que ou a embaixada não fazia ideia do que estava a acontecer ou estava a mentir descaradamente.

AG: E o último relatório que acaba de aparecer – da Oxfam, da Anistia Internacional e de outros grupos – sobre os efeitos do cerco de Gaza? O que está a acontecer agora?

NC: Um cerco é um ato de guerra. Se alguém insiste nisso é Israel. Israel desencadeou duas guerras – 1956 e 1967 – em parte na base de que o seu acesso ao mundo exterior estava muito restringido. Esse mesmo cerco parcial que consideraram como um ato de guerra e como justificação – bem, uma entre várias justificações – para o que chamaram “guerra preventiva” ou, se preferir, profilática. Assim o entendem perfeitamente e o argumento é correto. Um cerco é, desde logo, um ato criminoso. O Conselho de Segurança, e não só, instaram Israel a que o levantasse. Tem o propósito – como declararam os funcionários israelitas – de manter o povo de Gaza num nível mínimo de existência. Não querem matá-los todos porque não seria bem visto pela opinião internacional. Como eles dizem, “mantê-los em dieta”.

Civis em fuga dos bombardeios de Israel

Esta justificação começou pouco depois da retirada oficial israelita. Houve umas eleições em Janeiro de 2006 – as únicas eleições livres em todo o mundo árabe – cuidadosamente monitorizadas e reconhecidas como livres, mas tiveram um defeito. Ganharam os que não deviam ganhar. Ou seja, o Hamas, os que Israel e os EUA não queriam. Rapidamente, em muito poucos dias, os EUA e Israel impuseram duras medidas para castigar o povo de Gaza por ter votado mal em eleições livres. O passo seguinte foi que eles – os EUA e Israel – trataram, em colaboração com a Autoridade Palestina, de provocar um golpe militar em Gaza para derrubar o governo eleito. Fracassou. O Hamas derrotou a tentativa de golpe. Foi em Julho de 2007. Então endureceram consideravelmente o assédio. Entretanto ocorreram numerosos atos de violência, bombardeios, invasões, etc.

Mas basicamente Israel afirma que, quando se estabeleceu a trégua no verão de 2008, o motivo por que Israel não a observou, retirando o cerco, foi o fato de um soldado israelita – Gilad Shalit – ter sido capturado na fronteira. Os comentaristas internacionais consideram isso um crime terrível. Bem, pode-se pensar o que for, a captura de um soldado de um exército atacante – e o exército estava atacando Gaza – não chega aos calcanhares do crime que é sequestrar civis. Precisamente na véspera da captura de Gilal Shalit na fronteira, as tropas israelitas tinham entrado em Gaza, sequestraram dois civis – os irmãos Muammar – e levaram-nos para o outro lado da fronteira. Desapareceram algures no sistema carcerário de Israel, onde centenas de pessoas, talvez mil, são detidas sem acusação por vezes durante anos. Também há prisões secretas. Não sabemos a que se passa nelas. Isto é, por si só, um crime muito pior do que o sequestro de Shalit. De fato, poder-se-ia argumentar que houve uma razão para se ter silenciado o fato. Israel, durante anos, de fato durante décadas, tem vindo a comportar-se assim: raptos, capturas de pessoas, sequestros de barcos, assassinatos, levar gente para Israel por vezes como reféns durante anos e anos. De modo que isso é uma prática habitual; Israel pode fazer o que entende. Mas a reacção, aqui e no resto do mundo, ao sequestro de Shalit – que não é um sequestro, não se sequestra um soldado, mas captura-se – é considerá-lo um crime horrendo e uma justificação para manter o cerco e assassinar… uma desgraça.

AG: Então temos a Anistia Internacional, a Oxfam, a Save The Children e outras dezoito organizações de ajuda a instarem Israel para que levante, sem condições, o bloqueio a Gaza. E a WikiLeaks publica um telegrama diplomático estadunidense – transmitido ao Guardian pela WikiLeaks – que conta: “Diretiva nacional de recolha de informações humanas: Pede-se ao pessoal dos EUA que obtenha pormenores de planos de viagem, como itinerários e veículos utilizados por dirigentes da Autoridade Palestina e membros do Hamas”. O telegrama pede: “Informação biográfica, financeira, biométrica de dirigentes e representantes mais importantes da A.P. e do Hamas, incluindo a Jovem Guarda, dentro de Gaza e da Cisjordânia, e fora”, diz.

NC: Isso não deveria ser uma surpresa. Contrariamente à imagem que é projetada neste país, os EUA não são um intermediário honesto. São participantes, e participantes diretos e cruciais, nos crimes israelitas, tanto na Cisjordânia como em Gaza. O ataque a Gaza foi um caso claro: utilizaram armas estadunidenses, os EUA bloquearam as tentativas de cessar-fogo e deram apoio diplomático. O mesmo vale para os crimes diários na Cisjordânia, e não devemos esquecê-los. Na realidade, a [ONG] Save The Children informou que na área C – a parte da Cisjordânia controlada por Israel – as condições são piores do que em Gaza. Também isto acontece porque há um apoio crucial e decisivo dos EUA, tanto no plano militar como no econômico; e também ideológico – o que tem a ver com a distorção da situação, como acontece também, dramaticamente, com os telegramas.

