Pós-Mídia

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Nos anos 80 estávamos todos como que paralisados pelos acontecimentos. Além do terror que se espalhava sobre a cena política italiana, a emergência de um poder que mais parecia uma simulação midiática de natureza fantasmagórica, despontava, para quem estava atento, como a mais perigosa tendência do autoritarismo pós-moderno.


Aproveitando as brechas que as rádios livres tinham aberto, quem se insinuou foi um advogado milanês, amigo dos saqueadores socialistas. O milanês abria canais de televisão um depois do outro. "Volte para casa bem depressa que o canal 5 te espera !", anunciavam os ameaçadores outdoors nas auto-estradas


Em 1984, na Universidade Autônoma de Montreal, ocorre um colóquio sobre as novas formas de autoritarismo, e eu disse que na Itália o perigo para a democracia provinha sobretudo de um milanês, que estava comprando a mente dos italianos através de canais de televisão e da publicidade. Começava a surgir no horizonte a mais inquietante das distopias, o pesadelo de Orwell, de Apinard, de Dick e de Burroughs, qual seja, a conquista da mente social pelos agentes tecno-virais manipulados por uma máfia sorridente e assassina.


No entanto, quando eu passava em Dhuizon, na casa vizinha à clínica psiquiátrica de LaBorde, Félix Guattari me falava de uma perspectiva completamente diferente. Enquanto o sistema midiático tornava-se o agente central da colonização mental e do autoritarismo político, Félix falava da sociedade pós-midiática.


A primeira vez que ele me falou nestes termos, pensei que estivesse brincando comigo. Mas depois ele começou a se explicar. E me falou — estávamos no início dos anos 80, talvez no verão de 82 - que não era o caso de temer o predomínio da televisão sobre os fluxos da comunicação social. De fato, segundo Guattari, os progressos da informática tornariam possível uma larga difusão de combinações rizomáticas. "Relações bidimencionais e multidirecionais entre coletivos de enunciação pós-midiática", dizia ele. Estas combinações, assim como seus modelos relacionais, iriam infectar o sistema televisivo centralizado, para depois perturbar e desestruturar todas as formas hierárquicas estatais e econômicas.


Félix estava descrevendo claramente a utopia da rede, rizoma proliferante de cérebros e de máquinas. Aquela utopia se encarnou na tecnologia, na cultura, inclusive na imprensa. Mas como todas as utopias, naturalmente, não é pacífica. Assim, trava-se uma guerra no contexto do devir pós-midiático. É a guerra interminável entre o domínio e a liberdade. No transcorrer dos anos 90, o rizoma desenvolveu-se, mas foi contaminado por vírus semiotizantes de natureza centralizadora e hierarquizadora. A penetração da publicidade, do business, da televisão na rede telemática foi um dos aspectos dessa infiltração. Outro aspecto foi a imposição da propriedade intelectual do software. Mas a complexidade do sistema rizomático não pode ser reduzida definitivamente pela ação de nenhum projeto redutor. Nesse sentido, a profecia pós-midiática de Félix Guattari segue sendo desmentida a cada dia e a cada dia confirmada pela dinâmica incessante do domínio e da liberdade.


Mas o ponto filosoficamente mais importante da profecia pós-midiática de Félix Guattari está aqui: Félix nos compele a perguntar o que quer dizer mediatização, e em que medida a mediatização envolve, incomoda, reprime, apaga a nossa singularidade corpórea. Nós estamos presos no emaranhado midiático porque isto torna possível uma expansão da nossa experiência, mas este emaranhado corre o risco de continuamente paralisar, imbecilizar, destruir a nossa singular sensibilidade.


A luta fundamental do tempo que corre é aquela que consiste em ritualizar continuamente a singular sensibilidade do nosso existir. É esta a batalha pós-midiática.


Tradução da Agência Imediata


Fonte: Rizoma.net

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