Carros para a elite Veículos eléctricos, o fetiche de Obama

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22:48

por Robert Bryce

Imagine um presidente americano que durante uma conferência de imprensa exaltasse a importância de carros fabricados pela Mercedes Benz ou pela BMW. A reacção, em particular na Fox New, é facilmente imaginada: ultrajados gritos de "elitista" e "insensibilidade" persistiriam durante dias ou mesmo meses após.
Isso, basicamente, foi exactamente o que fez o presidente Barack Obama quarta-feira última. Obama reconheceu o abalo colossal que os democratas tiveram nas eleições de 2 de Novembro e prosseguiu para discutir a necessidade de mais veículos totalmente eléctricos, dizendo em certa altura: "Há bastante acordo quanto à necessidade de assegurar que os carros eléctricos sejam desenvolvidos aqui nos Estados Unidos" .


Óptimo. Tanto a Mercedes como a BMW fabricam carros nos EUA. Mas aqui há dois pontos essenciais: Cada um destes fabricantes de automóveis controla aproximadamente a mesma percentagem do mercado interno de carros que os analistas da indústria automobilística acreditam que terão os carros eléctricos em 2020. Segundo, e talvez mais importante: as mesmas pessoas que compram Mercedes e BMWs – os ricos – são aquelas que mais provavelmente comprarão um novo carro eléctrico.
O fetichismo do veículo eléctrico reflecte muito da inanidade das nossas discussões acerca da energia. A ideia de que petróleo é mau e que devemos portanto lançar vastas somas de dinheiro em esforços destinados a alimentar a nossa frota automobilística com alguma outra coisa – qualquer coisa – ignora tanto as realidades económicas como a miríade de problemas inerentes aos veículos eléctricos (VEs).


Primeiro, as realidades económicas. No princípio deste ano, a Deloitte Consulting divulgou um relatório sobre VEs o qual revelava que a mais parte dos prováveis compradores são pessoas com rendimentos familiares "de mais de US$200 mil " e "que já possuem um ou mais veículos". Além disso, a Deloitte espera que tais compradores estarão "concentrados em torno da Califórnia do Sul onde o tempo e a infraestrutura facilitam a posse de VEs".
A Deloitte concluía que os EUA têm agora cerca de 1,3 milhão de consumidores que se "ajustam aos perfis demográficos e psicográficos" dos esperados compradores de VEs. E prosseguia dizendo que a adopção em massa dos VEs "será gradual" e que em 2020 talvez 2 por cento do mercado de carros dos EUA poderia estar receptivo aos VEs. O relatório também diz que as chaves para "a adopção em massa são 1) redução no preço; e 2) uma experiência de condução em que o VE seja equivalente ao motor de combustão interna".


Pense acerca destes números. Dos 300 milhões de americanos, talvez 1,3 milhão deles – com muitos dos quais a viverem em áreas em torno de Los Angeles e San Diego – seja provável que comprem um VE.


As projecções da Deloitte são exactamente as mesmas que avançou recentemente a Johnson Controls Inc, uma companhia que fabrica baterias para carros e está a construir duas novas fábricas a fim de abastecer o mercado do VE. No mês passado, o Wall Street Journal informava que a investigação da Johnson Controls "descobriu que o conjunto dos clientes dos EUA para os quais um carro eléctrico tem sentido financeiro – aqueles que viajam muitas milhas por ano, mas em viagens curtas – é muito pequeno, cerca de três por cento dos condutores ". Hummm. Três por cento dos condutores? Em 2009 e 2010, a Mercedes e a BMW, cada uma, controlavam cerca de 2 por cento do mercado automobilístico dos EUA .


Por que os VEs serão brinquedos para os ricos? A resposta é simples: a história dos VEs é um século de fracasso após fracasso. Considere esta citação: Em 1911, o New York Times declarou que o carro eléctrico "foi há muito reconhecido como a solução ideal" porque "é mais limpo e mais silencioso" e "muito mais económico" do que carros alimentados a gasolina.


Todas as vezes que ouvir acerca das maravilhas do novo Chevrolet Volt híbrido-eléctrico, o qual a US$41 mil por unidade custa o mesmo que o novo Mercedes-Benz C350 , considere esta avaliação de um repórter crédulo: "Os preços dos carros eléctricos continuarão a cair até estarem ao alcance da família média". Esta linha apareceu no Washington Post no Halloween, 1915.


E desde que o Volt está a ser construído pela GM, pondere esta pequena notícia declarando que aquele fabricante havia descoberto "um avanço revolucionários em baterias" que "agora tornam os carros eléctricos comercialmente práticos". As baterias proporcionarão a "autonomia de 100 milhas [161 km] que os executivos da General Motors acreditam ser necessária para vender com êxito veículos eléctricos para o público". Esse artigo foi publicado no Washington Post em 26 de Setembro de 1979.


O problema hoje é o mesmo de 1911, 1915 e 1979: a densidade de energia insignificante das baterias. Numa base gravimétrica, a gasolina tem 80 vezes a densidade de energia das melhores baterias de iões de lítio. Naturalmente, os apoiantes do carro eléctrico imediatamente retorquirão que os motores eléctricos são cerca de quatro vezes mais eficientes do que os motores de combustão interna. Mas mesmo com esta vantagem de quatro vezes em eficiência, a gasolina ainda terá 20 vezes a densidade de energia de baterias. E isso é uma vantagem essencial quando se trata de automóveis, em que peso, espaço de armazenagem, e naturalmente a autonomia, são considerações críticas.


Apesar da longa história de fracassos do automóvel inteiramente eléctrico, apesar do facto de que os VEs provavelmente serão apenas jóias nas garagens dos ricos, a administração Obama está a proporcionar mais de US$20 milhões de subsídios [NR] e isenções ficais para o desenvolvimento e a produção de carros que utilizam electricidade ao invés de refinados de petróleo.


Na verdade, a administração continua a desperdiçar dinheiro com VEs apesar de um relatório de Janeiro de 2009 publicado pelo Office of Vehicle Technologies do Departamento da Energia (DOE), o qual afirma que apesar dos enormes investimentos feitos em veículos híbridos-eléctricos de ligar na tomada (plug-in) e em baterias de iões de lítio, quatro barreiras chave barram o caminho da sua comercialização: custo, desempenho, tolerância ao mau uso e tempo de vida. O problema chave, segundo os analistas do DOE, era – como seria de esperar – o sistema da bateria. O relatório concluía que baterias baseadas no lítio, às quais considera "a química mais prometedora", são três a cinco vezes mais caras, falta-lhes densidade de energia e "não são intrinsecamente tolerante a condições de uso abusivas".


