AQUILO QUE ME ASSOLA

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15:01

À Sokurov

Por vezes asola-me a certeza que vou perder alguém.

Caminhos uma vez cruzados,

por uma continua margem de passeio

verticalidade de um trem interno

passando pelas paisagem mais escondidas de nós.

A certeza que perderemos o contato

com os seres que amamos em certa altura da existência

desmorona-me em chamas.

Corro como uma alucinação de mim mesmo,

A morte, com sua flecha certeira

levará para bem longe o toque das mãos,

não sairemos desse delírio de ser

sem a dor da perda em estado do bruto,

corações e mentes parecem afiados punhais ponte agudos

dilacerando essa possibilidade real,

longos tratados e sublimes mapas tentam desvendar os passos

mais a frente agregamos em nós

certezas mais solidas que as rochas,

razoes e propósitos mais profundos que os oceanos,

solidão de escolher a melhor cratera de verdades,

precisamos progressivamente esquecer

que perderemos um dia o contato com o mundo.

 

Perderemos o toque carinhoso no rosto da mãe e do pai

perderemos o abraço amigo e confissoes de amor,

perderemos até aquilo que nos parece insignificante

como o olhar para os pássaros e uma chuva passageira,

estamos preparados para sermos

esquecidos pelos vendavais do tempo?

aceitaremos com prazer e cordialidade

os rituais do nosso esquecimento?

 

e ainda pior...

esqueceremos com louvor e paz a perda irreparável do outro?

a perda...

é quando voltamos a ser criança

e olhamos para nós mesmos

pedindo abrigo...

 

 

 

 

 

João Leno Lima

25-12-2010

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Andrei Tarkovski - O rolo compressor e o violinista

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20:38

Andrei Tarkovski, Katoki i skripka, URSS, 1959

Primeiros Planos, Estética e Política, Política Estética

A análise de filmes do passado exige uma reconfiguração do olhar. Nossa percepção não tem como ser a mesma dos espectadores situados nos momentos nos quais as obras foram lançadas, embora percepções das mesmas evidências, em um mesmo momento e em uma mesma sociedade, também não sejam uniformes e dependam do repertório agenciado por cada espectador.

Já quando o espectador está, em relação à obra, décadas à frente e, em relação à origem da mesma, milhares de quilômetros distante, tem duas opções, não necessariamente excludentes, para penetrar na narrativa. Uma é assimilar as imagens a partir de informações colhidas fora delas, mediado pelo distanciamento em relação ao período histórico, assim como pela localização da obra no percurso dos autores e do cinema. Leva-se para o filme, assim, o manual de decodificação. Não há como se desvincular desse processo em textos analíticos. Uma outra opção, a princípio mais fácil, mas na verdade mais complexa, é ignorar os contextos, atendo-se apenas às evidências na tela. Não nos importa, nessa experiência, quem assina o filme.

Tampouco o futuro de sua filmografia, já tornado passado para o crítico. Busca-se na obra, portanto, sua permanência. E também sua capacidade de transpor barreiras culturais para se afirmar em outro ambiente, não sem inevitáveis ruídos e limites de comunicação. Tentaremos aqui uma aproximação dupla e complementar em relação a O Rolo Compressor e O Vilonista, de Andrei Tarkovski, um média metragem de conclusão de curso universitário pouco conhecido até por seus admiradores mais empenhados.


Primeiro, as evidências. Um menino fecha uma porta, desce as escadas carregando um violino, tenta esquivar-se de vizinhos, mais ou menos da mesma idade, que o atazanam e o desprezam, justamente por ele ser músico, circunstância que o torna diferente, distante de moleques rudes e agressivos. O músico mirim esconde-se, nesse início, no saguão de seu prédio. Tem medo de ser mal tratado. Nessa primeira aproximação, temos pistas temáticas: o embate entre arte e força, com conseqüente isolamento do artista, que vive em exílio social, asfixiado pela brutalidade. Vemos ainda nestes primeiros segundos, após meia dúzia de planos, algumas características que, no desenrolar das imagens, irão se tornar um padrão.

Há uma preocupação em situar os atores em espaços físicos bem definidos, um rigor na distribuição simétrica dos corpos e objetos nesse espaço, a quase obsessão em compor a cena com raios solares e sombras, enquadramentos construídos em posições pensadas para aumentar ou diminuir o tamanho dos personagens na tela (câmera baixa, câmera no alto) e uma busca de uma harmonia visual pictórica, mesmo quando a câmera está em movimento. Mais alguns segundos e vemos outro recurso, até desnecessário às vezes, que retornará em um trecho ou outro: o uso da grua, que ora vem de cima e se aproxima dos atores, ora sai do chão e, subindo, distancia-se dos corpos. A profundidade de campo também será acionada aqui e ali, motivando cenas aparentemente concebidas apenas para sua utilização.

Tem-se assim, dos primeiros aos últimos minutos, um culto à imagem, com a decorrente manipulação de sua superfície. Dois momentos revelam essa disposição em distorcer os signos para se afastar de significações imediatas e sugerir outras no lugar. Primeiro quando o menino pára diante de uma vitrine e olha imagens duplicadas nos espelhos à sua frente. Ele sorri, tem prazer com a percepção diferente do mundo. Poucos segundos adiante, em uma prova de música, durante a qual a professora cobra do garoto o andamento correto, mais veloz, vemos uma imagem desfocada, que sugere um pêndulo, um marcador do ritmo musical. É um copo de água, com esta em movimento.


