2011: ‘novo’ governo permanecerá na esfera da naturalização da desigualdade

0
22:00

 

Escrito por Valéria Nader, da Redação

04-Jan-2011

Encerra-se o mandato do primeiro presidente-operário e tem início o governo da primeira mulher eleita presidente do Brasil. Além de primeira mulher, a primeira presidente que o governo antecessor, após duplo mandato, conseguiu levar ao poder em todo o período de ‘democracia’ em nosso país.

Este poderia ser o início de uma nova era. Nada indica, no entanto, que o será. E não há nenhuma grande descoberta, e muito menos a tal ‘visão catastrofista’, nesta constatação. Ela é nada mais do que realista, respaldada em pelo menos duas situações relevantes.

Em primeiro lugar, respalda-se na avaliação mais profunda - aquela que vai além da citação das melhorias sociais dos últimos oito anos - dos dados estatísticos produzidos sob o governo Lula. Por último, estão aí as já notórias, recorrentes e reiteradas declarações do ‘andar de cima’ da equipe da presidente Dilma. Elas apontam claramente para a preocupação principal que deve rondar o governo: os índices de inflação, com a continuidade da política macroeconômica.

O atual quadro, não somente de desigualdade social, mas de deterioração patente das contas externas do país, combinada com a especialização regressiva do país exportador de commodities na divisão internacional do trabalho, não é negado nem mesmo pelos economistas mais conservadores. Não há como alterá-lo sem, no mínimo, reverter o atual modelo econômico do Brasil, de forte abertura financeira. O ‘acordo’ em torno ao crescimento caminha, no entanto, rumo ao clássico processo de ‘modernização conservadora’.

E fica uma anotação final. O novo governo, que teve como grande patrocinador o operário que em 2006 se reelegeu sob a bandeira de ácida crítica às privatizações tucanas, ordenou, como sua primeira medida do ano, estampada com alarde nas manchetes da grande mídia, a concessão à iniciativa privada da ampliação de dois dos maiores aeroportos do país.

Nosso entrevistado especial para esta primeira edição do ano é o historiador Mario Maestri. Para Maestri, a eleição de Dilma Rousseff no último pleito foi "uma enorme vitória do capital, que avançou seu projeto de reduzir as eleições a uma disputa bipartidária no interior de seu campo". Confira abaixo a entrevista.

Correio da Cidadania: Qual o seu balanço dos oito anos do governo de Lula?

Mario Maestri: O balanço central é a derrota econômica, social, política e ideológica dos trabalhadores, que emergem do período desorganizados e fragilizados na confiança em suas forças, programas, organizações e partidos. Derrota de grande dimensão, enquadrada por mais de vinte anos de refluxo do movimento social no mundo e no Brasil, após a vitória da maré liberal de fins dos anos 1980.

Correio da Cidadania: Estatísticos apontam crescimento do PIB, do emprego, dos rendimentos, dos reajustes do salário mínimo e do assistencialismo no governo Lula da Silva. Tudo isso resultaria na redução da pobreza e miséria e no crescimento da classe média. Procedem tais propostas?

Mario Maestri: O que desperta maior interesse, sociológico e político, é o consenso que tais sandices alcançam, mesmo entre segmentos sociais politizados. O que não pode ser explicado apenas pelo controle quase total da mídia, já que é explícita a precariedade quanto à saúde, moradia, educação, lazer, segurança etc. da enorme maioria da população.

Essa imensa credulidade parece dever-se em boa parte à incompletude da revolução burguesa no Brasil, realizada sem a intervenção dos oprimidos. Para enorme parcela dos segmentos médios, a população trabalhadora não é, nos fatos, gente de plena essência e direito. Consideram a situação de super-exploração e sub-cidadania em que vive como inevitável, se não necessária.

Vejamos o salário mínimo, o grande vetor de distribuição de renda, no qual o governo propõe ter feito grandes avanços: em verdade, descontado o aumento da produtividade, o concedido foi ínfimo, em valor. O salário mínimo segue sendo arbitrado, pelo governo, de forma impiedosa, radicalmente abaixo de seu valor real, para a alegria dos exploradores grandes, médios e pequenos e miséria dos trabalhadores.