Recordam de quando Barack Obama, como candidato presidencial, repreendia a administração Bush por não dar atenção à ciência? Em Dezembro de 2008, logo após ser eleito para a Casa Branca, ele declarou: "É tempo de colocarmos outra vez a ciência no topo da nossa agenda e trabalharmos para restaurar o lugar da América como o líder mundial em ciência e tecnologia".
Restaurar a liderança da América em ciência e tecnologia é um objectivo meritório. Mas com a tentativa de escolher vencedores no negócio do carro – comprovadamente a mais competitiva indústria do mundo – a administração Obama está a esquecer a história e a panóplia de problemas que tem mantido os VEs na garagem desde os dias de Thomas Edison. Já é tempo de desligar esta indústria subsídio-dependente e deixar o mercado livre actuar.

11/Novembro/2010

[NR] Em Portugal, o governo do sr. Sócrates oferece 25 milhões de euros do dinheiro dos contribuintes para o financiamento de VEs. O programa Mobi-E estabelece que serão dados 5000 euros a cada uma das primeiras 5000 compras de VEs.
[*] Autor de Power Hungry: The Myths of "Green" Energy and the Real Fuels of the Future
O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/bryce11112010.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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O manifesto inicial da Mídia Tática

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11:23

O ABC da Mídia Tática


Por David Garcia e Geert Lovink


Mídias Táticas são o que acontece quando mídias baratas tipo 'faça você mesmo', tornadas possíveis pela revolução na eletrônica de c que qualquer coisa as separa das mídias dominantes.
Uma ética e uma estética distintiva que tem emergido, a qual é culturalmente influenciada pela MTV através das recentes obras em vídeo feitas por artistas. Começou como uma estética rápida e suja que, embora sendo só um outro estilo (ao menos em sua forma videográfica) tem vindo a simbolizar um verité para os anos 90.
Mídias táticas são mídias de crise, crítica e oposição. Esta é tanto a fonte de seu poder ("a raiva é uma energia": John Lydon), como a sua limitação. Seus heróis típicos são; o ativista, guerreiros de mídia nômades, o prankster, o hacker, o rapper de rua, o kamikaze de câmera de vídeo, eles são os alegres negativos, sempre à procura de um inimigo. Mas, uma vez que o inimigo tenha sido nomeado e vencido, é ao militante tático que ocorre entrar em crise. Logo (apesar de suas conquistas), fica fácil troçar dele com expressões típicas da direita, "politicamente correto", "cultura de vítima", etc. Mais teoricamente, as políticas de identidade, críticas midiáticas e teorias da representação, que viraram o fundamento da maior parte das mídias táticas ocidentais estão elas mesmas em crise. Estas formas de pensamento são largamente vistas como remanescentes críticos e repressivos de um humanismo antiquado.
Acreditar que questões de representação são agora irrelevantes é acreditar que as chances de grupos e indivíduos na vida real mesmo ainda não são crucialmente afetadas pelas imagens em circulação de que qualquer sociedade dada dispõe. E o fato de que nós não mais vemos a mídia de massas como a única e centralizada fonte de nossas próprias definições pode tornar estas questões mais escorregadias, mas isso não as torna redundantes.


Mídia Tática, uma forma qualificada de humanismo. Um antídoto útil para aquilo que Peter Lamborn Wilson descreveu como "o inoponível domínio do dinheiro sobre os seres humanos". Mas também como um antídoto para as novas formas emergentes de cientificismo tecnocrático que sob a bandeira do pós-humanismo tendem a restringir discussões de uso humano e recepção social.
O que torna nossas mídias táticas? Em "A Invenção do Cotidiano", De Certeau analisou a cultura popular não como um "domínio de textos ou artefatos senão como um conjunto de práticas ou operações realizadas em estruturas textuais ou em forma de texto". Ele transferiu a ênfase das representações em si direto para os "usos" das representações. Em outras palavras, de que modo nós, como consumidores, usamos os textos e artefatos que nos rodeiam. E a resposta, ele sugeriu, era "taticamente". Isso quer dizer de formas muito mais criativas e rebeldes do que já tinha sido imaginado. Ele descreveu o processo de consumo como um conjunto de táticas pelas quais o fraco faz uso do forte. Ele caracterizou o usuário (um termo que ele preferiu a consumidor) rebelde como tático e o presumido produtor ( no qual ele inclui autores, educadores, curadores e revolucionários) como estratégico. Estabelecer esta dicotomia permitiu a ele produzir um vocabulário de táticas rico e complexo o bastante para equivaler a uma estética reconhecível e distinta. Uma estética existencial.
Uma estética da apropriação, do engano, da leitura, da fala, do passeio, da compra, do desejo. Truques engenhosos, a astúcia do caçador, manobras, situações polimórficas, descobertas prazerosas, tão poéticas quanto guerreiras.


O conhecimento dessa dicotomia tática/estratégica nos ajudou a nomear uma classe de produtores que parecem singularmente conscientes do valor destas inversões temporárias no fluxo do poder. E mais que resistir a estas rebeliões, fazem tudo que podem para amplificá-las. E na verdade fazem com que a criação de espaços, canais e plataformas para estas inversões seja fundamental para sua prática. Nós denominamos o seu (nosso) trabalho de mídia tática.


Mídias Táticas nunca são perfeitas, mas sempre em transformação, performativas e pragmáticas, envolvidas num contínuo processo de questionamento das premissas das canais com que elas trabalham. Isto requer a confiança de que o conteúdo pode sobreviver intacto enquanto viaja de interface para interface. Mas nunca devemos esquecer de que a mídia híbrida tem seu oposto, sua nêmesis, a Medialen Gesamtkunstwerk (1). O programa final para a Bauhaus eletrônica.


É claro que é muito mais cômodo aderir aos rituais clássicos da cena underground e alternativa. Mas mídias táticas estão baseadas num princípio de resposta flexível, de trabalho com diferentes coligações, sendo capaz de se mover entre as diferentes entidades na vasta paisagem midiática sem trair suas motivações originais. Mídias Táticas podem ser hedonistas, ou entusiasticamente eufóricas. Mesmo os hypes de moda tem seus usos. Mas é acima de tudo a mobilidade o que mais caracteriza o militante tático. O desejo e a capacidade de combinar ou pular de uma mídia para outra criando um contínuo suprimento de mutantes e híbridos. Cruzar fronteiras, conectando e religando uma variedade de disciplinas e sempre tirando total proveito dos livres espaços na mídia que estão continuamente aparecendo devido ao ritmo da mudança tecnológica e à regulação incerta.


Embora as mídias táticas incluam mídias alternativas, não estamos restritos a esta categoria. De fato, nós introduzimos o termo tático para romper e ir além das rígidas dicotomias que tem reatringido o pensamento nesta área por tanto tempo, dicotomias tais como amador vs. profissional, alternativo vs. popular. Mesmo privado vs. público.


