NÃO-PIEDADE

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08:03

 

À Roberto Piva

 

Há um espaço que separa as mãos daquelas

que sentem a alma do outro.

vielas e corredores

por vezes abismos de cabeças pra baixo

com estrelas que sopradas bailam no ar.

Não há mistério nas crianças nem nas nuvens

Porque todas são pegadas de perfeição em si mesmas.

Lagrimo e crio o mar...

Grito e crio os ventos...

Calo-me e escrevo poemas...

Resta-me o mundo.

o mundo entre nossos dedos

Entrecortando a razão.

O universo respira nossas incertezas impiedosas...

 

 

 

 

04 de Julho 2010

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Roberto Piva - 1937/2010

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23:22

Adeus ao mestre eterno

 

O poeta Roberto Piva morreu ontem em São Paulo, aos 72 anos, com falência múltipla dos órgãos decorrente de insuficiência renal. Um câncer na próstata o havia levado ao Hospital das Clínicas, onde estava internado desde maio. O câncer atingiu os ossos.

Poeta de importância nacional, Piva nasceu em São Paulo, onde escreveu sua obra prima, a coleção de poemas Paranoia, publicada em 1963. Também foi uma voz dissonante nos meios artísticos da cidade, num tempo em que os escritores ainda se juntavam em grupos.

Ele fez parte de uma geração brilhante mas posteriormente marginalizada, com fortes influências dos poetas beats americanos. Apesar disso, Piva não era facilmente classificável.

O ministro da Cultura Juca Ferreira divulgou nota em que afirma: "Se a morte de um poeta é sempre uma tragédia, a morte de alguém como Piva é um imenso baque a mais, já que a energia que alimentava sua poesia era a exaltação da carnalidade. Essa sua energia enfrentou, nos anos 60 e 70, além da repressão, a estranheza que se voltava contra pregadores, como ele, de uma poética do desregramento. Piva assumiu a responsabilidade de expressar as nossas carências e delírios extremos".

O poeta foi cremado na manhã deste domingo.

 

 

A PIEDADE

 

Eu urrava nos poliedros da Justiça meu momento

abatido na extrema paliçada

os professores falavam da vontade de dominar e da

luta pela vida

as senhoras católicas são piedosas

os comunistas são piedosos

os comerciantes são piedosos

só eu não sou piedoso

se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria

aos sábados à noite

eu seria um bom filho meus colegas me chamariam

cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio

bóia? por que prego afunda?

eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as

estátuas de fortes dentaduras

iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos

pederastas ou barbudos

eu me universalizaria no senso comum e eles diriam

que tenho todas as virtudes

eu não sou piedoso

eu nunca poderei ser piedoso

meus olhos retinem e tingem-se de verde

Os arranha-céus de carniça se decompõem nos

pavimentosos adolescentes nas escolas bufam como cadelas

asfixiadas

arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através

dos meus sonhos

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