O próprio cerco é, em si mesmo, simplesmente criminoso. Não somente bloqueia a ajuda desesperadamente necessária como, além disso, afasta os palestinos da fronteira. Gaza é um local pequeno e superpovoado. E os tiros e os ataques israelitas afastam os palestinos do território árabe junto da fronteira e também impõe aos pescadores de Gaza o limite das águas territoriais. São forçados por canhoneiras israelitas – é tudo o mesmo, claro está – a pescar junto à costa onde a pesca é quase impossível porque Israel destruiu os sistemas elétricos e de saneamento e a contaminação é terrível. É apenas um estrangulamento para castigar as pessoas por estarem ali e por insistirem em votar “mal”. Israel decidiu: “Não queremos mais isto. Livremo-nos deles.”

Acordo de Oslo - descumprido por Israel

Também deveríamos lembrar que a política israelo-estadunidense – desde Oslo, desde o começo dos anos 1990 – foi separar Gaza da Cisjordânia. É uma violação direta dos acordos de Oslo, mas foi sendo implementada sistematicamente e teve muitas consequências. Significa que quase metade da população palestina ficaria à margem de qualquer possível acordo político a que se pudesse chegar. Também significa que a Palestina perde o seu acesso ao mundo exterior. Gaza deveria ter aeroportos e portos marítimos. Até agora Israel apoderou-se de cerca de 40% do território da Cisjordânia. As últimas ofertas de Obama oferecem-lhe ainda mais, e certamente os israelitas planeiam apoderar-se de mais. O que resta são pedaços de território cercados. É o que o planificador Ariel Sharon chamou bantustões. E estão também na prisão, enquanto Israel se apodera do Vale do Jordão e expulsa os palestinos. Todos esses são crimes de uma só peça. O cerco de Gaza é particularmente grotesco, dadas as condições de vida a que obriga as pessoas. Quero dizer, se uma pessoa jovem em Gaza – estudante em Gaza, por exemplo – quer estudar numa universidade da Cisjordânia, não pode fazê-lo. Se uma pessoa de Gaza precisa de um estágio ou de um tratamento médico sofisticado num hospital de Jerusalém Oriental, não pode lá ir! E não deixam passar os medicamentos. É um crime escandaloso, tudo isso.

AG: Na sua opinião, que deveriam fazer os EUA neste caso?

NC: Aquilo que os EUA deveriam fazer é muito simples: deveriam unir-se ao mundo. Quero dizer que supostamente existem negociações. Tal como são apresentadas aqui, o quadro tipicamente traçado é de que os EUA são um intermediário honesto que procura unir os opositores recalcitrantes – Israel e Autoridade Palestina. Isso não passa de uma farsa.

Se houvesse negociações sérias, seriam organizadas por uma parte neutral e os EUA e Israel estariam de um lado e o mundo estaria do outro. Não é um exagero. Não deveria ser segredo que desde há muito tempo existe um consenso internacional completo para uma solução diplomática, política. Todos conhecem as linhas básicas. Alguns detalhes, sim, poderão ser discutidos. [Nesse consenso] incluem-se todos, exceto os EUA e Israel. Os EUA têm vivido a bloquear a solução ao longo de 35 anos, com derivas ocasionais, e breves. [Esse consenso] inclui a Liga Árabe. Inclui a Organização dos Estados Islâmicos, que inclui o Irã. Inclui todos os protagonistas relevantes com exceção dos EUA e de Israel, os dois Estados que o recusam. De modo que, se houvesse alguma vez negociações sérias, é assim que seriam organizadas. As negociações que há chegam apenas ao nível da comédia. O tópico que está a ser discutido é uma nota de rodapé, uma questão menor: a expansão das colônias. Claro que é ilegal. De fato, tudo o que Israel está fazendo em Gaza e na Cisjordânia é ilegal. Nem sequer tem sido polêmico, desde 1967 (…)

Sarah Palin

AG: Quero ler-lhe agora a mensagem-twitter de Sarah Palin – a ex-governadora do Alaska, claro, e candidata republicana à vicepresidência. É o que ela colocou no twitter sobre a WikiLeaks. Retifico, foi colocado no Facebook. Ela diz: “Primeiro, e antes de mais, que passos foram dados para impedir que o diretor da WikiLeaks, Julian Assange, distribuísse esse material confidencial altamente delicado, sobretudo depois de ele já ter publicado material, não uma vez mas duas, nos meses anteriores? Assange não é um jornalista, é-o tanto como um editor da nova revista da al-Qaeda em inglês “Inspire”. É um agente anti-EUA que tem sangue nas mãos. A sua anterior publicação de documentos classificados revelou aos talibãs a identidade de mais de 100 das nossas fontes afegãs. Porque não persegui-lo com a mesma urgência com que perseguimos os dirigentes da al-Qaeda e dos talibãs?” Que lhe parece?