Nossas formas híbridas são sempre provisórias. O que conta são as conexões temporárias que você é capaz de fazer. Aqui e agora, não algum vaporware ( 2)
prometido para o futuro. Mas o que possamos fazer no lugar com a mídia a que temos acesso. Aqui em Amsterdam nós temos acesso à tv local, cidades digitais e fortalezas de novas e velhas mídias. Em outros lugares eles podem ter teatro, demonstrações de rua, filme experimental, literatura, fotografia.
A mobilidade da mídia tática a conecta com um movimento mais amplo de cultura migratória. Adotada pelos proponentes do que Nie Ascherson descreveu como a estimulante pseudo-ciência do Nomadismo. "A raça humana mostra que seus expoentes estão entrando numa nova época de movimento e migração. Os sujeitos da história, antes fazendeiros estabelecidos e cidadãos, passaram a ser os migrantes, os refugiados, os gastarbeiters ( 3) , os que procuram asilo, os sem-teto urbanos".


Um exemplo característico do tático pode ser visto no trabalho do artista polonês Krzystof Wodiczko que percebe como as hordas de desalojados agora ocupam o espaço público das cidades: praças, parques, vãos de estações de trem que tinham antes sido desenhados por uma triunfante classe média para celebrar a conquista de seus novos direitos políticos e liberdades econômicas. Wodiczko acredita que estes espaços ocupados formam novas àgoras que deveriam ser usadas para sua determinação. "O artista", diz ele, "precisa aprender como operar como um sofista nômade numa pólis migratória".


Como outros taticistas de mídia migratórios, Wodiczko tem estudado as técnicas pelas quais os fracos se tornam mais fortes que os opressores, ao se dispersarem, ao não terem centro, ao se moverem rapidamente pelas paisagens midiáticas físicas ou virtuais. "O caçado deve descobrir a maneira de se tornar o caçador".
Mas o capital também está radicalmente desterritorializado. É por isso que nós apreciamos estar baseados numa edificação como De Waag, uma velha fortaleza no centro de Amsterdam. Nós alegremente aceitamos o paradoxo de *centros* de mídia tática. Assim como castelos no ar, precisamos de fortalezas de tijolos e argamassa, para resistir a um mundo de livres fluxos de capital nômade. Espaços para planejar e não só improvisar e a possibilidade de capitalizar sobre as vantagens adquiridas, têm sempre sido as prerrogativas das mídias "estratégicas". Como taticistas de mídia flexíveis, que não têm medo do poder, ficamos contentes ao utilizar esta abordagem para nós mesmos.


A cada poucos anos nós realizamos uma conferência Next 5 Minutes (Próximos Cinco Minutos) sobre mídia tática a nível mundial. Finalmente temos uma base (De Waag), da qual esperamos consolidar e seguir construindo a longo prazo. Vemos este edifício como um local para planejar evntos e encontros regulares, incluindo o próximo The Next 5 Minutes. Nós vemos o próximo The Next 5 Minutes (em janeiro de 1999), e as discussões que a ele conduzam, como parte de um movimento para criar um antídoto ao que Peter Lamborn Wilson descreveu como "o inoponível domínio do dinheiro sobre os seres humanos".


1. Obra de arte total midiática.
2. Software ainda não lançado no mercado, provavelmente em pesquisa.
3.Trabalhadores imigrantes, em alemão.


Tradução: Ricardo Rosas

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PAZ NO GRITO

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11:12

» por Paulo Amoreira

Designer Gráfico e Videasta

 

Palestra sobre guerrilha cultural e artivismo ministrada na UECE, por ocasião do evento ‘Fábrica – 5 Dias de Cultura Pop’, em 2002.
Estamos em guerra? Estamos em guerra. Sempre estivemos? Sempre estivemos. Quem somos nesse tabuleiro de relações pré-construídas? A bandeira que trêmula na bula de nossos olhos é uma revolução ou uma reafirmação do que está?

Quero falar de guerrilha. De cultura. De resistência e de arte.
Quero mover os nós que atam esse pacote do nosso tempo. Desatar suas correias de compreensões duvidosas. Caixa de pandora. Caixa preta de avião terrorista. Caixa de surpresa de onde se espera que salte um arlequim, um pop star momentâneo – instantâneo como o leite ninho, que faz por você o que nenhum outro faz; um anjo demônio que possui aparelhos de tv com telas planas de plasma sem sangue no lugar dos olhos.
Por que guerrilha? Por que cultura? Por que resistência e arte?
Agora tudo é guerrilha cultural. Todo aquele que deseja atrair para si o olhar carente de força da juventude (é estranho que essa palavra – juventude – me pareça tão velha nesses tempos!), se apresenta como um guerrilheiro cultural. Mas onde é que está a juventude revolucionária desse momento? Caminho pelas ruas e pelos shoppings. Absorvo os transgênicos "fast food" comportados e felizes. Danço entre os meus pares – que eu só sei meus pares pela cor de seus movimentos. Onde estão os que se rebelam?
Para se rebelar é preciso saber que se é oprimido. Cercar o inimigo com um olhar de alteridade. Ter força e vontade para agir. Precisar agir. Compreender o giro das coisas desse tempo escorregadio. Houve mesmo esse tempo em que a lança do amotinado tinha um alvo claro: o peito do monarca absoluto. O poder era tão nítido quanto as pedras de um castelo medieval. O mítico, o profano e o santo tinham, cada qual, sua caverna. Agora. Hoje. O mítico, o profano e o santo coabitam a mesma caverna. Uma "tecnocaverna". Onde está o rei? Onde está a lança? Onde está o alvo? Quem se amotina?
Em outro momento, numa fala sobre ‘imagens subversivas’, em 2001, na ‘Semana dos Malditos’ – na Universidade Estadual do Ceará UECE, falei que um inimigo possível seria a ‘Sociedade do Espetáculo’, com suas formas de controle coletivo e seus circos eletrônicos-sensualistas de alienação. Disse que o território último onde se daria essa batalha seria o corpo. O alvo, a idéia-resgate da identidade e que uma das armas seria a arte contemporânea. Mas me faltou compreender - com toda a radicalidade necessária às grandes compreensões – quem seriam os amotinados. Personalidades pop virtuais como Luther Blisset ou reinauguradores de grupos subversivos dos anos 60, como o Provos, renascido nesse momento como metaprovos?.