Nas relações entre os seres, assim como nas ações deles, surgem significações políticas. Essas derivam da aproximação entre os dois personagens centrais, o menino músico e um operário, que ao longo da narrativa iniciam uma amizade. O menino aprenderá com o operário a tomar partido nas situações injustas e a reagir dentro das possibilidades quando tentam oprimi-lo. O operário aprenderá com o menino uma ou outra coisa sobre música. A relação seria selada em uma sessão de cinema, do filme Chapayev, dos irmãos Vassiliev, título símbolo da pobreza estética dos anos 50 na URSS. Essa aproximação do artista com o proletariado, um enriquecendo o outro, é explicitada em uma seqüência, elaborada com montagem paralela. Vemos a imagem do operário trabalhando e do menino tocando violino. O som da máquina e o do instrumento preenchem o quadro. Na cena seguinte, o menino, mãos sujas de graxa, com as quais tocou o violino, é repreendido pela mãe. Seu encontro com o operário é abortado pela autoridade familiar. Somente em um sonho-delírio a união poderá ser realizada.


Percebe-se nessas situações a construção de uma postura política crítica em relação a pelo menos dois alvos: uma nova geração desprovida de sofisticação na formação, que reage à vida com ressentimento, e adultos apegados a um rigor conservador, expresso tanto pela mãe como pela professora de música. Nos dois casos, tolhe-se a liberdade, comportamental e artística. A mãe o impede de sair de casa. A professora exige cumprimento do ritmo. Não estamos nessa primeira passada de olho criando paralelos entre esse material e a sociedade no qual foi construído em um momento específico (a sociedade soviética de finalzinho dos anos 50).

Fiquemos por ora na autonomia da diegese. A abordagem política está na tela, sem alegorias ou simbolismos explícitos, embora, quando vemos casas velhas sendo derrubadas e ao fundo avistamos um prédio alto e novo, no qual reflete intenso raio solar, somos convidados a perceber as evidências de mudanças naquele meio onde vivem os personagens. Vira-se uma página, do velho para o novo, embora não saibamos, pelas evidências na tela, nenhum contexto mais amplo, assim como nenhuma informação mais concreta. Também percebemos, ainda pela evidência, que essa mudança, a rigor, está limitada pelas autoridades. É preciso cumprir à risca a convenção musical na aula e obedecer à proibição da mãe de sair de casa. A imaginação, expressa na cena final, seria uma fuga. Ou melhor: um concerto para o mundo.


Mas esse não é um filme qualquer, mas um média-metragem de Tarkovski, realizado poucos anos antes de A Infância de Ivan, sua estréia em longa-metragem. O cineasta faria apenas outros cinco até se despedir com O Sacrifício. Em virtude do conhecimento de suas obras posteriores, tendemos a ver em sua primeira experiência sinais de traços estilísticos depois melhor elaborados, ou ainda características menos comuns em sua filmografia. Também somos tentados a identificar a postura crítica com as autoridades, quando tinha 28 anos e nada no currículo fílmico, que antecipa as lutas do artista contra a burocracia e a censura soviéticas. Há nesse trabalho de faculdade alguns componentes trakovsvianos.

Em relação a A Infância de Ivan, sua "estréia oficial" (definido por Jean Paul Sartre como "surrealismo socialista"), a aproximação é imediata, não sem distinções para cada um dos títulos. Não é aleatória a opção por dois desfechos situados no terreno da imaginação, onde os limites do real são corrigidos não sem perda do olhar crítico. Percebe-se nessa libertação pela arte ecos de Invitation to a Beheading, de Nabokov, livro publicado em fascículos em 1932, no qual o protagonista, Cincinnatus C resiste à asfixia política pela escrita. Seu heroísmo não está em ações com metas coletivas, mas em resistir a ser como os outros. A recusa em atender o que esperam dele, para assim não compactuar com um sistema produtor de iguais, faz do personagem um rebelde disposto a não conceder.


Há outra aproximação com A Infância de Ivan. Ambos têm como protagonistas uma criança, embora, no longa-metragem, a rebeldia já esteja sedimentada no menino, ao contrário de em O Rolo Compromessor e o Violinista, no qual o espírito subversivo ainda está para brotar, ou melhor, brota apenas na imaginação. De qualquer forma, ao optar por crianças (ou pelo futuro em gestação), mas sem lhes dar obviamente otimismo, o cineasta revela, sem meias luzes, ceticismo no mundo concreto e crença na arte, não expressando isso, contudo, em forma de pregação. "Eu não dirigi nenhuma mensagem à Rússia porque não sou um profeta, nem faço parte dos artistas com discursos semelhantes aos de fiéis em uma catedral" (1).


Sem tanta freqüência e vigor no rompimento com o mimetismo, como já ocorre em A Infância de Ivan, mas já incorporando a obsessão pela água como reflexo de imagens (presente com mais força em A Infância de Ivan, Solaris e Nostalgia), a busca de uma imagem não naturalista e a construção de um mundo com estatuto próprio, O Rolo Compressor e O Violinista apresenta um cineasta com olho apurado, contemporâneo do início de outros autores dispostos a retrabalhar a linguagem (Jean-Luc Godard, Píer Paolo Pasolini, Alain Resnais), que se desvia da tradição do cinema soviético, priorizando o subjetivo ao coletivo, com fio condutor individual, capaz de carregar um mundo em sua visão. O fato do mentor de Tarkovski no Instituto Estatal de Cinematografia ter sido Mikhail Romm, discípulo de Eisenstein, não promoveu nenhuma aspiração nele de tornar-se herdeiro eisensteiniano. Pelo contrário: seu fundamento estético é o plano, o tempo da cena, "a pressão interna da imagem", não a montagem-choque, ou o encadeamento violento, com sua indução didática ou alucinatória, como praticavam Eisenstein e Vertov.