NC: É exatamente o que se esperaria de Sarah Palin. Não sei o que ela entende ou não, mas acho que devemos dar atenção ao que nos dizem as revelações [da WikiLeaks]… Talvez a revelação, ou referência, mais dramática seja o ódio amargo à democracia revelado tanto pelo governo dos EUA – Hillary Clinton e outros – como pelo corpo diplomático. Dizer ao mundo – bem, de fato estão a falar lá entre eles – que o mundo árabe considera o Irã como a principal ameaça e que deseja que os EUA bombardeiem o Irã, é extremamente revelador, sabendo eles, como sabem, que cerca de 80% da opinião árabe considera os EUA e Israel como a maior ameaça, que 10% consideram o Irã como a maior ameaça, e que uma maioria de 57% pensa que a região teria a ganhar se o Irã tivesse armas nucleares, que funcionariam como um dissuasor. Isso, eles nem sequer o referem. Tudo o que referem é apenas o que foi dito pelos ditadores árabes, os brutais ditadores árabes. Isso é que conta.

Não sabemos até que ponto é representativo do que dizem, porque ignoramos qual é o filtro. Mas isto não importa muito. O aspecto mais importante é que [para eles] a população é irrelevante. Só interessam as opiniões dos ditadores que apoiamos. Se nos apoiam, então eles são o mundo árabe. É um quadro bem revelador da mentalidade dos dirigentes políticos dos EUA e, pode-se presumir, da opinião das elites. A avaliar pelos comentários que têm aparecido aqui. E é também o modo como tem sido apresentado na imprensa. O que pensam os árabes, isso não interessa.

 

SEGUNDA PARTE>  eNTREVISTA

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Ou se trata seriamente a incitação ou haverá mais assassinatos

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23:33

 

por WikiLeaks [*]

Wikileaks apresentou hoje sentimentos de simpatia e condolências às vítimas do tiroteio de Tucson, bem como os melhores desejos quanto à recuperação da deputada Gabrielle Giffords. Giffords, democrata do 8º distrito do Arizona, foi o alvo de uma orgia de tiros num evento político de 8 de Janeiro no qual seis outras pessoas foram assassinadas.


Clarence Dupnik, sheriff de Tucson que dirige a investigação dos tiros sobre Gifford, afirmou que a "retórica vitriólica" destinada a "inflamar o público numa base diária ... tem impacto sobre as pessoas, a principiar especialmente por aquelas que têm personalidades desequilibradas". Dupnik também observou que responsáveis e personalidades dos media empenhadas em retórica violenta "têm de considerar que têm alguma responsabilidade quando ocorrem incidentes como este e com os que possam ocorrer no futuro".


A equipe e os colaboradores do WikiLeaks também tem sido alvo de retórica violenta sem precedentes por parte de personalidades eminentes dos media dos EUA, incluindo Sarah Palin, a qual instou a administração estado-unidense a "perseguir e capturar o chefe do WikiLeaks tal como o Taliban".

O conhecido político dos EUA Mike Huckabee, no fim de Novembro, apelou à execução do porta-voz do WikiLeaks, Julian Assange, no seu programa da Fox News; e um comentarista da Fox News, Bob Beckel, referindo-se a Assange, apelou publicamente a "disparar ilegalmente sobre o filho da puta". Rush Limbaugh, personalidade da rádio dos EUA, pressionou Roger Ailes , presidente da Fox News, a "Dar a ordem e [então] já não há Assange, garanto-lhes, e não haverá impressões digitais sobre isto", ao passo que o colunista Jeffery T. Kuhner, do Washington Times, intitulou a sua coluna como "Assassinato de Assange" acompanhada por uma foto de Julian Assange com um local de tiro assinalado, a pingar sangue e a legenda "PROCURADO MORTO OU VIVO" com a palavra "vivo" riscada.


John Hawkins de Townhall.com declarou: "Se Julian Assange leva um tiro na cabeça amanhã ou se o seu carro explodir quando ele virar a chave, que mensagem pensa você que enviaria acerca da divulgação de dados americanos sensíveis?".


Christina Whiton, num artigo de opinião da Fox News, apelou à violência contra os editores do WikiLeaks, dizendo que os EUA deveriam "designar o WikiLeaks e os seus responsáveis como combatentes inimigos, abrindo o caminho para acções não judiciais contra eles".


Julian Assange, porta-voz do WikiLeaks, declarou: "Nenhuma organização em qualquer parte do mundo é um advogado mais dedicado do livre discurso do que WikLekas mas quando políticos seniors e comentaristas dos media à procura de atenção apelam à morte de indivíduos ou grupos específicos eles deveriam ser acusados de incitação – ao assassínio. Aqueles que apelam a um acto de assassínio merecem parte tão significativa da culpa quanto aqueles que empunham uma arma e puxam o gatilho".


"WikiLeaks tem uma equipe muito jovem, voluntários e apoiantes na mesma vizinhança geográfica daqueles que difundem ou circulam estas incitações à morte. Também temos visto pessoas mentalmente instáveis viajarem dos EUA e outros países para outros locais. Consequentemente temos de nos empenhar em medidas de segurança extremas".


"Apelamos às autoridades dos EUA e outras a protegerem a regra da lei processando agressivamente estas e semelhantes incitações a matar. Um país civil com leis não pode ter membros eminentes da sociedade a apelarem constantemente ao assassínio e à morte de outros indivíduos ou grupos".