Embora reconheça o valor das iniciativas que tem como propósito reeditar ações de grupos subversivos históricos, não estou bem certo se o fato da pergunta ‘parecer a mesma’ repetir ‘uma resposta’ anterior seja o caminho mais visceral e válido. Em vários lugares do mundo, muitas pessoas estão criando grupos-citações de grupos famosos, como o Provos (da Amsterdã alucinada ainda e sempre), por exemplo. Até mesmo o instigante filme manifesto de David Fincher, O Clube da Luta, deu origem a grupos – inclusive no Brasil – que se apresentavam como ‘Projeto Caos’, pessoas assinando textos com a alcunha de Tyler Durden, repetindo hipnoticamente os textos dos filme. Atitudes como essas revelam uma nítida estreiteza da compreensão da obra e uma manifesta evidência de uma rasa capacidade de construção do novo. Não é gratuita, no Clube da Luta, a involução das iniciativas libertárias do alter-ego Tyler Durden para o modelo terrorista-fascista ditado pelos princípios do seu Projeto Caos. O que era busca da natureza dionisíaca, daimônica, libertária, vira anulação de identidade paramilitar: uma aberração complementar à anulação do eu pelo consumismo. Pérola de ironia, esse filme.
Até que ponto o firme engajamento em atividades artivistas nos distancia do propósito mesmo de conquistarmos a liberdade reivindicada?. Para que queremos mais liberdade? O que faríamos se a tivéssemos agora, nesse momento? Será que a liberdade é algo que se decrete? Como é possível libertar? O que temos subjugado dentro de nós que se quer livre? Cultiva-se a liberdade dentro ou fora? Saber-se livre seria o primeiro passo? A liberdade é contagiosa como o riso, como o bocejo, como o desejo de beijar diante do beijo do outro?
Essas questões são fascinantes e necessárias, para se manter a mutabilidade dos nortes conquistados.
O inimigo transita entre o fluído e nômade, entre o empedernido e o sedentário. A capacidade de cooptar as forças opositoras, projetando sobre elas uma notoriedade inicialmente indesejada é extraordinária. É preciso se apropriar das armas do inimigo para usá-las contra ele, tal como descrito no ‘mini-manual do guerrilheiro urbano’ do Mariguela. A diferença é que as armas não são mais a sub-metralhadoras, os coquetéis molotov, as granadas e os fuzis FAL. As armas do inimigo são a informação – o trânsito das palavras de ordem, o controle dos meios eletrônicos de distribuição dessas informações, empunhadas pelos legitimadores do discurso oficial: os ideólogos do consumo e de uma globalização para globalizadores, sobre globalizados. A mitificação das grandes marcas, reconhecidas como portos constantes em meio ao movediço cenário da macro economia assassina. Países podem desaparecer. O Mc Donald´s sempre será o mesmo. O discurso do inimigo é o discurso da morte. Entendida aqui como aniquilação da identidade diante da gosma homogenia devoradora de individualidade.

 

As armas da guerrilha são então a contra-informação; a democratização dos meios eletrônicos de distribuição dessa contra-informação; o resgate e releitura dos meios não-eletrônicos de distribuição de contra-informação; a desconstrução dos legitimadores do discurso oficial (convoquemos o arlequim para esse "front"!), os processos de deturnamento de peças publicitárias – como fazem os congestionadores culturais como o "ad busters". E, sim, ela aqui de volta: a arte contemporânea.O grito que liberta a experiência artística da prisão de uma compreensão pré-determinada. A maior parte das obras de arte contemporânea estão mais preocupas com o processo do que com o controle sobre o resultado.
Armas todas empunhadas como anti-armas. Pois, ao contrário das bélicas possibilidades, as anti-armas matam a morte.
As anti-armas estão mais interessadas na distensão do tempo. Na ampliação do espaço-tempo. Ao contrário da velocidade mortificadora dos meios tradicionais, onde tudo exala uma vida intensa e curta, onde tudo é descartável, os meios de resistência preferem a consistência da experiência. Arriscam resgatar valores e compreensões de mundo. Negam a morte. Vencer a morte é o mais radical ato de resistência.
Onde entra a cultura e a arte ativista nesse processo?
Cultura é identidade.
Quando nos deixamos vencer pela chamada ‘cultura oficial’, formada com a intenção de controlar e homogeneizar, reduzindo a homem a um dígito de caça e consumo apropriadamente chamado de target (ou público-alvo) é como se rejeitássemos a relação com nosso entorno, com nossa história pessoal, com os risos, lágrimas e gritos de nossos antepassados. É uma forma de delirmos nosso desejo de rompermos cercas, explorarmos o destino das derivas e da maravilhosa experiência da descoberta e do espanto. Da dor e do prazer. Da nossa própria humanidade. Paradoxos de individualização são gerados a todo momento: quantas vezes já fomos bombardeados pela parte menos inteligente da publicidade que promete exclusividade através da aquisição de bens de consumo?. Ter o que poucos podem ter é um parco anestésico para a crise de identidade que assola nossos tempos kafkanianos. Já o antecipava, Marx, no seu ‘Fetichismo e Mercadoria’.

 

A arte gera contra-informação. A arte tem um substrato valioso: cultura. Cultura contamina. Contaminado por cultura o homem só dirá ‘sim’ àquilo que reconhecer como sendo parte desse seu novo multi-universo de compreensão. Concordo com Deleuze quando ele aponta que toda a arte é um ato de resistência. Todo ato de resistência é revolucionário. Ora, como disse o poeta da Revolução Russa, Maiakowski: "Não há arte revolucionária sem forma revolucionária", o que pressupõe um novo formato. Uma nova lógica de oposição. Hoje percebemos que a revolução mais eficaz não se dá através de uma síntese ativa de um único embate hercúleo e possante contra o opressor. Com o pensador Hakim Bay, nos anos 80, descobrimos que o ‘levante’ é mais eficaz que a guerra. É como diluir a ação revolucionária no espaço-tempo. Uma ação elástica, distendida, pontuada por pequenas ações, distribuídas por muito, muito tempo. Minando progressivamente as resistências, oferecendo momentos libertários onde se pode viver plenamente a própria originalidade. Contaminação lenta. Sem dar tempo para uma contra-ofensiva. Hakim Bay chama esses levantes de TAZ – sigla de zonas autônomas temporárias. Hoje chamamos esses eventos de ações de Mídia Tática. Falarei sobre Mídia Tática outro dia. É um assunto vasto, merece um tratamento mais elucidativo. Por hora, voltemos para nosso front.
Guerrilha é ”morder e correr”. Guerrilha cultural é contaminação libertária por exposição significativa, pontual, transitória e impactante de atos de resistência.
Muitos defendem que essa ação se dê através de associações de bairros, organizadas com o propósito de ajuntar o máximo de pessoas de dada comunidade e desenvolver atividades de conscientização política, mobilização reivindicatória, instalação de rádios comunitárias e construção de programas culturais estabelecidos segundo as necessidades e características da comunidade. Muitos chamam a essas iniciativas de ações de guerrilha cultural (ou ações de mídia tática)
Nem todo ato de resistência é um ato de guerrilha cultural, embora o seja de certo modo.