Em certa medida, Tarkovski reagiu a seu tempo (sociedade e cinema). Sua formação cinefilíca, nos anos 40, foi muito pobre. O realismo soviético instaurado nos anos 30, ainda durante sua infância, havia matado a arte em nome da propaganda política. A fase final de Pudovkin, por exemplo, tinha pouca indagação estética e, de forma geral, acomodado em um estilo reacionário, o cinema soviético, antes revolucionário na forma (mais que no conteúdo), aburguesara-se (na forma) e mumificara-se (no conteúdo). O regime comunista também já não iludia mais os artistas. Tarkovski, de certa maneira, responde a isso. Nada da papagaiada realista, com seu slogan mentiroso de se mostrar a realidade como é , ou, na verdade, como queriam que ela fosse, de acordo com conveniências do PC. Seu cinema é alérgico a programas e à missão de reproduzir a realidade (ou de se representar a realidade de forma distorcida para vendê-la como imitação fiel dos fatos e dos contextos). Isso não significa que, por nortear-se pela moral e não pela ideologia (como preconizava Godard), tenha abortado uma visão política. Essa está lá, nas imagens, basta enxergar.


(1) Entrevista concedida ao France Culture em 7-1-86
Cléber Eduardo

 

 

 

TEXTO ORIGINAL EM> CONTRACAMPO

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Daniel Ellsberg: Precursor do WikiLeaks e inimigo da teoria económica neoliberal

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11:57

 

 

por Yanis Varoufakis [*]

Daniel Ellsberg. Não é a primeira vez que milhares de documentos classificados foram "libertados", revelando a um público espantado como o seu governo travou uma guerra deliberada de desinformação contra si a fim de dobrar a sua vontade quanto a uma guerra inútil: uma guerra em cujo altar o público enganado é solicitado ritualmente a sacrificar os seus filhos, maridos, esposas, amigos. Esta não é a primeira vez que o establishment uniu-se na sua condenação do corajoso "denunciante" por "colocar as vidas de soldados e mulheres em risco". Não é sequer a primeira vez em que o portador de verdades odiosas foi denegrido, perseguido, aprisionado.


Nesse sentido, nada mudou. Excepto, naturalmente, que, na era da Internet, o WikiLeaks pode inundar o mundo, por meio de uns poucos toques de teclas, com os documentos classificados sacados dos seus cofres bem guardados num minúsculo dispositivo USB. Velocidade e volume contam. No entanto, esta geração de buscadores da verdade, corajosamente a combater pelo direito a saber, ainda deve aos seus antecessores um preito de gratidão por lhes abrir o caminho numa época em que dar fuga à informação significava árduo trabalho físico (noites infindáveis em fotocopiadoras) o que os expunha a riscos muito maiores.

O mais celebrado antecessor do WikiLeaks é, naturalmente, nada menos do que um economista educado em Harvard, Daniel Ellsberg. A sua história é de uma coragem, honestidade intelectual e brilho científico incomuns, pela qual, talvez sem ele próprio saber, deparou-se com um resultado analítico e empírico que deveria ter posto um travão aos trabalhos da teoria económica neoliberal.
A história recordará Ellsberg como uma figura do establishment, o cientista Guerreiro Frio e estrategista político cuja consciência se ergueu contra os seus próprios esforços e que executou um acto notável de resistência: um acto que efectivamente minou a argumentação moral e militar para continuar a Guerra do Vietname. Quase toda gente recorda os infames Pentagon Papers que Ellsberg passou à imprensa, revelando a verdade de que a carnificina chamada Guerra do Vietname era não só uma guerra invencível como também que, notavelmente, os que tinham o poder tinham conhecimento disso há anos e mesmo assim continuavam a enviar jovens soldados à Indochina para matarem e serem mortos. Entretanto, o que é menos sabido é que Ellsberg também costumava, de forma sub-reptícia, minar as falsidades estabelecidas em outro campo de batalha crucial.


O experimento subversivo


Ellsberg principiou a sua carreira como um cientista da RAND que passava o tempo a estudar a teoria da decisão: modelos matemáticos cujo objectivo é estabelecer as regras das escolhas racionais face à incerteza. O Pentágono preocupava-se com estes modelos pois queria ajuda sobre quando atacar, como atacar preventivamente um inimigo, como planear ataques nucleares, etc. Naquele tempo, alguns dos melhores e mais dotados trabalhavam na RAND ou em torno dela sobre estes modelos matemáticos, com John von Neumann como líder natural do conjunto.


A importância destes modelos não pode ser exagerada. O seu principal artifício era converter matematicamente opções incertas em outras bem definidas. A ideia original (devida primariamente a von Neumann e posteriormente a Leo Savage) era simples: considerar toda opção disponível para o decisor (exemplo: posicionar um submarino nuclear ao largo de Vladivostok ou reduzir o preço do seu produto para minar seu competidores); calcular os valores esperados de cada opção, uma vez consideradas todas as probabilidades relevantes; escolher então a opção com o maior valor esperado.


Perguntou alguma vez onde os engenheiros financeiros que nos deram os agora famosos derivativos tóxicos obtiveram tanta confiança para calcular números exóticos, como Valor em risco (Value at Risk, VAR), os quais tranquilizavam os administradores de riscos dos bancos e levava-os à aceitação imbecil dos riscos absurdos (mas supostamente "sem riscos") que os seus rapazes estavam a assumir? A resposta: estes mesmos modelos matemáticos elaborados na RAND e outras entidades tais como as unidades de investigação da Guerra-fria na década de 1950. Todas estas pessoas incrivelmente inteligentes acreditavam piamente que a sua abordagem matemática do valor esperado era o caminho para avançar. Todas excepto uma: Daniel Ellsberg, que logo, desde o princípio e com absoluta honestidade intelectual, revelou a loucura absoluta de toda a abordagem. Para demonstrá-lo, concebeu um experimento brilhante.