Correio da Cidadania: Dessa forma, como avalia o processo eleitoral de 2010, que resultou na eleição de Dilma Rousseff?

Mario Maestri: Uma enorme vitória do capital, que avançou seu projeto de reduzir as eleições a uma disputa bipartidária no interior de seu campo. O capital manteve os partidos e programas dos trabalhadores fora da audiência e opções populares. Consolidou suas instituições e propostas pró-sistêmicas como únicas alternativas, com a adesão da enorme maioria das direções sindicais, populares, cidadãs.

Uma operação que não pode ser explicada apenas devido ao controle da mídia ou como produto da "crise" ou "traição" de direções. A cooptação das lideranças populares nasce também da enorme desorganização e alienação dos trabalhadores no Brasil, que realizaram escassamente sua constituição como classe para si. Entre nós, inexiste largo operariado esperando a direção revolucionária que supere a reformista.

Correio da Cidadania: A expressiva votação de Marina Silva permitirá constituir uma terceira via ambientalista, ou se trata de fenômeno eleitoral passageiro?

Mario Maestri: A senhora Marina Silva foi engana-bobo para o segundo turno. Sua votação foi viabilizada pela cobertura da mídia e pelas revelações sobre a ministra Erenice Guerra, do círculo próximo da senhora Dilma Rousseff. O eco-capitalismo não possui força para conformar pólo político sólido, como registra a despreocupação com ele na formação do atual governo. A verdadeira luta ambientalista é programa reprimido pelo capital.

Correio da Cidadania: Na formação do novo ministério, destacaram-se as exigências do PMDB por mais postos, a troca de comando no Banco Central, a saída de Amorim das Relações Exteriores, tido como progressista. Como avalia o ministério?

Mario Maestri: O ministério nasce senil, repetindo os vícios tradicionais: loteamento partidário; despreocupação com a capacidade técnica dos ministros; descaso com a opinião pública etc.

São paradigmáticos o retorno ao Ministério de Minas e Energia do advogado Édison Lobão, que explicou o mega-apagão de 2009 como motivado pelas chuvas e trovoadas, e a entronização do senhor Antônio Palocci na Casa Civil, objeto de incessantes denúncias desde o início de sua vida política institucional.

O senhor Celso Amorim apoiou a ocupação do Haiti, as pressões sobre o Paraguai, Equador, Bolívia etc. Eu o definiria como defensor de política mais autônoma, necessária aos interesses capitalistas no Brasil. Seu afastamento, a escandalosa continuidade do senhor Nélson Jobim, após alcaguetar o ministro Samuel Pinheiro Guimarães ao embaixador USA, e a designação do general Carvalho Siqueira, ex-comandante da ocupação militar do Haiti, para o Gabinete de Segurança Institucional, sugerem vontade de aproximação ao governo USA.

Manter o Meirelles, moço de recados do capital financeiro, era algemar o governo quanto a qualquer esforço real de redução da taxa de juros, único remédio para superar a valorização do real que mina a economia.

Correio da Cidadania: Qual a sua avaliação da conjuntura mundial e nacional, quanto à crise de 2008-2009? A economia estabilizou-se realmente, apesar dos países europeus mais fragilizados, como a Irlanda?

Mario Maestri: A população européia paga o custo do mega-financiamento do capital bancário e financeiro detonador da crise. Irlanda, Grécia, Espanha, Portugal, Inglaterra, Itália sofrem o peso de radicalização estratégica do confisco de conquistas e direitos já acelerado quando da contra-revolução neoliberal. À exceção da Grécia, a resposta operária tem sido fraca, devido à fragilidade do mundo do trabalho e à falta de política alternativa a essa neobarbarização social geral.

As políticas de austeridade − enormes cortes de salários, de investimentos, gastos sociais − minam a frágil retomada da produção no Velho Mundo. Realidade que golpeará também a Alemanha, que exporta sobretudo para a União Européia. É real o perigo de uma segunda onda recessiva, com os governos nacionais agora incapazes de financiar novas medidas anticíclicas.