 

A guerrilha pede uma atitude nômade, uma ação impactante e furiosa, espanto e veemência, deslocamento re-significação. ‘Atitude’ entendida aqui não como uma aparência, uma embalagem "personal" comprável em qualquer loja descolada de shopping ou "brechó", puramente estética, resultado da des-significação imposta pelo sistema. Falo de uma atitude apaixonada. Viço e fogo interior catapultados para o exterior em forma de ações. O poeta Ademir Assunção esclarece quando diz: “Não vai haver amor se não houver rebeldia”. A guerrilha cultural é rebelde, apaixonada, avessa a protocolos domesticalizadores. Onde está a subversão do grafitte quando o suporte que receberá essa manifestação é um espaço destinado para esse fim? Apropriação, contenção e des-significação: armas constantes da força de domínio. Guerrilha cultural e desobediência civil andam de mãos dadas. A conquista de espaços não-autorizados, como o espaço público, é o grito de rebeldia da guerrilha cultural artivista. A criação de zonas autônomas temporárias em meio ao caos da urbes equivale a detonação de uma bomba anti-capitalista no cerne de um dos espaços capitalistas de transição.
As interferências urbanas são legítimas ações de guerrilha cultural artivista. Quanto mais impactantes, intensas e nômades forem, mais próximas estarão da idéia de zona autônoma temporária. É claro que os substratos dessas interferências também são bem-vindos como documentos-mnemônicos da ação. Mas uma interferência urbana deve manter seu pico de atividade invariavelmente curto para melhor se relacionar com a transmutação de seu instrumental em paisagem, daí à cegueira coletiva e conseqüente desaparição.
Instalações, performances, cinema, dança, música, poesia, teatro, pintura, quadrinhos, essas e outras linguagens isoladas ou simultaneamente utilizadas podem resultar em extraordinárias ações de guerrilha cultural artivista.
Tenho uma pretensão, aqui: produzir em tu que me lê o desejo de realizar coisas, interferências urbanas, gritos libertários, festas públicas, eventos, encenações, provocações que gerem o vórtex contaminador de uma zona autônoma temporária. Que todos se tornem guerrilheiros culturais artivistas.
Quem se propõe a ser guerrilheiro cultural ativista deve, necessariamente, se fazer as perguntas mais radicais relacionadas à suas indignações, necessidades e identidade. Deve perguntar aos limites do seu corpo, como instância última à ser conquistada. Deve saber o que grita e o que cala. Deve saber de si e procurar saber do outro, sem projetar suas crenças ou convicções, deve reconhecer o outro como ser único e tocável, atingível, possível à sua ação provocadora.

 


E, acima de tudo, deve-se achar a paz do próprio grito.


Alguns links relacionados:
www.lutherblissett.net

prov0s.subversao.com

www.adbusters.org

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A IMAGEM SUBVERSIVA

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10:49

Paulo Amoreira Palestra em 2001, na Semana dos Malditos na Universidade Estadual do Ceará – UECE

 


É necessário determinar, para que alcancemos o objetivo dessa provocação, uma ausência de um foco específico nessa investigação sobre como a subversão, no sentido aqui aplicado de insubordinação a uma ordem vigente, de determinadas imagens atinge o coletivo e o particular numa intenção de desconstrução e deslocamento. Trata-se aqui mais de uma tentativa de acercar-se de uma possibilidade de representação não-estereotipada do que construir um discurso que estabeleça, de forma equivocada, uma situação limítrofe para a compreensão dessa insurreição. Caminharemos, pois em uma rede rizomática, como a compreende Deleuze, e poderemos nos permitir navegar em diferentes direções, impulsionados pelos devires que se sucederão às questões propostas. Para se ser subversivo é preciso que haja ainda um poder ao qual se irá se opor. Assim, uma representação visual subversiva deve, necessariamente ser uma força de afirmação de uma idéia tanto quanto de oposição a uma outra idéia. A delimitação desse opositor é nossa questão inicial. Por outro lado, o caráter mesmo da subversão já pressupõe uma ordem vigente como sendo essa força opositora, uma estrutura de poder oficial, um mainstream, que em vários momentos da passado histórico foi representada pelo poder constituído pelo Estado, Igreja ou pela co-relação de ambas essas forças. Seria o que poderíamos ilustrar como lógica do feudo. Uma relação que se dava em um território determinado, com papéis claros para todos os personagens.


No entanto, com os processos de desterritorialização e reterritorialização da idéia de Indivíduo e da idéia de Coletivo, em muito corroborada pela constituição de um não-lugar conhecido como cyberespaço, e com a inserção de uma transitoriedade e multiplicidade dessas mesmas instituições de poder, a silhueta de nosso arquiinimigo se torna coberta por uma bruma que nos afasta de seu reconhecimento. Em meio à desmaterialização das forças opressoras na contemporaneidade, a Sociedade do Espetáculo, entendida aqui como sendo o primado que estende suas idéias fetichistas e mistificadoras dos signos de consumo e da banalização de processos complexos, se apresenta como a candidata válida para esse cargo, visto se tratar de uma planejada seqüência de enlaces midiáticos, levada a cabo por inúmeros personagens, que visa a inserção do indivíduo no contexto de uma realidade espetacularizada e alienante. O feudo, desta feita é todo o planeta. Os vassalos são os telespectadores, mantidos na situação de expectantes de uma vida construída com doses maciças de formatos aceitáveis de convivência social.


Aceitando como válido que a Sociedade do Espetáculo seja uma força opositora para as Imagens Subversivas, somos levados a uma nova questão: Em que ponto a subversão promovida pelos conteúdos imagéticos deveria concentrar então seu poder de fogo?

A construção da imagem significativa e pertinente passa pela descoberta de uma semiótica que nos sirva de arcabouço para a construção de uma mitologia que agregue os desejos e estruturas de compreensão das questões macro de nossa contemporaneidade. Diante das possibilidades, é necessário estabelecer um caminho que torne possível a discussão dessa questão com alguma eficiência no tempo, ainda que correndo o indesejável risco de permanecer na superfície e não produzir uma idéia totalmente constituída desse propósito.


