Homens e Mulheres Touch Screen

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14:17

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Por | Andrey Tasso

Se pararmos um pouco para olhar para o lado, muito provavelmente, vamos encontrar. Estão de cabeça baixa, olhos fixos sobre a tela sensível, até mais que eles mesmos. Ou debruçados sobre os teclados, não de algum mágico piano, para longas e enigmáticas conversas onipresentes. Não são todos logicamente, nem todo mundo tem condições de desembolsar uma pequena fortuna para acompanhar a dinâmica tecnologia. Alguns resistem, outros roubam até, para ter. Outros berram “minha vida estava lá!”

Enquanto eles se misturam pela realidade virtual irreparável a paisagem os convida a contemplação. Perto dali é possível enxergar as crianças fugindo das mãos acolhedores de suas mães e partido em corridas mais extensas que a distância entre as galáxias, mas que duram apenas algumas calçadas. Ao lado, o senhor de idade caminha olhando para todos as direções após sair do banco, precisa comprar os remédios que o manterá vivo por mais alguns séculos. Cães esperam a passagem dos caros confiando em nossas percepções de segurança e esses carros parecem mais psicopatas enlatados dirigidos por ciborgues apocalípticos. Pássaros riem, mulheres mexem nos cabelos milhões de vezes por segundo. Homens da construção civil uivam mais que lobos cortejando sua futura caça e esta acuada e desejada passa em frações de segundos. Um casal briga no aglomerado da feira coberta e um avisa o outro para não esbarrar na mulher grávida que espera o filho para outro milênio. O Mundo não para, é óbvio, talvez quem tenha parado somos nós.

Publicitários e afins exaltam seu poder psíquico. Sua elementar influência comportamental, psicologia barata, cara aos bolsos do proletariado. A cada nova invenção, entre elas, redes sociais (algumas até prometem agora, financia o usuário!), mensagens decodificadas nas telas ocultas, diálogos impossíveis à quilômetros da realidade. Guy Debord deve estar dando verdadeiras gargalhas em nossas faces gélidas, derretidas pelo wi-fi, um verdadeiro super-herói futurista, oculto mas necessário. Eric Arthur Blair deve estar tomando seu café enquanto escreve os dramáticos anos de nossa história moderna e patética. Onde estão os jovens pensadores, ele me perguntaria. Responderia que eles estão pendurados em seus aparelhos como um inseto seduzido pela lâmpada mágica do novo milênio, inclusive eu, respondo confessadamente.

Agora mesmo, estamos submersos nas barbas de alguma Microsoft da vida, fazendo algum download de algum livro que jamais procuramos em alguma rara livraria esquecida nos becos da grande cidade. Descarregando músicas pelas entrelinhas anônimas, lutando contra vírus metálicos e limpando as lixeiras do destino. Velozes, nosso olhar percorre as barras rumo ao infinito, nossos sorrisos preparam a próxima postagem para se mostrar. Eles estão aqui, são crianças, mudas crianças que desconhecem as alegorias escondidas em algum quintal. Também são adolescentes, seus lábios são logo preparados para a próxima foto, o próximo tour pelos comentários, a próxima ida à academia e depois tudo isso novamente para logo depois tudo ser descartado e depois reprocessado à gosto da televisão e da próxima viral, moda. Música, estilo, estrangeirismos estilosos nas placas sedentas: Fitness, drive tour, Cupcake…Ostentação tupiniquim para abarrotar a caixa de curtidas e a fama para entre os amigos, admiradores, inimigas, até íntimas e uma olhada depois, antes de ir dormir, naquele site e saber se alguém comentou àquele desabafo que você deu, após um longo dia de trabalho ou dar aquele parabéns para o amigo, após receber um alerta programado no site.

O mundo virou uma pequena ilha. Estamos tão perto de pisar em marte mas tão longe de saber cuidar do nosso próprio jardim, o que faremos lá? Enjaulados pelo dinheiro, pelo mercado de trabalho cada vez mais exigente, reféns da cultura do descartável, amantes fies da lógica do mercado, como zumbis cibernéticos como disse o pensador Hakim Bey, marionetes da próxima onda, imitadores de gestos para sermos aceitos, fazermos parte da aldeia global, da mecânica da globalização, da felicidade pelo consumo, pelo ter e não pelo querer. Para no final das contas, tocarmos a vida como em uma tela sintética, fina, jamais de fato, jamais realmente nas profundezas, jamais se conhecer, jamais apenas contemplar, pensar, simplesmente reinventar, recriar um novo, não um novo paradigma para ser espetaculazado, apenas a mais sincera inquietação do pensamento, do diálogo, do levantar a cabeça, olhar as nuvens, os arco-íris, as estrelas, o amor que pode estar ao lado, os animais, as crianças. Passar pela vida não como um usuário que digitou seu password e descortinou um perfil, passar pela vida para além de si mesmo, seja esta experiência o que for. Desconhecidamente sua, minha, nossa.