Suponha que uma urna contenha 90 bolas e dizem-lhe (a) que 30 são vermelhas e (b) que as restantes 60 bolas são uma mistura desconhecida de negras e amarelas (Importante: não lhe dizem quantas destas 60 negras ou amarelas são realmente negras ou amarelas. Na verdade, podem ser todas amarelas, todas negras ou qualquer combinação de negras e amarelas).

Uma bola é seleccionada aleatoriamente e dão-lhe a seguinte escolha. A Opção I lhe dará US$100 se for retirada uma bola vermelha e nada se for negra ou amarela. A Opção II lhe dará US$100 se for retirada uma bola negra e nada se for uma vermelha ou amarela. Aqui está um resumo das opções:

Vermelho

Negro

Amarelo

Opção I
$100
0
0

Opção II
0
$100
0

Anote a sua escolha e considere então duas outras opções baseadas igualmente na retirada aleatória desta urna (depois de as bolas terem sido recolocadas de modo a que a urna contenha as mesmas bolas como antes:

Vermelho

Negro

Amarelo

Opção III
$100
0
$100

Opção IV
0
$100
$100

Qual opção escolheria agora?


O experimento, no qual Ellsberg pediu a centenas de pessoas inteligentes para efectuarem estas escolhas, revelou que a maior parte das pessoas seleccionou as Opções I e IV. Ellsberg destacou então que estes resultados não podiam sem enquadrados com a abordagem matemática (descrita acima) preferida pelos seus colegas da RAND. Por que?


Recordar que os matemáticos da RAND assumiam que, quando apresentados com opções incertas, a pessoa racional assinalaria um valor numérico específico a cada uma e então escolheria a opção com o valor mais alto. Nesta interpretação, quando uma pessoa escolhe a Opção I em detrimento da Opção II, ela está a revelar uma expectativa de que deve haver mais bolas vermelhas na urna do que negras (uma vez que o número de bolas amarelas não tem consequência, uma vez que ela nada ganhará na outra opção se uma amarela for retirada da urna). Contudo, quando a mesma pessoa prefere a Opção IV à Opção III, ela revela exactamente o oposto: que pensa haver mais bolas negras do que vermelhas na urna. (Por que de outro modo daria uma avaliação mais alta à Opção IV do que à Opção III?). Mas isto não pode ser "racional". Não há, na verdade, qualquer meio para que alguém possa racionalizar uma crença de que há mais bolas vermelhas do que negras quando escolhendo entre as Opções I e II e, ao mesmo tempo, pensar que há mais bolas negras do que vermelhas quando escolhendo entre as Opções III e IV. Afinal de contas, trata-se da mesma urna que contem as mesmas bolas.


Então, o que está a acontecer aqui? A explicação simples de Ellsberg é que as pessoas não actuam como os seus colegas da RAND esperavam. Que elas não olham para as suas várias opções de risco, atribuem-lhe diferente valores numéricos esperados e então tratam de escolher a que tem o valor mais alto. As pessoas reais, pensava Ellsberg, interessam-se por algo que os cientistas da RAND desprezam: nós não gostamos de ambiguidade! Para ver o que isto significa, recorde, ao escolher entre as Opções I e II, a pessoa que opta por I sabe a probabilidade exacta de ganhar US$100: é 1 em 3 (uma vez que lhe foi dito inequivocamente que 30 das noventa bolas na urna são vermelhas). Em contraste, se escolhesse a Opção II, a probabilidade de vencer seria desconhecida para ela (uma vez que a proporção de bolas negras é desconhecida). Agora olhe as Opções III e IV. Mais uma vez, ao escolher a Opção IV, a pessoa sabe a probabilidade exacta de vencer: 2 em 3 (uma vez que 60 das bolas não são vermelhas). Em contraste, a probabilidade de ganhar US$100 ao escolher a Opção III é ambígua (pois a proporção de bolas vermelhas e amarelas é desconhecida). Por outras palavras, as escolhas de I e IV podem ser explicadas pela aversão à ambiguidade e preferência por opções que venham com informação precisa e objectiva acerca da probabilidade de ganhar ou perder. Esta espécie de preferência viola a lógica dos cientistas da RAND mas não pode de modo algum ser ignorada.

Este experimento, cujos resultados Ellberg publicou em 1961, [1] passou a ser conhecido como o Paradoxo de Ellsberg . A sua importância é que reflecte um problema mais profundo de toda a teoria económica neoliberal: o tipo de teoria que, especialmente após o fim de Bretton Woods, apossou-se não só da academia como também do sector financeiro e da elaboração da política económica nos governos. O seu princípio básico era, e continua a ser, que coisas incertas podem ser tratadas como se fossem seguras, desde que os riscos tenham sido factorados probabilisticamente! Risco sem risco, por outras palavras. Será que isto o recorda de alguma coisa? Como as classificações AAA dos derivativos que explodiram em 2008?


Ellsberg lançou a advertência urgente de que avaliações de probabilidade captam de forma inadequada o modo como a incerteza entra na tomada de decisão. Embora ele não o tenha dito no momento da publicação do artigo, o experimento acima deveria fazer soar campainhas de alarme todas as vezes que fosse proposto um modelo neoliberal. Se a contribuição científica de Ellsberg não tivesse sido ignorado pela profissão das ciências económicas, os últimos trinta anos ou pouco mais poderiam ter sido diferentes. Infelizmente, resultados científicos como esse de Daniel Ellsberg podem ser seguramente ignorados quando a pista do dinheiro aponta uma direcção diferente.