Acredito que podemos estabelecer, então, alguns alvos para a ação promovida pela Imagem Subversiva. O que equivale perguntar: O Que as imagens ditas subversivas querem afinal subverter? A resposta é, talvez, instigante: A Imagem Subversiva questiona o conceito de Identidade. Como parte do plano pré-estabelecido de uniformização de reações e implantação de padrões comportamentais aceitáveis, a Sociedade do Espetáculo desloca o indivíduo da sua subjetividade pessoal e o convence das vantagens de fazer parte da platéia global, onde os grupos são tratados em blocos estratificados e organizados segundo sua capacidade de consumo e papel social. Para amenizar o impacto dessa redução, é oferecida, com freqüência, doses homeopáticas de interatividade parcial, promovendo a ilusão da existência de uma autoria coletiva ou singular por parte do público, quando da manifesta condução real dos processos e conseqüências por parte do Dono do Espetáculo. Nesse formato a identidade está em permanente conflito com as urgências implantadas de uma homogeneização comportamental. As Imagens Subversivas, através de seus conteúdos imantados de significação conflitante, forçam os observadores a procurarem um novo formato de compreensão e, conseqüentemente, a construírem um pensamento novo, exercendo assim uma autonomia indesejada pelas esferas de poder. O que nos leva a cogitar a real possibilidade de que uma exposição constante a Imagens com conteúdo subversivo pode exercitar a construção de uma nova identidade, que rejeite a identidade oficialmente sugerida pelas estruturas de dominação. Essa questão já se torna íntima de muitos artistas da chamada Arte Contemporânea, ciosos que estão da necessidade de promover o estranhamento que, acredita-se, levará às reformulações conceituais pertinentes à construção do novo corpus coletivo. Dessa forma, pode-se dizer que enquanto germinadora de experiências que promovem um re-entendimento do significado das coisas e dos processos, a Arte Contemporânea é uma fábrica de Memes, lembrando que um meme está para o pensamento assim como o gen está para DNA. Quanto mais memes se produz, mais conexões são processadas e pensamentos novos emergem. Novos pensamentos, novas lembranças, novos referenciais de realidade. A identidade é, antes de qualquer coisa, uma experiência mnemônica de constante reconhecimento e re-elaboração desse reconhecimento. A Arte Contemporânea é uma frente de guerrilha da Imagem Subversiva.


Outra questão que se assinala é: em que campo de batalha se dá o confronto entre a Ordem Vigente e a Imagem Subversiva? Facilmente se chega à conclusão que, considerando como aceitável o fato de que as Imagens Subversivas questionam a identidade padronizada, o campo de embate é o próprio indivíduo, na sua dimensão corpórea e na sua consciência de si e do meio.

 

Freqüentemente as Imagens Subversivas apresentam situações que promovem um estranhamento entre o que é visto e a comparação com o real. Fusões, deslocamentos, aliterações, insurbordinações estéticas, escatologia, surrealismo, apropriações, plágios, heresias, mistificação e conspiração, são elementos utilizados com o objetivo de forçar a reflexão apontada anteriormente. O lugar onde isso se dá tanto pode ser a idéia do ser e sua representação transfigurada, como o próprio corpo, apresentado com uma nova anatomia ou uma nova relação com o espaço e as coisas.


Uma questão que não pode deixar de ser explorada é quais são os caminhos preferenciais que a Imagem Subversiva percorre para levar seu intento às conseqüências desejadas.
A produção de Imagens Subversivas tem como principal construtor o artista ou pensador marginal. A condição de outsider possibilita a inclusão em sua produção de imagens dessa natureza, sendo quase sempre rejeitado pelas estruturas culturais oficiais de sua época ou relevado à circulação restrita de sua produção a uma minoria intelectualizada ou a guetos culturais. Não é o caso dos grupos de Congestionamento Cultural, chamados de Culture Jammers, que interferem em espaços públicos como shopping centers e praças encenando esquetes de autores marginais ou melhorando outdoors com inscrições que subvertem o significado original da mensagem. O mesmo ocorre com o resgate do ideário do movimento situacionista e suas inúmeras apropriações de conteúdos pop com o fim de reapresenta-los adulterados por frases que exprimiam seu pensamento e manifesto.


Cabe aqui louvar a obra de Charles Baudelaire, Rimbaud, os poetas beats e Burroughs como essenciais para a construção desse novo imaginário. Os Cut-ups de Burroughs e a produção de uma poesia visualmente subversiva por parte do autor de O Barco Bêbado e tantos outros autores marginais, são fundamentais no universo da subversão imagética.


Como última reflexão, gostaria de colocar uma questão que acredito ser crucial para o desenrolar desse embate entre a Imagem Subversiva e a Ordem Vigente: Como a Imagem Subversiva pode construir uma nova mitologia ou mesmo propiciar a construção de mitos coletivos ou individuais sem ser, ela mesma, um instrumento redutor da mitologia pessoal de cada ser?


Imagens utilizadas:

Painel 1: filme Um Cão Andaluz (1928), de Luis Buñuel - Diretor Espanhol; Painel 2: imagens subliminares no filme O Clube da Luta (com Brad Pitt e Edward Norton), de David Fincher - EUA.; Painel 3: quadro Espanha, detalhe ampliado, de Salvador Dali; Painel 4: cenas do filme O livro de Cabeceira, de Peter Greenaway - Diretor, Cenógrafo e Pintor Inglês. Outros filmes do diretor: O Sonho do Arquiteto, O Bebê Santo de Macon (86), A Última Tempestade, Oito Mulheres e Meia.;Painel 5: ilustrações de Milo Manara, quadrinista Italiano; Painel 6: cenas de O Sangue do Poeta (1932), de Jean Cocteau - Escritor e Diretor Francês ; Painel 7: cenas de Videodrome (1982), de David Croneberg – Diretor Canadense; Painel 8: cenas de Mazeppa- A lenda de Uma paixão (1993), de Bartabas.

 

Links: Vertigem (http://www.tanomeio.com.br/colunistas/vertigem.asp)

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A CORPORAÇÃO (The Corporation)

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10:32

Tiago Soares


Em 1886, o condado de Santa Clara, nos EUA, enfrentou nos tribunais a Southern Pacific Railroad, poderosa companhia de estradas de ferro. No veredicto, sem maiores explicações, o juiz responsável pelo caso declarou, em sua argumentação, que "a corporação ré é um individuo que goza das premissas da 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que proíbe ao Estado que este negue, a qualquer pessoa sob sua jurisdição, igual proteção perante a lei". Isso significa que, a partir daquele momento, era estabelecida uma jurisprudência através da qual, perante as leis norte americanas, corporações poderiam considerar-se como indivíduos.


Apesar do peculiar raciocínio por trás do veredicto do caso de Santa Clara, corporações, é claro, não podem ser consideradas como "pessoas". Tecnicamente, elas nada mais são do que um instrumento legal através do qual determinado negócio é transformado numa estrutura cujo funcionamento transcende as limitações individuais de seus responsáveis de carne e osso. Por conta disso, apesar das posições individuais de seus fundadores, e mesmo após a morte destes, uma corporação segue em sua existência, operando como um "organismo" autônomo em busca de um objetivo bastante específico - o lucro.