Mais exemplos: http://www.peopleokwithmurderingassange.com/

10/Janeiro/2011

O original encontra-se em http://uruknet.net/?p=m73783&hd=&size=1&l=e


Este comunicado de imprensa encontra-se em http://resistir.info/ .

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Carta de Cesare Battisti ao STF

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23:26

 

Brasília, 25 de fevereiro de 2009 (16h)

Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal

Gilmar Mendes - presidente
Cesar Peluso - vice-presidente
Celso de Mello
Marco Aurélio
Ellen Gracie
Carlos Britto
Joaquim Barbosa
Eros Grau
Ricardo Levandowski
Carmen Lúcia
Menezes Direito

Senhores Ministros,

Tomo a permissão de dirigir-me a Vossas Excelências com a convicção de que, pela primeira vez, terei oportunidade de ser ouvido plenamente pela alta corte deste país, inclusive para expor porque fui impedido, de exercer minha defesa de maneira adequada nas ocasiões anteriores em que fui julgado.

Quero dizer a verdade da minha história e esclarecer os episódios relacionados às terríveis acusações lançadas contra mim. Nunca tive a possibilidade na Itália, de defender-me. Nunca um juiz, ou um policial me fez uma só pergunta sobre os homicídios cometidos pelo grupo ao qual pertencia, os Proletários Armados pelo Comunismo, PAC. Nunca a justiça italiana ouviu meu testemunho. Nunca um juiz interrogou-me: "você matou?". Hoje, trinta anos depois pela primeira vez na minha vida, tenho a ocasião de explicar-me perante uma justiça, a justiça do Brasil. E creio sinceramente na seriedade e consciência desta justiça. Agradeço muito Vossas Excelências pela disposição, Senhores Ministros, de ouvir minha palavra.

Cresci numa família comunista muito militante. O meu pai e os meus irmãos arrastaram-me, muito jovem, para a ação política. Aos dez anos, meu pai já me levava para gritar slogans de revolta, na rua. Mas, aos 17 anos compreendi que o homem cujo retrato era afixado na nossa casa era Stalim, e lancei-o pela janela. Aquilo, abriu uma crise política com o meu pai, e deixei a minha família, para juntar-me à rua, com as centenas de milhares de pessoas que se revoltavam desde 1968 contra o binômio da política italiana: "Democrazia Cristiana - Partido Comunista Italiano, DC-PCI". Pertencia, então, a um grupo de jovens "autônomos" que vivia em uma comunidade. Eram militantes não armados. É mesmo verdade que para financiar nossa atividade militante, folhetos e etc., levantávamos recursos através de roubos. Para embelezar estes delitos, que foram extremamente numerosos nessa época na Itália, todos os jovens chamavam estas ações não de "roubos", mas de "reapropriações proletárias". E devo confessar que detestava estas ações simplesmente porque tinha medo. Este medo persistiu durante toda a minha ação militante, tema ao qual voltarei.
Foi devido a uma destas "reapropriações proletárias" que fui encarcerado pela primeira vez, mas que realmente devia-se à nossa vida de militantes sem dinheiro. Na prisão encontrei um homem mais idoso, Arrigo Cavallina, que pertencia a um grupo de luta armada, os PAC. Não gostava de sua personalidade, ao mesmo tempo fria e febril, mas impressionavam-me sua cultura e suas teorias revolucionárias - mesmo se não compreendia tudo o que ele dizia. Quando fui libertado em 1976, voltei à minha comunidade: havia se tornado um deserto. Certos companheiros tinham morrido, mortos pelos policiais nas manifestações. Os outros estavam devastados pela droga. Nessa época, grandes quantidades de droga barata foram distribuídas maciçamente em todas as grandes cidades para quebrar o movimento de revolta. Em seguida as entregas foram suspensas, e todos os jovens que tinham caído na armadilha da "heroína" tinham-se tornado fantasmas em estado de "necessidade", pensando apenas em encontrar droga, e não na ação política. Amedrontado por este espetáculo, fiz o grande erro da minha vida: tomei um comboio para Milão e entrei no grupo armado dos PAC. Sem compreender nessa época, que, lá também, caia numa armadilha fatal.

O chefe militar deste grupo era Pietro Mutti. Também era importante Arrigo Cavallina. Descrevi longamente a estranha personalidade de Pietro Mutti no livro que escrevi no Brasil durante a minha fuga: "Minha fuga sem fim". Este trabalhador tinha tido graves problemas com droga, e tinha saído disso graças à ação política. Isto fazia dele um fanático, uma verdadeira máquina de guerra. Apesar de seu caráter muito contido, tornamo-nos amigos. Mas Pietro Mutti supervisionava-me incessantemente, para ver se eu estava a "altura", e eu tentava sê-lo. Os PAC eram especializados sobre a ação social e a melhoria das condições prisionais. O grupo cometia regularmente ações de apropriações aos bancos, para assegurar o seu financiamento e também ações aos locais de "lavoro nero", trabalho sem carteira. Aquilo sim, eu fiz. Todo esse ativismo militante nunca o neguei. Pietro Mutti tinha sentido perfeitamente o meu medo, durante estas "ações obrigatórias", que eu sempre detestei. Estávamos armados - embora uma boa parte das armas não funcionasse. Temia sempre que um dos companheiros atirasse sobre o vigia do banco, se este vigia levantasse a mão com a sua arma. Havia desenvolvido uma técnica para evitar aquilo: lançava-me com as mãos nuas sobre o vigia e punha-o no solo de surpresa. Porque sabia que uma vez por terra, ninguém atiraria nele. Fiz aquilo numerosas vezes. Conto esta pequena história que pode parecer anedótica, para assegurar-lhes, Senhores Ministros, que não sou de maneira alguma "um homem sanguinário", como tem sido escrito incessantemente, mas ao contrário. Vossas Excelências podem também pedir a informação aos meus irmãos, Vicenzo e Domenico, como eu reagia quando era jovem e matavam um animal em nossa pequena exploração agrícola, mesmo que fosse um frango. Essa aversão ao sangue nunca diminui na vida de um homem. Pelo contrário, aumenta. E nunca matei e nem quis matar qualquer pessoa.