O tocar, uma das nossas experiência mais profundas.

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O Artista não veio para impedir uma guerra

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10:28

Por | João L

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Muito já se falou sobre um dos maiores artistas mexicanos, o ator Roberto Gómez Bolaños, criador de personagens que embalaram a infância de muitas gerações, onde a simplicidade dos gestos, que lembra muito o de artistas como  Charles Chaplin, encantou muitos ao ponto de causar grande comoção em vários países. Mas, a verdadeira relevância do artista está para além das piadas, está no olhar que ele deu para um dos países mais problemático da américa, o México.

Sofrendo com gravíssimas crises sociais, que inclui uma alarmante desigualdade e uma crescente violência, que consegue em alguns casos, superar a do Brasil, um país absurdamente violento. Em 1994 o país entrou para o NAFTA (Área de Livre Comércio da América do Norte) o que a princípio poderia parecer bom para o povo se mostrou pouco tempo depois um tiro no pé. Como o maior país de língua espanhola iria concorrer com Estados Unidos e Canadá, outros dois poderosos membros do grupo? a Revolta de Chiapas foi um dos pontos importantes nesses conflitos de interesses que isto se tornou. Mas nos últimos anos, tudo tem se agravado. Grandes cartéis de drogas tornaram as fronteiras mexicanas locais nebulosos. Com armas compradas ou não, nos grandes vizinhos. Outro fator grande é o desemprego e o baixo crescimento econômico.

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Quando apresentou na década de 70 seu personagem, talvez Bolaños não acreditasse que chegaria tão longe, por tantos anos à tantos países. Retratando a simplicidade de uma vila, as frágeis relações humanas, os problemas financeiros e a pequena realidade desigual do povo, ela acabou conquistando muitos fãs. Talvez por encontrar no personagem, uma espelho de uma terrível realidade vivida pelo cidadão. Mas, Chespirito não tinha a intenção de ser nenhum revolucionário, Roberto Gómez nunca foi um grande ativista das causas mexicanas, sempre permaneceu em sua real dimensão, um artista. Como os artistas mexicanos, como o  grande escritor Octavio Paz ou Frida Kahlo por exemplo.

E é neste contexto que o papel do artista se releva necessário e onde fica sua verdadeira significância. Claro, nada impede que um artista saia às ruas e proteste contra o governo e as mazelas sociais mas ele não deixará de ser menos artista se o não fizer. Para Nietzsche a arte existe para que a realidade não nos destrua, seu papel não é de exatamente mudar o mundo, impedir as tragédias entre os homens – sabe-se que Hitler tinha a obra completa de Shakespeare em sua biblioteca pessoal – Como disse o poeta Roberto Piva: Baudelaire, o Artaud, o Gottfried Benn e o Georg Trakl não impediram Auschwitz. Mas poderiam?

A comoção e a tristeza em torno da morte de Roberto Gómez é válida e sincera em muitos casos. Claro, prato cheio para que a mídia sensacionalista ou a “sociedade do espetáculo” surfar e muitos vão nessa onda, fala-se até na divisão da herança e dos direitos sobre os personagens criados por ele. Aqui no Brasil nos habituamos a encontrar o “Chaves” todas as tardes na emissora do Sílvio Santos, lá é um dos programas de maior audiência de uma TV que tem seu público fiel apesar de ter uma programação por vezes, sofrível. Uma parte da nossa geração cresceu rindo das piadas e tiradas atemporais do garoto que mora num barril, que é absurdamente sua casa, muitos aqui no Brasil só têm um papelão para se cobrir do frio, é a arte imitando a vida.