Mesmo assim, ainda que o bom senso determine uma linha bastante clara entre pessoas reais e corporações, ambas seguem merecendo, perante a Constituição dos EUA, o mesmo tipo de tratamento. Mas, e se corporações fossem mesmo indivíduos? Que tipo de gente seriam? Em busca da resposta para essa questão, o escritor Joel Bakan e os cineastas Mark Achbar e Jennifer Abbott resolveram adentrar os subterrâneos do mundo e da cultura corporativa, analisando os motivos e conseqüências das ações das companhias transnacionais através de um método de estudo que, distanciando-se da análise sócio-política, aproxima-se da psicanálise. O trabalho dos três, que resultou no documentário A Corporação (The Corporation), aponta para uma conclusão perturbadora.
Lucros sem culpa O documentário, baseado no livro The corporation - the pathological pursuit of profit and power*, de Joel Bakan (que também assina o roteiro do filme), é uma profunda e divertida análise do mundo corporativo. A partir do estudo de crimes cometidos por transnacionais, e de dezenas de entrevistas com gente direta ou indiretamente ligada ao mundo corporativo, como ativistas de esquerda e de direita, acadêmicos, jornalistas, executivos, e espiões industriais, os autores fazem uma radiografia das corporações como "seres" autônomos, que funcionam de acordo com um conjunto específico e determinado de regras e motivações, bastante distintas daquelas partilhadas entre os homens comuns. Um "comportamento" que, de tão voltado à busca pela realização pessoal em detrimento de qualquer dano causado a terceiros, resvalaria, segundo alguns dos entrevistados, na psicopatia.


Montado sobre uma estrutura ágil, baseada numa esperta colagem de cenas de filmes B, vídeos institucionais antigos, imagens documentais e entrevistas nas quais, contra um fundo negro, representantes das mais distintas correntes políticas, como Noam Chomsky, Milton Friedman, Sir Mark Moody-Stuart (ex-dirigente mundial da Shell) e Vandana Shiva têm seu discurso contextualizado em relação ao "comportamento" institucional das grandes corporações, o filme faz uma análise dos vetores "psicológicos" responsáveis por regular o relacionamento das grandes companhias com o indivíduo - social, cultural e politicamente.


Criadas com o objetivo único de tornar mais eficiente o acúmulo do capital, corporações seguem uma dinâmica própria, que transcende as vontades individuais de seus acionistas e executivos. Mas, mais do que criar estruturas de produção viciadas, a lógica do lucro é responsável também pelo modo como é construída a cultura corporativa e suas noções de responsabilidade social e política. "Pedir a uma corporação que seja socialmente responsável faz tanto sentido quanto pedir a um edifício que o seja", dispara, em depoimento, Milton Friedman, economista vencedor do prêmio Nobel. Ou, como lembrado em outra entrevista, desta vez pelo historiador Howard Zinn, "corporações sempre foram amigas de políticas totalitárias".
Isso é refletido também nas relações d

e trabalho. Seja no que diz respeito à dissociação entre atos individuais de funcionários e realizações criminosas cometidos pela companhia, seja na desumanização do processo de produção, existe, no ideal corporativo, algo próximo da diminuição do homem à condição de máquina. O esforço humano despe-se de qualquer carga moral ou ideológica, aproximando-se de um ideal de eficiência análogo à idéia pré-fordista de automatização. As cenas e depoimentos do filme sobre as rotina de trabalho nas sweatshop (veja texto) são a demonstração desse processo.
Por amorais, as grandes transnacionais têm no lucro o único mediador de suas responsabilidades e ações em relação ao público. A não ser que interfira de alguma maneira em sua capacidade de acumular capital, corporações não se sentem responsáveis por danos políticos, sociais,

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Abismo do Silêncio

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06:48

 

De João Leno Lima

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(INS)URGÊNCIA

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19:30

Ricardo Rosas

232259

 

 

Para Graziela Kunsch

Há quase meio século que se propala a morte da arte. Tal “autópsia” já teria sido dada por vários movimentos – artísticos, por contraditório que isso possa parecer – que migraram de códigos e suportes, fossem eles para a “vida”, como o fizeram situacionistas, fluxus e adeptos do happening (como antes já o haviam feito os surrealistas), fossem eles para a cultura de massas ou suportes outros que não os tradicionais nas belas-artes, conforme os padrões do século XIX. Que isso fosse um esgotamento de linguagem, como a crise da expressão no século XX pareceu transparecer, ou um resultado do estupor diante das desgraças da segunda grande guerra, de uma forma ou de outra se conectou a impossibilidade de comunicação à “morte da arte”.

Em que pesem todos os intermináveis debates em torno do tema, a sociedade ainda não percebeu esta morte. Nenhum luto, nenhum grito metafísico sobre um cadáver tão pomposo e brilhante, com tantos séculos de uma história tão colorida, até por que seus restos tremulantes – assim como os vermes a corroer-lhe as vísceras – bem que lhe tomaram o lugar central em todos os lugares onde sua excelência costumava aparecer. Implodidas e desfiguradas, a pintura e a escultura se reconfiguram em fotografias, fragmentos, instalações, performances, objetos, vídeos, compostos multimídia. Que tal migração de códigos e símbolos para outros suportes seja em si um sinal de esgotamento de uma linguagem não nos diz tanto a respeito dessa suposta morte, mesmo por que, desde Duchamp, por exemplo, pode-se passar a ver arte num urinol, e daí por diante, em caixas de sabão em pó, etc. A experimentação, esse cerne da arte no século XX, e herança ainda fortemente presente nos dias de hoje, fundamentou toda uma nova configuração do que é arte, abrindo novos territórios de exploração. Mas não só: como nos diz Lev Manovich em “Avantgarde as Software” (“Vanguarda como Software”) (1), os próprios procedimentos da vanguarda viraram hoje a linguagem corrente das novas mídias, ou seja, dos programas

de computador: colagem, justaposição, entre outras técnicas, fazem agora parte de um dialeto corrente na práxis diária de qualquer usuário de computador caseiro. Fecha-se, pois, um ciclo: mesmo a migração de códigos para outros suportes se esgota na incorporação de procedimentos experimentais pelas novas mídias criadas pela tecnologia. O que temos, então? Banalização dos procedimentos, da feitura, ou novamente: morte da arte? Não é a intenção aqui ser coveiro de uma profissão tão “nobre” como a do artista, até por conta da sociedade ainda venerar esse fantasma (ou zumbi, alma penada) com as cerimônias de um rito transcendental, equiparando a arte à religião. Assim, não esqueceríamos aqui as gigantescas “peregrinações” de público a grandes exposições retrospectivas como as dos impressionistas, as de Dali, entre outros, ou o zelo ou aura que se dá ao direito autoral ou ao “gênio” que criou tal obra, etc. Não seria demais, então invocar, numa pequena provocação, o famoso dictum de Nietszche de que “Deus está morto”, senão que para fazer aqui um pequeno adendo, pois se Deus morreu no século XIX, a arte foi assassinada no século XX.