Quero deixar claro à Vossas Excelências o que sei sobre os quatro homicídios pelos quais fui acusado na minha ausência, sob alegações diversas. As acusações foram de que eu teria cometido os assassinatos de Santoro e Campagna, que eu teria sido cúmplice sobre o lugar no caso da morte de Sabbadin, e que teria organizado a ação que matou Torregiani, morto no mesmo dia de Sabbadin. Sabem, Senhores Ministros, que fui preso em 1979 com outros militantes clandestinos e que fui julgado na Itália durante o primeiro processo dos PAC, onde estava presente. Houve numerosos casos de tortura durante este processo, com suplício da água, mas eu mesmo não fui torturado. Nenhuma vez durante este processo fizeram-me uma só pergunta sobre os homicídios. Os policiais sabiam perfeitamente que não os tinha cometido. Por conseguinte, fui condenado em 1981 por "subversão contra a ordem do estado", o que era verdade e o que eu não negava no processo. Fui condenado a 13 anos e seis meses de prisão, porque naquela época as penalidades, de acordo com as novas leis de urgência, eram multiplicadas por três para os ativistas. Esse tempo foi depois reduzido para 12 anos.

O meu processo, único e verdadeiro processo ao qual tive direito na Itália, foi concluído. Estava numa das "prisões especiais" que tinham sido construídas para nós, chamados de "terroristas". Como prova de que a justiça italiana reconhecia aquela época a minha inocência quanto às acusações de homicídio, fui transferido para uma prisão para "aqueles cujos atos não causaram a morte". Mas o procurador Armando Spataro, que chefiava o esquema de torturas pela região de Milão, continuava a se incomodar comigo e bloqueou a minha correspondência com a minha família. Soube com três meses de atraso por uma visita da minha irmã, que o meu irmão Giorgio tinha morrido, num acidente de trabalho. O choque para mim foi imenso. Aquilo, e o fato de que, a cada dia, no passeio, prisioneiros desapareciam sem razão, para seguidamente retornar meses após embrutecidos e mudos, ou não retornavam, fez-me tomar consciência de que as leis não seriam nunca normais para nós. Por causa disso, e apenas por isso, tomei a decisão de fugir. E não para "fugir da justiça" dado que o meu processo estava terminado. Evadi-me em quatro de outubro de 1981, e deixei folhas em branco assinadas, aos meus antigos companheiros, para o caso de processo por minha evasão. Fui para a França. Antes de ir, em 1982, ao México. E porque ignorava completamente que a justiça italiana movia um novo processo contra os PAC, este famoso processo na minha ausência onde fui condenado à prisão perpétua sem luz solar. Fiquei sabendo disso com estupefação, quando retornei à França, mesma data em que soube do falecimento de meu pai há dois anos atrás. Tal fato, a perda de meu pai, foi mais relevante que qualquer decisão da justiça, pois pensei que nenhum juiz consciencioso poderia considerar com seriedade um processo como esse.

Devo recomeçar a minha história em 1978 quando era ainda membro dos PAC. Desculpe-me, por favor, por me prolongar Senhores Ministros, mas é a primeira vez, repito-o, que posso explicar-me na frente de uma justiça digna deste nome e desejo dizer à Vossas Excelências tudo o que sei. Em maio de 1978, eu soube, como todos os italianos e o mundo inteiro do sequestro e assassinato de Aldo Moro pelas brigadas vermelhas. Olhava horrorizado esta imagem da mala do automóvel, um KL - na televisão, e posso dizer que esse dia tornou-me outro homem. Há na minha vida "antes de Aldo Moro" e "após Aldo Moro". Nesse dia eu senti duas coisas: o horror que me inspirava aquele ato, a náusea na frente de todo aquele sangue vertido por todos os lados. Compreendi também que o uso das armas era uma armadilha, na qual a extrema esquerda tinha caído. Decidi nesse dia romper com a luta armada, definitivamente. Em toda a Itália, a morte de Aldo Moro suscitou enormes discussões em todos os grupos armados. No que respeita aos PAC, decidimos por uma nova palavra de ordem, segundo a qual estaríamos armados para defender-nos, mas nunca para atacar pessoas. Estupidamente fiquei tranquilizado por esta decisão, votada pela maioria. Mas um mês depois, em junho de 1978, um grupo autônomo dos PAC, dirigido por Arrigo Cavallina e chefiado por Pietro Mutti, sem consultar a totalidade dos membros responsáveis, matou o chefe dos agentes penitenciários, Santoro. Houve imediatamente uma reunião, muito agitada. Pietro Mutti e Arrigo Cavallina defenderam esse homicídio com grande vigor. Nesse mesmo dia deixei o grupo, como uma boa parte dos membros antigos que se opunham a todo ataque contra pessoas. Pietro Mutti ficou furioso contra mim, considerava que o trai.