Com a fragilidade econômica USA, a retomada da crise na Europa teria fortes reflexos na China, com conseqüências para a economia brasileira, dependente da exportação de commodities para o mercado oriental. Em tal cenário, os trabalhadores brasileiros perderiam, em um piscar de olhos, as migalhas obtidas no passado período de bonança.

Correio da Cidadania: Paulo Bernardo, ministro do Planejamento, justifica com o alegado déficit da Previdência o não aumento dos benefícios acima do mínimo. Propõe também política fiscal com despesas correntes primárias − previdência, salários do funcionalismo, assistência social etc. − crescendo menos que o PIB. Devemos esperar duras restrições aos gastos sociais?

Mario Maestri: Também no Brasil quem paga as liberalidades governamentais com o grande capital são os trabalhadores e a população. Também aqui já se iniciou a retirada das medidas anticíclicas: aumento da taxa de juro; acréscimo do depósito bancário compulsório; maior exigência para empréstimos de longo prazo; reajuste draconiano do salário mínimo etc. Certamente 2011 será ano de rigor, ainda mais que se espera que a provável expansão econômica minimize as conseqüências do aperto geral. Em 2012, haveria maior liberalidade, devido às eleições municipais.

Correio da Cidadania: A bancada do PT, PMDB e partidos governistas cresceu e a do PSDB e DEM encolheu. A maioria governamental facilitará um desmonte de direitos sociais ou há uma remota chance de que avancem iniciativas progressistas − reforma agrária, direitos sociais e democráticos?

Mario Maestri: A senhora Dilma Rousseff ajoelhou-lhe e pediu perdão pela passada defesa do direito de interrupção da gravidez indesejada, dos direitos dos homossexuais, do direito ao laicismo. Seu governo já está se movendo para trazer o abjeto Joseph Ratzinger ao Brasil, em 2012, a fim de consolidar a vergonhosa aliança explícita com os setores religiosos integralistas e não integralistas. Será uma mulher e ex-combatente que manterá no garrote da arbitrariedade esse direito democrático da mulher e a reivindicação da punição dos criminosos da ditadura!

Como nos últimos anos, será o PT − abraçado ao PMDB − que governará em nome do grande capital, com a certeza do apoio do PSDB e DEM, quando a pauta anti-social exigir. Talvez a única grande diferença entre o ex-presidente e a atual é que a senhora Dilma Rousseff não tem base social histórica para preservar.

Correio da Cidadania: Como o Brasil enfrentaria nova crise econômica, como a de 2008? Ela seria mais difícil de ser contornada sem Lula, já que Dilma Rousseff não tem a mesma experiência e prestígio político?

Mario Maestri: Não creio que o senhor Lula da Silva tenha contribuído pessoalmente para contornar a crise. A economia do Brasil foi golpeada relativamente menos devido a razões estruturais e conjunturais, nem sempre positivas. Não tínhamos créditos imobiliários podres, pois a população não tem condições para financiar a moradia; não havia exposição das finanças familiares, devido à baixa renda popular; possuíamos fortes bancos estatais. Sobretudo, a valorização do real, devido aos juros altos, recuara as exportações industriais e crescera as de commodities, direcionadas fortemente para a China, que manteve seu dinamismo.

Nossa situação hoje é talvez pior para enfrentar uma nova crise − cresceu o endividamento familiar, com o escandaloso crédito consignado e a expansão do uso do cartão de crédito, que talvez chegue em 2011 a uns 26% dos gastos familiares.

Aumentaram drasticamente os gastos com a subvenção do crédito ao setor produtivo, sobretudo via BNDES. A valorização do real mina a economia. É crível que a senhora Dilma Rousseff encontre condições piores, no caso de nova recessão.

Correio da Cidadania: Em entrevista ao Correio da Cidadania, o sociólogo Francisco de Oliveira propôs que o governo petista seria mais privatista que o do FHC. Não em função das privatizações sorrateiras via Parcerias Público-Privadas, mas por ter consolidado o "capitalismo monopolista de Estado". Isso lhe parece certo?