A grande fuga


Possivelmente devido ao seu profundo envolvimento na RAND e no complexo militar-industrial do qual a RAND era uma parte importante, Ellsberg tornou-se profundamente envolvido na política do governo dos EUA, a saber, a corrida às armas nucleares, a Crise Cubana dos Mísseis, a Guerra do Vietname, etc. Devido às suas credenciais inquestionáveis como empregado da RAND e como um Guerreiro Frio, ele tinha acesso aos chamados Pentagon Papers: um vasto conjunto de documentos altamente classificados que provavam para além de qualquer dúvida que toda a administração dos EUA já sabia que a guerra não podia ser vencida e que as baixas seriam enormes.


Chocado com o que lia, Ellsberg começou a comparecer a reuniões anti-Guerra do Vietname. Em 1969, numa destas reuniões, encontrou um soldado que estava determinado a tomar posição contra a continuação dessa guerra estúpida mesmo que tivesse de ir para a prisão. Ter contacto pessoal com um objector de consciência de carne e osso, um homem pronto para arriscar tudo a fim de fazer a coisa certa, provocou a epifania de Ellsberg a qual o estimulou a tornar-se o mais famoso dissidente do governo dos EUA.


Com a assistência de outro empregado da RAND, ele passou noites incontáveis a fotocopiar documentos, um por um. Depois de terem fracassado as suas tentativas de interessar legisladores quanto ao seu conteúdo, ele passou-as para o New York Times e o Washington Post. Os primeiros extractos explosivos foram publicados em Junho de 1971. A seguir Ellsberg foi despedido do seu emprego e em 1973 foi sujeito a um julgamento sob acusações que o teriam feito passar mais de 110 anos na prisão. Contudo, a notoriedade do seu caso, a defesa rigorosa por advogados qualificados e a evidência clara de subterfúgio do governo (incluindo uma campanha encoberta para difamar e mesmo insultar Ellsberg) levaram finalmente à sua absolvição. Até hoje o establishment americano, incluindo a RAND, não o esqueceu.

Epílogo


No momento em que os nossos estados "liberais" emitiram o equivalente a uma fatwa contra Julian Assange por ajudar, através do WikiLeaks, a tornar públicas verdades vergonhosas, é importante para esta geração recordar os pioneiros, e aprender com eles, nesta luta inter-temporal contra a misantrópica indústria militar e do confusionismo económico.

[1] Ver Daniel Ellsberg (1961) "Risk, Ambiguity, and the Savage Axioms," Quarterly Journal of Economics, 75 (4): 643-669. Curiosamente, o seu resultado experimental está próximo da rejeição de John Maynard Keynes da noção de que, num mundo incerto, pessoas racionais comportam-se como se fossem maximizar alguma função bem definida envolvendo expectativas matemáticas.
[*] Professor de Teoria Económica e director do Departamento de Economia Política da Faculdade de Ciências Económicas da Universidade de Atenas. Seus livros incluem: The Global Minotaur: The True Origins of the Financial Crisis and the Future of the World Economy; (com S. Hargreaves-Heap) Game Theory: A Critical Text (Routledge, 2004); Foundations of Economics: A Beginner's Companion (Routledge, 1998); and Rational Conflict (Blackwell Publishers, 1991). O artigo acima resume argumentos apresentados no Capítulo 12 de Modern Political Economics: Making Sense of the Post-2008 World, de autoria de Yanis Varoufakis, Joseph Halevi, e Nicholas Theocarakis (a ser publicado em Março 2011 pela Routledge).


O original encontra-se em

http://mrzine.monthlyreview.org/2010/varoufakis161210.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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Marituba - Longa e Tenebrosa Estrada

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11:39

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Velho/Novo ginásio de Esportes jamais terminado

Para uma cidade montada na beira da estrada e para alguns quilômetros de Belém, Marituba parece um amontoado de casas mal construídas (digo sem planejamento) que vao despontando rumo ao futuro caótico onde o poder público é refém de seu próprio amadorismo e ganância.

Desde da sua emancipação a cidade pouco andou para frente, aliás, nesse sentido, retrocedeu. Já teve estádios de futebol (amadores) belos igarapés, cinema e cines teatro além da estrada de ferro. Hoje dominada pela falta de infra estrutura em hospitais públicos, pela ausência de uma politica que traga alternativas de emprego para uma população que vive da informalidade ou trabalha na capital e a falta de apoio a cultura (sem a mascarada postura elitista de selecionar apenas os “seus”) além disso, outra grave problema que não é exclusivo da cidade assola…Drogas.

Marituba já é vista como uma das mais violentas cidades da região (claro a imprensa transforma isso num espetáculo midiático) e seus dependentes químicos se esbarram pelas ruas pouco iluminadas a procura de poucos trocados ou de vítimas casuais para furto de objetos a serem trocados nas instituições capitalizadas para isso.

Se por um lado o cenário é desolador (e é) Marituba tem desdá sua existência um vocação para as artes. Grupos de teatro, bandas, grafites, grupos de poesia e carimbó fazem parte da história da cidade e pauta sua relevância no cenário metropolitano. Em meio ao descaso do estado a arte transborda nos bueiros abertos e onde reina a corrupção mistura-se longas caminhadas de seus artistas marginais por conveniência.

Nesse ponto, Marituba vive um contraste invisível. O incentivo a cultura é vazio e pouco dialogia com a vanguarda e suas reflexões (não se pode esperar outra coisa do estado) e a dita “vanguarda” parece pouco disposta a se organizar para retomar seu espaço. Um dilema sempre revisto nas “mesas” de discussão underground que parece durar a eternidade.