Juntei-me, então, ao que era chamado "um coletivo de grupos territoriais". Também armados mas não ofensivos. Vivia com muitos outros clandestinos num velho prédio de Milão. Sabiamos quase tudo o que se passava e se dizia na cidade e é assim que, no inicio do ano de 1979, soubemos que os PAC preparavam ação contra homens de extrema direita que praticavam autodefesa, que andavam sempre armados (espécie de milicianos). Eu não sabia quem era a pessoa visada, e não sabia que, realmente, os PAC tinham decidido matar dois desses justiceiros de extrema direita, Torregiani em Milão e Sabbadin na região de Veneza. Eu quis impedir esses atos, sangrentos, estúpidos e contraproducentes para a resistência. Um verdadeiro suicídio político, posto que indefensável. Pedi autorização, em nome do "grupo territorial", para participar de uma reunião dos PAC, na casa de Pietro Mutti. Cheguei com dois outros companheiros. Havia lá muitos membros novos que eu não conhecia, e que tinham substituído as nossas partidas do ano procedente. Expliquei a Pietro Mutti e aos outros a estupidez e a loucura do seu projeto. Muito rapidamente a reunião caminhou mal, e o tom se tornou muito elevado. Os membros dos PAC disseram-me que eu não tinha mais direito de dar o meu parecer dado que não pertencia mais ao grupo e a reunião terminou sob forte tensão. Eu não sabia quem devia ser morto. Cerca de um mês depois, ou menos, soube pelos jornais que Torregiani tinha sido assassinado e que durante o ataque uma bala do revólver de Torregiani tinha atingido o seu próprio jovem filho Alberto. Recordo que fiquei gelado na calçada ao ver o jornal. Soube também que um outro membro da milícia havia sido morto no mesmo dia na região de Veneza, Sabbadin. Fiquei chocado e também envergonhado, muito perturbado, porque eu tinha pertencido a esse grupo, que se tornou assassino.

E dois meses após, em abril - mas não recordo da data - um policial de Digos, Campagna, foi morto também. O senador Suplicy interrogou-me para saber se tinha álibis às datas destes homicídios. Mas penso que podem compreender, Senhores Ministros, que, até mesmo por não os ter cometido, sou incapaz de recordar das datas desses crimes. Além disso, vivíamos escondidos nos apartamentos, e os dias eram vazios, intermináveis e muito semelhantes. É-me impossível recordar 30 anos depois, onde estava naquelas datas, certamente no apartamento, que praticamente nunca deixávamos.

Seguidamente no verão houve uma grande operação no norte da Itália e fui preso com todos os ocupantes do prédio. Sim, é exato que havia armas no lugar, mas a própria justiça italiana estabeleceu, por uma avaliação de balística, que eram virgens, que nenhuma delas nunca tinha sido usada para dar um único tiro.

Muitos dos fatos que conto agora não os vivi, dado que estava no México. Soube deles, em 1990, na França, quando fui informado do conteúdo do segundo processo que começou com a detenção de Pietro Mutti em 1982. Soube, na França, que Pietro Mutti tinha sido torturado e tinha se constituído "arrependido", que aceitava colaborar com a justiça italiana em troca de sua liberdade e uma nova identidade. Soube de que ele estava sendo acusado, com base em inquéritos policiais, de ser o atirador sobre Santoro e que acusou-me no seu lugar. Durante esse longo processo, Pietro Mutti fez tantas acusações que muito frequentemente ficou atrapalhado em suas declarações impossíveis ou contraditórias. Por exemplo, para salvar a sua namorada, acusou outra mulher, Spina, de ser cúmplice no atentado contra Santoro. Mas em 1993, a justiça foi obrigada a reconhecer a inocência da Spina, e libertá-la. Não tenho os documentos comigo, e devo dizer que a escritora e pesquisadora francesa Fred Vargas conhece muito melhor o meu processo do que eu mesmo. Mas sei que, em 1993, segundo creio, a própria justiça percebeu, por seus atos e suas palavras, que Pietro Mutti era "habituado aos jogos de prestidigitação" e que, frequentemente, dava o nome de uma pessoa em lugar de outra. A parte a tortura, a única desculpa que se pode dar a Pietro Mutti, por ter-se sujeitado a fazer as suas terríveis e falsas acusações é que seguia uma regra: proteger os acusados presentes, lançando a culpa sobre os ombros dos ausentes. Como quando acusou Spina até que se reconheceu a sua inocência em 1993.