Que tal morte, como já dissemos, tenha passado desapercebida pela sociedade, a ponto de esta ainda a cultuar um zumbi como um deus vivo, não é nada estranho numa época em que a imagem (ou o virtual, o “simulacro” como dizem os pós-modernos) parece haver substituído a realidade. E digo “parece” por que mesmo isso é só uma aparência, e por que já nesse começo de século XXI algumas máscaras começaram a cair. Mas como assim? Não temos cada vez mais “artistas” ? Não é pujante um mercado de artes que parece mais vivo que nunca, nos cadernos culturais dos jornais e revistas, nas cada vez mais numerosas exposições, bienais, e onde tudo parece correr tão bem, tão avassaladoramente normal? É que a aparente vitalidade da arte atual esconde um profundo esgotamento que não se limita à migração de códigos já plenamente digeridos, mas que abarca igualmente o estado “em suspenso” que ela mesma se encontra hoje, sua flutuação na superfície sem fundo de um hedonismo cínico, à parte qualquer idealismo, ética ou relação com a realidade mais próxima. Quando mesmo um mínimo apelo metafísico, quando mesmo qualquer sinal de angústia que traduza a turbulência de nossa época (a qual se torna cada vez mais impossível não enxergar), és umariamente omitido, é por que algo de podre está no ar, mesmo que evitemos a todo custo sentir o cheiro. Vivemos talvez uma época na arte semelhante às vésperas do 11 de setembro americano.

Por outro lado, os gestos radicais da arte parecem ter sido absolutamente cooptados. Se entendemos a lógica mais visceral do capitalismo contemporâneo, mesmo os grandes rebeldes – por rebeldes entenda-se aqueles que violaram/transgrediram os códigos correntes dentro de suas áreas – já foram devidamente absorvidos por um mecanismo que até se dá ao luxo de criar seus próprios oponentes. Os situacionistas tinham uma expressão para isto: eles a chamavam recuperação. O mercado recupera mesmo aqueles que o desafiam dentro de suas diretrizes, e, aqui, morre-se por excesso, repetição, tautologia, redundância, daí a impossibilidade de uma arte contestatória dentro dos cânones conhecidos, daí a morte por prazo de validade de um “realismo socialista”, bem como da arte “conteudística” e formalista em geral, pois também ela já tem o seu nicho na parede ou nos displays das grandes galerias.

Se quisermos, pois, radicalizar totalmente no tom niilista, basta queentendamos que a grande morte aqui descrita não é tanto da própria arte (este já é um cadáver velho, de qualquer forma) mas da própria história da arte. Sim, pois numa paisagem real (ou virtual?) onde tudo já está programado, graficamente estudado, categorizado em dados estatísticos, contabilizado e adequado à eficácia máxima de um sistema que se promete  a perfeição do pragmatismo mercantilista, desaparece a subjetividade, e só podemos separar a sucessão maquinal de “tendências” e “movimentos” já plenamente rotulados com seus códigos de barras e prazo de validade na etiqueta.

 

Exagero? Ficção? “Bem vindo ao deserto do real” (2). Assim, como reagir à crescente normatização de tudo, à catalogação de todos os desvios, ao assassinato da arte e sua história? Não espere aqui uma resposta consoladora, conquanto não propomos resposta alguma, se não que vislumbres de outras paisagens, quem sabe menos, ou mais, apocalípticas.

Bem vindos, pois, ao deserto do real. Não é preciso muito esforço para se dar conta de que estamos atualmente num estado de guerra civil planetária. Paranóias de vigilância, conflitos urbanos, catástrofes ecológicas a curto prazo, guerras preventivas, ameaças aos direitos civis, fundamentalismos, racismos, entre tantos outros sintomas, revelam vírus incubados prontos para liberar erupções de pânico coletivo ou manipulação por parte de poderes inescrupulosos, prontos para exercer uma força belicosa à custa de milhares, quiçá milhões, de vidas. A própria economia, em sua flutuação turbulenta, nos fornece uma imagem bem próxima de tempos tão incertos.

Se estamos ou não frente à barbárie, só o futuro dirá, mas os sinais não são nada confortantes. Pode-se, no entanto, fechar os olhos (tome a pílula azul...), assistir aos noticiários e a programação da TV para se convencer de que tudo ainda está bem, afinal.

E onde entra a arte nisso tudo? Onde entra o bebê natimorto da subjetividade em tempos de máquinas assassinas à procura de um alvo? Um dos riscos de nossa época, bem o disse Franco Berardi (Bifo), num texto muito esclarecedor, “Panic, War and Semio-Kapital” (Pânico, Guerra e Semio-Kapital) (3), é a absoluta militarização do trabalho mental (da cultura, do trabalho imaterial, etc.), coisa que já podemos observar “sutilmente” nos filmes de Hollywood ou no uso dos jornalistas “embutidos” durante a invasão do Iraque.

Por outro lado, um episódio significativo dos prelúdios da guerra se deu quando do anúncio do início da invasão do Iraque, no saguão das Nações Unidas, quando se pediu a retirada do Guernica, de Picasso, do fundo de onde Colin Powell anunciaria o ataque.

Até que ponto a arte é realmente neutra, como muitos podem pensar? Frente a uma nada hipotética catástrofe “apocalíptica”, será tão gratuito se insurgir contra este estado de coisas? Não será maior a urgência frente a todos os horrores que podemos ter pela frente? Nos últimos anos, contra todos os vaticínios da pós-modernidade (definitivamente enterrada, por sinal, após o 11 de setembro), vimos o ressurgir de um impulso utópico, fosse em movimentos de protestos nas ruas (Seattle, Gênova, Praga, etc.),

fosse em ações artísticas de viés ativista que desafiavam as lógicas usuais da produção de arte. Essa insurgência artística viola códigos de arte, não apenas, como faziam seus antecessores, por uma migração de linguagem para outros suportes, mas através de ações de pura desobediência civil: de vandalismo da cultura massificada da publicidade, de signos institucionais da cultura ou da arte estabelecida; da sabotagem; da prática indiscriminada do plágio, da dissolução da autoria em nomes coletivos (múltiplos); do boicote ao mercado através de “greves de arte”; e até, numa recuperação de hábitos tipicamente sessentistas, rompimentos absolutos de barreiras entre o artista e o público numa inserção total (algumas vezes desapercebida) no cotidiano. Que muitas dessas ações se confundam com ativismo, na sua acepção mais literal, não é de forma alguma gratuito, mas tampouco serve como baliza para definições etiquetáveis a serem postas nas prateleiras do supermercado das artes. Por que é justamente contra ele e contra essa lógica mercantilista que tais ações se voltam, daí a semelhança desses “agentes da subversão” com seus parentes nas ruas ou no ciberespaço: os anônimos pixadores ou os hackers, muito mais do que com o “gênio” rebelde romântico.

Sinais de um tempo incerto, erupções agressivas como essas efetuam um combate assimétrico contra o monólito de um mercado que se quer “arte” quando representa apenas a ilusão de um cadáver há tempos já enterrado. Sob esta ótica, talvez possamos analisar com outros olhos a polêmica visão de Stockhausen sobre os atentados de 11 de setembro como a “maior obra de arte que já existiu”, ainda que nada os justifique.

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