Roberto Gómez Bolaños se foi, a arte criada com Chespirito ainda deve embalar e fazer rir muitas gerações. Seu papel foi de encantar, fazer sonhar, contar uma dramática realidade de um problemático país com bom humor e sensibilidade, mas não o impediu este lugar de ser tão desigual, tão cheio de contrastes. Ter assistido suas belas criações como ator não evitou que toda uma geração se perdesse. Definitivamente, o artista não veio para impedir uma guerra mas a arte de traduzir a realidade, seja ela qual for, é um dos seus mais nobres papeis.

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A ‘Poesia em Pânico’ de Murilo Mendes

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11:16

Por | João L

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A poesia brasileira ganhou, mais ainda, altos patamares no século XX, com um dos seus maiores representantes: Murilo Mendes. Nascido em Juiz de Fora, foi ao lado de Manuel Bandeira e/ou Carlos Drummond, um dos oásis da poesia moderna tupiniquim.   De escrita por vezes abstrata, por vezes de um surrealismo, quase, religioso, base de sua iniciação ao catolicismo, sob a batuta do artista plástico Ismael Nery, que morreria  anos antes do lançamento do livro, causando enorme impacto na fé e na poesia de Mendes e seu olhar-sensações sobre os eventos do mundo exterior.

Lançado em 1938, Poesia em Pânico, é uma experiência poético-celestial, onde o poeta, com forte influência cubista, desestrutura os versos para poder então, recria-lós em conformidade com a criação divina. Nas suas primeiras manifestações, sentimos a dimensão do encontro mágico “O espírito da poesia me arrebata” e sim, somos levados aos solavancos dos descaminhos do homem e seus obscuros paradigmas.

O visionariíssimo elegante do poeta mineiro se choca com o mundo e seus objetos em “O Exilado” e o pessimismo tão dramaticamente contemporâneo em “A Destruição”. Nas nuvens de anjos se precipitando no caos alvoroçantes das ruas do apocalipse, Murilo se revela desesperanço, sem ânimo para o amor nem para o ódio, uma neutralidade metafísica que o lança em monólogos exteriores onipresentes, como no verso “Eu sou meu companheiro no deserto” do poema ‘O Homem Invisível’ e assim vamos sendo apresentados a mais um referencial da poesia do mestre, a presença feminina.

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O pecado, o sedutor percurso do olhar da mulher que controla as ações do poeta além dos espaços em branco da inconsciência. “Mulher, o mais terrível e vivo espectro” O Mundo muriliando nas cordas bambas com Deus e com os demônios da mocidade. Um entrelaçamento descavernoso no âmago do destino. O colapso entre os contrários se ergue no fluxo entre Homem, a musa- igreja, Deus, ou seriam deuses repletos de imagens de si mesmo? Murilo avança nesse encontro contraditório, a mulher, como um ícone de um desejo que ele quase procura se afastar, mas tropeça em versos evidentemente reveladores, como no poema “O Primeiro Poeta” ou no poema “A Esfinge” onde temos talvez a grande síntese do pânico existencial de Murilo Mendes: Ó Deus / Eu nasci para ser decifrado por ti /Com um pé no limbo, o coração na estrela Vênus e a cabeça na Igreja.

O Poeta se acha num verdadeiro labirinto íntimo e controverso, ao tentar juntar os extremos divinos e de sua própria extremidade, Como um “Amante Invisível” do mundo exterior, como uma fotografia que procura enquadrar todos as nuances da atemporalidade, ele acaba se convertendo aos acontecimentos em toda a sua significância. Em Poesia em Pânico, Murilo Mendes busca reconciliar os acontecimentos da vã existência com os enigmas inconfessáveis do homem, suas ânsias quase, inadiáveis, seus pensamentos, quase, independes, suas musas e suas indomáveis e secretas mutações, que são, porque não, verdades da criação divina. Portanto, a verdadeira natureza das coisas, sempre teve, em todos os instantes, o aval divino.

O Livro, lançado pela Cooperativa Cultural Guanabara na década de trinta, é um verdadeiro clássico da poesia nacional. Sua obra completa acaba de ser relançada pela Cosac Naify sob a coordenação de Júlio Castañon Guimarães, Murilo Marcondes de Moura e do editor Milton Ohata. Ainda sem Poesia em Pânico, mas com outros grandes livros de um poeta ainda a ser redescoberto.

| Começo |

O espaço e o tempo
Hão de se desfazer no vestido da Grande noiva branca.
Serei finalmente decifrado, o estrangeiro da vida
descansará pela primeira vez no universo familiar.

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