A verdade é que sem o apoio do poder público os movimentos da cidade tendem a se esvaziar de ações, o que deveria ser ao contrário, sabendo que o poder do estado tem interesses superficiais em relação a arte e sua parcela fica na esfera do entretenimento e não é de sua vocação qualquer ruptura com a máquina capitalista; os movimentos na cidade deveriam se unir, em coletivos e movimentos de ação e estudo (algo que soa acadêmico se você apenas quiser teorizar mas que é fundamental para a estrutura do argumento das ações) e  estudar (com projetos, ações coletivas, oficinas, performances, panfletagem, rádio, internet etc....)  uma maneira de se inserir no campo social e  para a melhoria da vida das pessoas naquilo que cabe ao artista, levar sua arte e fazer que ela ajude no processo de humanização e integração da pessoa com ela mesma ao ponto que ela se liberta dos grilhões da mídia televisiva, da propaganda, da força politica desdenhosa com os assuntos de interesse mútuo, com os traficantes e suas vidas cheio de luxo em nome da desgraça de famílias, dos jovens envelhecidos pela sua própria ausência de sentido em viver um uma cidade que pouco se importa com o ser humano e onde a banalização da vida é so reflexo do mundo em que vivemos hoje.

Cabe a todos o amadurecimento para encontrar a razão de existir de uma cidade que pode melhorar se as pessoas acreditarem nelas mesmas, nas pessoas ao redor que podem ajudar e no futuro. Sem isso, viver em Marituba pode se tornar insuportável.

 

João Leno Lima

21-12-2010

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EUA pressionaram BRASIL por acordo que dificultava punir abusos

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11:36

 

O Itamaraty encerrou uma parceria com os EUA para treinamento de militares após sofrer pressão para assinar acordo bilateral que visava dificultar o trabalho do Tribunal Penal Internacional (TPI). A informação consta de documentos levados a público pela ONG WikiLeaks. As negociações ocorreram sobretudo entre 2004 e 2005. Em 2002, o TPI, ligado à ONU, foi criado para julgar casos de abusos contra os direitos humanos. Os EUA, porém, não reconheceram a autoridade do novo órgão. A informações são do jornal Folha de S. Paulo.

O governo de George W. Bush começou então uma campanha para fechar acordos bilaterais de imunidade -denominados genericamente "Artigo 98"- com países que reconheciam o TPI. O objetivo era que cidadãos americanos, sobretudo militares, que cometessem crimes nesses países não fossem julgados no TPI, sediado em Haia (Holanda). Segundo os telegramas, inicialmente o Brasil se mostrou aberto a negociar condições especiais para militares americanos que participassem de exercícios militares em território nacional, mas rechaçou o acordo.

 

 

 

 

NotIcia ORIGINAL EM>

noticias.terra

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Negociatas à vista

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17:23

por Correio da Cidadania

 

 

Para sediar a Copa e os Jogos Olímpicos a FIFA exige que o Brasil construa novos estádios de futebol.
Trata-se de uma chantagem. O Brasil já possui estádios suficientes para abrigar os públicos interno e externo que irão assistir a esses eventos.
Além dos estádios, a FIFA exige que o Brasil amplie seus aeroportos – gasto igualmente desnecessário.
Sem dúvida, o esporte é uma atividade importante e merece a atenção do poder público. Contudo, um país que não consegue sequer alimentar adequadamente todo o seu povo precisa alocar os escassos recursos do seu orçamento em obras mais urgentes.
É pouco provável, entretanto, que o bom senso prevaleça. A grande massa apóia o gasto e, além disso, propiciará polpudos contratos com empreiteiras e muita especulação imobiliária – uma conjugação de muito poderosos interesses.
Tão certos estão os empresários da efetivação de tais gastos que os preços dos terrenos nas regiões em que serão construídos os estádios já aumentaram substancialmente. Para isto contribui o governo, que já iniciou a higienização social dos bairros onde se localizarão os estádios. Negros, pardos, cafusos e brancos pobres já foram advertidos de que não se tolerará qualquer tipo de comportamento que venha a incomodar os turistas.
A recente operação policial-militar realizada nos morros do Rio de Janeiro não teve, na verdade, o objetivo de prender narcotraficantes. A Polícia sabe muito bem que os chefes do narco não moram nos morros do Rio, mas nos luxuosos apartamentos da Vieira Souto [1] . Nos morros moram os sargentos e soldados desse exército criminoso.
Os primeiros, instalados no alto dos morros, com visão total da aproximação dos veículos policiais, obviamente escaparam a tempo. Ficaram os soldados, estes que vimos correndo desesperados, no show televisivo que a mídia encenou a fim de que a advertência extrapolasse o Rio de Janeiro e atingisse os pobres de todo o país.
Um gráfico dos locais nos quais foram instalados os quartéis da UPP (Unidade de Policia Pacificadora) coincide exatamente com a proximidade entre favelas e bairros elegantes. Nos morros mais distantes não se cogitou disso.
Urge fazer um movimento de opinião para bloquear a negociata. O Brasil não tem pó rque curvar-se a uma corja de cartolas que vivem da exploração do fascínio que o esporte desperta em todos nós.

17/Dezembro/2010

[1] A Av. Vieira Souto, na zona Sul do Rio de Janeiro, é conhecida por ter o mais alto custo por metro quadrado da América Latina .


O original encontra-se em http://www.correiocidadania.com.br/content/view/5303/128/


Este editorial encontra-se em http://resistir.info/ .