Mutti não foi o único arrependido acusador. Quero explicar aos Senhores Ministros que, nessa época, durante os processos nos anos de chumbo, o sistema das torturas e dos "arrependidos" foi utilizado correntemente (ver relatório de Anistia Internacional e da Comissão Européia) e com uma intensidade específica pelo procurador Spataro. Sabíamos todos que era terrível a ver Spataro como procurador. O sistema dos "arrependidos" não funcionava sobre o único testemunho de um só homem. Era necessário obter outros "testemunhos" de arrependidos de modo que a acusação fosse "confirmada" e parecesse sólida. Houve por conseguinte outros membros dos PAC que me acusaram, juntamente com Pietro Mutti, como Memeo, Masala, Barbetta, etc.. Todos eram arrependidos ou "dissociados", e todos ganharam reduções de pena ou liberdade imediata, ou evitaram a prisão perpétua. Assim, por exemplo, Memeo, o que matou Torregiani e Campagna, Cavallina o "ideólogo" dos grupos dos duros, Fatone, Grimaldi, Masala, que fizeram parte do comando contra Torregiani, Diego Giacomini que executou Sabbadin. Todos estes obtiveram sua liberdade em troca da confirmação de Pietro Mutti,

No que respeita à morte de Santoro, já contei da reunião que se seguiu e que decidiu a minha saída do grupo. Sei apenas que Arrigo Cavallina e Pietro Mutti defenderam ardentemente esse crime durante aquela reunião e que a polícia os acusava de tê-lo cometido.

Não pertencia mais ao grupo quando foram cometidos os três outros assassinatos, por conseguinte os meus conhecimentos precisos estão limitados. Mas a mídia que me acusa incessantemente de, voluntariamente, ter "atirado sobre Torregiani" e, mesmo, de ter "atirado sobre o seu filho", sabe efetivamente que isso é totalmente falso. A justiça italiana reconheceu que os quatro homens do comando eram Grimaldi, Fatone, Masala e Memeo, que atirou sobre o joalheiro. E foi também a justiça que confirmou que a bala que feriu o filho Alberto vinha do revólver de seu pai. Creio que no inicio Mutti acusou-me desse crime. Mas como acusava-me também do homicídio de Sabbadin, cometido no mesmo dia a centenas de quilômetros, disse que eu era o "organizador". Expus já o que se passou na reunião quando tentei impedir esta ação. Quanto a Sabbadin, Giacomini "sub-chefe para a região de Veneza" confessou ter atirado sobre ele. Como Mutti primeiro tinha dado o meu nome como "atirador" transformou-me, após as confissões de Giacomini, em motorista, do lado de fora. Só que nem assim funcionou, pois resultou posteriormente que o "motorista" era uma mulher. Senhores Ministros nem mesmo sei onde é esta aldeia onde foi morto Sabbadin.

Por último, sei que Mutti acusou-me ainda de ter atirado sobre Campagna. À época, nada soube sobre a preparação desse crime, não mais que sobre o de Sabbadin. O que sei é que uma testemunha ocular descreveu o agressor como um homem muito grande, de 1,90 metros, enquanto em meço 20 centímetros menos. O resto a escritora e pesquisadora Fred Vargas explicou-me: a balística provou que a bala vinha da arma de Memeo, o que atirou sobre Torregiani. E que uma testemunha diz que tinha acreditado entender, pelas palavras de Memeo, que ele que tinha atirado. Mas esta testemunha é talvez um arrependido e não tenho certeza sobre o responsável pela morte de Campagna.

Não sou responsável por nenhum dos homicídios de que sou acusado, Senhores Ministros. Constantemente fui utilizado no processo como um bode espiatório, por arrependidos. A melhor prova de que digo a verdade é que falsos mandatos foram fabricados, como a perícia grafotécnica comprovou, de modo que os advogados Gabrieli Fuga e Giuseppe Pelazza "representaram-me" no processo na minha ausência. Por quê? Certamente não para defender-me, certamente não para o meu bem, dado que fui condenado à prisão perpétua com privação de luz solar. Mas certamente para tornar a acusação contra mim mais aceitável e criar cenário favorável para uma pena mais rigorosa. Até muito tempo depois da simulação de julgamento eu não sabia que existiam falsas procurações. Esta descoberta devo-a à Fred Vargas e à minha advogada francesa Elisabeth Maisondieu Camus. Foi Fred Vargas que me deu a informação, quando foi visitar-me na prisão em 2007, em Brasília. Um antigo companheiro (quem? Pietro Mutti?, Bergamini?) deu aos advogados as folhas brancas que tinha assinado em 1981, antes de minha fuga. Duas destas folhas foram preenchidas depois em 1982, com "minha letra aparentemente". Fred Vargas, explicou-me que o mesmo texto o do verdadeiro mandato que assinei em 1979 foi copiado duas vezes, e que os dois textos estão sobrepostos por transparência, enquanto que foram escritos com dois meses de intervalo, "datados" de maio e julho de 1982. Uma pericia francesa provou, em janeiro de 2005, que as três assinaturas, dos três mandatos foram efetuadas no mesmo momento e que, por exemplo, o texto do mandato de 1990, supostamente enviado do México (mas o envelope não existe). Foi datilografado acima da minha assinatura de nove anos atrás. A perícia provou também que as datas não foram escritas por minha mão, assim como também o escrito nos envelopes dos dois primeiros "mandatos".