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Terrorismo de Estado e a Insegurança Pública das Ações Policiais no Rio de Janeiro

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13:55

 

Federação Anarquista do Rio de Janeiro

 

Após a tomada de uma casa que servia a traficantes na Vila Cruzeiro  (favela da cidade do Rio), um policial foi perguntado sobre qual seria  o destino do imóvel. A resposta foi que – como símbolo do que está  acontecendo na comunidade – ali passaria a funcionar um batalhão da PM. Realmente tal “mudança” na função do imóvel é bastante emblemática  do que ocorre hoje na vida da população de favela. Onde antes existam  homens armados intimidando o povo, agora haverá... homens armados  intimidando o povo, só que uniformizados e remunerados pelos cofres  públicos. A população está passando a ser oprimida pelos ditadores fardados e não mais pelos já conhecidos varejistas da droga.

Na quinta-feira, 25 de novembro de 2010, uma ação que reuniu três mil policiais e militares das Forças Armadas ocupou simultaneamente as comunidades de Vila Cruzeiro (uma das 10 favelas do complexo da Penha)  e o Complexo do Alemão ( formado por 12 favelas), ambas na capital fluminense. Na região vivem mais de 400 mil pessoas. E qual o perfil desse povo? Será que o que ele está precisando é de mais armamento e truculência estatal? Quais são suas demandas?

Bem, o Complexo do Alemão é considerado, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bairro dono dos piores Índices de Desenvolvimento Social (IDS) do Rio de Janeiro. Calculado ainda que pelo suspeito Instituto Pereira Passos (IPP), o índice leva em consideração o acesso da população ao saneamento básico, à habitação, à escola e ao mercado de trabalho. Segundo os dados, nas 12 comunidades do maior complexo de favelas da cidade, 15% das residências não contam com rede de esgoto; 36,43% dos chefes de família têm menos de quatro anos de estudo; um em cada 11 moradores com mais de 15 anos de idade é analfabeto; na faixa etária entre 15 e 17 anos, 11,37% das meninas já são mães; 60,55% dos trabalhadores ganham, no máximo, dois salários mínimos; na faixa etária dos 15 aos 17 anos, 27,83% dos jovens não freqüentam a escola.

Mesmo assim, as ações que vemos por parte do governo em nada se voltam para a reversão desse quadro calamitoso. Pelo contrário, os sucessivos governos roubam e espancam camelôs através da Guarda Municipal; reprimem os sem-terra, favorecendo assim o êxodo rural e o aumento de favelas... O mesmo Estado que diz querer resolver o problema das favelas ataca o movimento sem-teto, fazendo, com isso, que famílias deixem de viver de maneira comunitária e harmônica em ocupações e sejam obrigadas a residir em morros labirínticos, facilmente domináveis por traficantes e milícias opressoras. A verdade é que o Estado não quer resolver o problema das comunidades carentes, mas sim favorecer grandes comerciantes, latifundiários e a especulação imobiliária.

O curioso é que alguns políticos, mesmo aqueles que se notabilizam pela defesa de políticas humanitárias, não têm feito muito para impedir a ascensão de um Estado policialesco. É o caso do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) - aliás estrela, na pele do personagem "Fraga", do comemoradíssimo "Tropa de Elite 2", do não menos "comemorado" liberal José Padilha - que pregou em seu recente discurso na ALERJ: mais recursos públicos para a PM, mais armamentos, mais "inteligência" e maiores salários para os policiais. Assim, a julgar pelo discurso de Freixo, em que pese algumas outras sugestões previstas em um contexto de “estado de direito”, este prescreve medidas no sentido do aperfeiçoamento das principais instituições repressivas (polícias, exércitos etc.), nas suas funções de defesa da propriedade privada e da legalidade burguesa. Dentro da perspectiva capitalista, essas são propostas coerentes, mas querer chamar isso de Socialismo é clara hipocrisia.

Hipocrisia também é o que podemos observar na maioria das coberturas que a imprensa tem feito ultimamente. A mídia burguesa brasileira (Rede Globo, SBT, Record e outras porcarias) têm transformado a cobertura das incursões policiais em verdadeiros shows, onde o  sensacionalismo e a bajulação do governo e suas polícias marcam forte presença. Só que, para boa parte dos moradores das favelas cariocas, as invasões policiais nas comunidades pouco têm de heróico, bonito ou glamouroso.

Em entrevista ao jornal Correio Brasiliense, o representante de vendas Ronai Braga, de 32 anos, morador da Vila Cruzeiro, denunciou a invasão de sua casa por policiais, que destruíram móveis e eletrodomésticos e roubaram cerca de 30 mil reais. O dinheiro era fruto de uma rescisão trabalhista e seria usado para comprar um imóvel, contou Ronai. No geral, a imprensa está criando um “oba-oba geral” em torno da  suposta “derrota do crime organizado”. Mas devemos ter um olhar mais atento sobre essa questão. Afinal, basta ver qual tipo de pessoa está sendo presa para notarmos algo de errado nessa história toda. Os presos – basta observar – são todos favelados negros e pardos. Ora, o crime organizado é aquele que permeia o aparelho estatal, tem ramificações internacionais, conta com representantes em parlamentos pelo mundo a fora, elege e derruba governos nacionais, ou seja: é obra de gente da elite.

Os que estão sendo presos hoje no Rio são só pequenos varejistas das drogas ou, no máximo, “micro-empresários” dos entorpecentes, que têm seguido a lógica “empreendedora” (leia-se individualista e não-solidária) propagada pela própria ideologia capitalista defendida pela imprensa brasileira.

Um outro aspecto conjuntural, aquele que nos remete a importância do Rio de Janeiro para os eventos de 2014 e 2016, Copa do Mundo e Olimpíadas respectivamente, encontra na especulação imobiliária  e nas obras de infra-estrutura para a capital do estado grande relevância. O projeto "Porto Maravilha", revitalização da área portuária do centro do Rio; os anéis viários, que já estão justificando a remoção de várias comunidades carentes na zona Oeste; assim como as ações orquestradas pelas obras do PAC, formam o conjunto de ações a compor o mosaico da fachada burguesa que deve substituir a cidade real, aquela formada pela imensa massa humana de explorados e oprimidos. E a guerra de classes, escamoteada pelo combate ao narcotráfico, na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, é apenas mais um sintoma.