Quando os meus advogados franceses souberam disso, comunicaram imediatamente, em janeiro de 2005, ao Conselho de Estado Francês. Assim procederam porque a França não tem o direito de extraditar um condenado em ausência que não foi informado de seu processo. Esses três falsos mandatos provavam que eu não havia sido informado (se sim, teria escrito os mandatos eu mesmo). Muito infelizmente, o Conselho de Estado, submetendo-se à vontade do presidente Jacques Chirac, recusou-se a examinar a falsidade dos mandatos. Aceitaram a extradição afirmando que "tinha sido informado e representado como se os mandatos fossem verdadeiros". Em seguida os meus advogados franceses apresentaram a comprovação dos três falsos documentos à Corte Européia, mas lá também foi inútil, pois, certamente por interferência do governo francês, como esclareço em seguida, a Corte Européia fechou os olhos, ignorou a prova pericial e disse que os mandatos eram verdadeiros. O meu advogado francês Eric Turcon informou-me em Brasília que essa "Corte Européia" tinha sido constituída exclusivamente por magistrados franceses, muito vinculados a Jacques Chirac. Este único fato, Senhores Ministros, prova que meu processo italiano foi viciado, sendo esse, um dos elementos que o Ministro Tarso Genro reconheceu. E que a aprovação da extradição pelas três Cortes francesas, e em seguida pela Corte Européia, foi sempre fundada sobre a existência daquelas procurações que são absolutamente falsas, o que fica evidente num exame a olho nu. Por que essas Cortes, informadas das falsidades desses documentos, se recusaram a considerar este ponto da mais alta relevância?

O Secretário Nacional de Justiça do Brasil, Romeu Tuma Jr., por solicitação do Ministro da Justiça Tarso Genro, teve a oportunidade de examinar detalhadamente os documentos apresentados pela historiadora e arqueóloga Fred Vargas, em diálogo de duas horas, em companhia do senador Eduardo Suplicy, documentos nos quais se evidencia que houve a falsificação das procurações, conforme a análise técnica com reconhecimento oficial, feita pela responsável por estudos de grafologia na França, senhora Evelyn Marganne. Será muito importante que Vossas Excelências também possam examinar com atenção estas provas, que muito contribuíram para fundamentar o que foi expresso na decisão do Ministro Tarso Genro. Por esse motivo anexo aqui os documentos levados pela pesquisadora Fred Vargas ao Dr. Romeu Tuma Jr. e encaminhados ao Ministro Tarso Genro pois eles mostram a evidência da falsificação das procurações e apóiam as explicações detalhadas das folhas nas conclusões da Justiça italiana a meu respeito.

Assinalo que todas as testemunhas arroladas que contaram que eu teria participado dos quatro assassinatos foram beneficiarias pela "delação premiada" com consequente diminuição de suas penas e/ou de sua libertação. O senhor Walter Fanganiello Maierovitch afirma em seus artigos que a justiça italiana não aceita o depoimento de um "arrependido" que use da delação premiada, se por ventura não falar a verdade. Entretanto, a própria justiça italiana não invalidou a denuncia contra mim feita por Pietro Mutti apesar das contradições acima assinaladas. Observo também que na entrevista dada por Pietro Mutti à Revista Panorama, na qual se baseou a "Revista Veja" para concluir que eu era culpado dos quatro assassinatos, diferentemente do que se deu a entender não há foto recente de Pietro Mutti. A foto lá mostrada é do tempo em que nós convivíamos e suas palavras são exatamente as mesmas que pronunciou à época da denúncia. De minha parte estou disposto a confirmar pessoalmente, perante Vossas Excelências, tudo o que estou dizendo. Assim como estou disposto a afirmar aos familiares das quatro vítimas, olho no olho, que não matei seus entes queridos. Sei que a justiça do Brasil tomará em consideração todos os elementos que, postos juntos, provam a minha inocência e a maneira tremenda como fui utilizado como bode expiatório durante esse processo tão cheio de falhas na Itália. A cólera desproporcionada de alguns setores da Itália decorre, em grande parte, do fato que não querem ou não lhe convém, reconhecer que o meu processo foi totalmente falseado, como tantos outros desse mesmo período (houve 4.700 processos contra a extrema esquerda durante os anos de chumbo).

Espero, Senhores Ministros, que me tenham entendido, apesar do ataque irracional e desmedido de setores muito influentes de um país - a Itália - contra mim. Sobre a minha vida e sobre a minha honra, posso afirmar que lutei sempre contra as ofensas físicas durante a revolta italiana, e que nunca atentei contra a vida das pessoas. Essa é a verdade, que nenhuma prova contrariou.

Solicito à Vossas Excelências, Senhores Ministros, receber as expressões de meu respeito e da mais elevada consideração.

Cesare Battisti

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Líquido pensamento indepedente de mim

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13:44

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Fora de mim a chuva,
escupindo as certezas com frágeis constelações que se chocam com o concreto, espatifando os olhos da eternidade…
Fora de mim...a chuva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

João Leno Lima

10-01-2011

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