Assim, no Capitalismo, as alternativas deixadas ao povo pobre, negro, oprimido, são mesmo bastante escassas. 122 anos após o término oficial da escravidão no Brasil, e 100 anos após a Revolta da Chibata, os negros e pardos ainda são imensa maioria nas favelas e prisões. Então  nos cabe perguntar: que possibilidade de ascensão é essa que a “democracia” nos garante, com igualdade de oportunidades?

Historicamente o Capitalismo tem reservado o que há de pior para os trabalhadores, tanto mais quando estes podem ser identificados com o crime e a contravenção. O que se assiste no Rio de Janeiro hoje, para além do que aqui foi exposto, é a didática parceria entre a mídia, o “poder público” e o empresariado. Como em outros momentos, tal acordo sempre custou muito ao povo. No caso atual, com maior evidência, a contabilidade pode ser aferida em vidas humanas.

Fonte: FARJ
Autor(a): FARJ

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ANARQUISMO JÁ!

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12:25

Ethel de Paula

 

(ARQUIVO RIZOMA)


O animal político também é criativo, anárquico, festivo. No Rio de Janeiro,um grupo de artistas plásticos elegeu o imprevisível como bandeira, fundando um comitê no apartamento de um deles e consolidando o que chamaram de ''phoder paralelo''. Nas ruas, palco democrático por

excelência, a ordem foi fazer performances, mexer com a ideologia
estabelecida, alterar a percepção da realidade. ''Criamos uma campanha fictícia e nos apresentamos como candidatos políticos, percorrendo vários pontos da cidade, distribuindo panfletos, camisetas, bananas e salsichão. As pessoas chegavam a assinar um documento se filiando ao nosso pseudo partido e prometendo votos. Também recebemos muitos pedidos dos nossos eleitores'', riu-se o pernambucano Edson Barrus, um dos envolvidos no teatro vivo.


''Trabalhamos com a ressignificação da idéia de poder. Por isso escreve-se phoder com ph. Assim, soa como efe e remete à gozo, à prazer. As performances apontam então para a surpresa, promovemos uma grande quermesse artística, tentando dissolver categorias repressoras, desestabilizar o que está posto, valorizando a inserção social e o indivíduo criativo'', defende Edson. Para tanto, impera a anarquia. O ''phoder paralelo'' é responsável pela pichação de pênis em outdoors de candidatos políticos nessa última eleição. ''Mais imoral que o desenho é a cara cínica dos políticos'', metralhou. O Aterro do Flamengo também foi alvo de protesto simbólico. ''Estendemos várias faixas onde se lia 'Xêre Brizola'.
Aqui, Brizola é uma gíria, significa cocaína. Então, por também ser o nome de um político, vem a calhar com o momento das eleições. Mas é importante que se diga: até então não havíamos assumido a
responsabilidade por nenhuma dessas ações. Isso para resguardar nossa integridade física'', segreda.


O grupo aprontou mais. Fernando de la Roque é o 'pai' da Barata Dourada que virou uma espécie de mascote do ''phoder paralelo'' em época de campanha eleitoral. ''Ele capturava uma barata viva e com spray fazia ela ficar dourada. Depois punha em um vidrinho transparente e vendia nas ruas por um real. Essa ação está ligada ao nojo que é a política, à reversão de valor através da maquiagem'', reflete Edson. Da sacada do apartamentocomitê, ainda voaram panfletos com instruções detalhadas sobre como inutilizar uma urna eletrônica. Já com o grupo Urucum, de Macapá, o ''phoder paralelo'' planejou uma intervenção conjunta. ''A gente mandava cartazes de candidatos daqui do Rio para eles espalharem por lá e eles faziam o mesmo conosco. Tudo para confundir os eleitores'', assume o
artista.


O poste e o ateu


Niterói é a cidade-sede da Galeria do Poste. No caso, um simples poste do bairro Gragoatá ganhou status de museu de arte desde que a comunidade artística assim resolveu, passando a usá-lo como legítimo suporte para periódicas exposições. Convidado a expor no poste, o carioca Felipe Barbosa aproveitou as eleições municipais do ano 2000 para devolver a ele sua função original de canal anônimo de informação. ''Nessa época, o poste adotado pelos artistas era o único poupado de cartazes e santinhos de
candidatos. Então resolvi criar meu próprio material de campanha, idêntico ao dos demais políticos, e pregar nele. Além do meu cartaz, onde se lia Felipe 2000, local e data da vernissage, preguei também os dos candidatos de fato, o que fez com que ele ficasse exatamente igual aos postes comuns'', detalha.


Na vernissage, porta título de eleitor, camiseta, adesivo de carro. Crítica indireta ao processo eleitoral, direta à sacralização dos espaços de arte. Mais incisiva do ponto de vista político, a intervenção do paulista Marcelo Cidade, na grande São Paulo, aconteceu de madrugada, às escondidas. ''Contratei pichadores para escrever sobre cartazes de candidatos políticos a palavra 'ateu', sugerindo assim a minha descrença em relação à política.
Sempre estive ligado ao grafite, a essa comunidade tida como underground. O curioso é que, em época de eleição, os candidatos fazem o mesmo que fiz, contratam para verem seus nomes pichados pela cidade, mas nesse caso a população aceita, a poluição visual é permitida, porque institucional'',
provoca.


(05/10/2002)
Fonte: Jornal O Povo (www.noolhar.com/opovo/).

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