Mario Maestri: Não. O governo do senhor Lula da Silva não pode ser mais privatista, pois o de FHC liquidou as jóias da coroa − Siderúrgica Nacional, Vale do Rio Doce, Telebrás, energia, bancos públicos etc. A proposta de consolidação de "capitalismo monopolista de Estado" sugere que o petismo promoveu a superação da dependência semi-colonial do capitalismo brasileiro, metamorfoseando o país em Estado imperialista ou sub-imperialista.

O avanço do capital monopólico é fenômeno antigo, que se acelerou no governo FHC, com as privatizações e internacionalizações. O Brasil sedia interesses monopolistas, não necessariamente nacionais, que exigem uma mãozinha do Estado para a conquista-domínio de mercados, sobretudo nas nações vizinhas − Petrobrás, Banco do Brasil, Bradesco, Embraer, Gerdau, Votorantim, JBS-Friboi, empreiteiras etc. Apesar da importância dessas empresas, o Brasil mantém situação marginal na hegemonia capitalista mundial.

O Brasil é país de investimentos, e não investidor; é enorme seu handicap no confronto entrada-saída de juros, dividendos, royalties, amortizações etc. A espoliação financeira de nossa economia e sociedade registra o caráter semi-colonial do país, ou seja, sua independência política formal e submissão econômica. Somos país sem autonomia econômica, tecnológica, militar e sem pretensão de conquistá-la.

O atual rearmamento das forças armadas visa supremacia sobre nossa população e vizinhos, e não autonomia mundial. Somos a única grande nação que não possui e não quer possuir a arma atômica, única defesa efetiva diante do imperialismo. O Brasil imperialista ou sub-imperialista é auto-ilusão complacente e envergonhada de nacionalismo pindorama influenciado pelo ufanismo lulista.

Correio da Cidadania: Apesar da orientação privatista do governo Lula, apoiadores e opositores propõem a ‘retomada’ do papel gerenciador e referencial do Estado na economia, com destaque para o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. O que pensa disto?

Mario Maestri: Como quer sempre mais, o capital não cessa de acusar o Estado de banquetear-se com os recursos nacionais. No passado governo, não houve esforço algum para nacionalizar as mega-empresas privatizadas, essenciais à gestão estatal. Ao contrário, prosseguiu-se no fim do monopólio da exploração do petróleo; na privatização das rodovias, portos, ferrovias, aeroportos, produção de energia etc.

Qual foi a autonomia na fixação da taxa de juro, a pedra de toque da espoliação nacional e popular? Certamente a gerência/controle governamental não avançou no sistema bancário, industrial, educacional etc. Ao contrário, aprofundaram-se a desnacionalização da economia, o avanço relativo da agroindústria, o privatismo selvagem. Se houve dirigismo, seria interessante saber aonde queria chegar.

Por necessidade da economia capitalista desenvolvida, o Estado é enorme expropriador e centralizador da renda pública − realidade exacerbada por exigência do capital financeiro. Esse enorme monte de capital é transferido pelo Estado ao capital privado, por diversas vias. É devido a essa função repartidora que o governo se torna reino da corrupção, no Brasil literalmente legalizada pelo mundo político. O PAC é uma super-estrada da redistribuição privada da renda nacional.

Correio da Cidadania: Qual sua visão sobre a evolução do MST no governo passado e presente?

Mario Maestri: O MST é a síntese dos paradoxos da esquerda no Brasil. Durante décadas, sua direção propôs a democratização constitucional da propriedade da terra, portanto, com a indenização da propriedade improdutiva expropriada. A esse programa, associou a luta estratégica anti-sistêmica. Essa proposta de "revolução por etapas", primeiro democrático-burguesa, a seguir socialista, consubstanciou-se no programa petista de ampliação gradativa e crescente da democracia política, social e econômica.

Com tal proposta, a direção do MST galvanizou ampla base social, satisfeita na luta por naco de terra, e amealhou enorme capital político no Brasil e no exterior. Apenas paradoxalmente, a metamorfose social-liberal do PT, ao avançar na administração do Estado, obrigou a direção do MST a liquidar-se como proposta política; primeiro estratégica, logo tática, para manter-se como direção sindical de pequenos agricultores com e sem terra.

É antiga a idéia de democratização-modernização capitalista do campo através da divisão do latifúndio improdutivo, expandindo assim o consumo e a produção pequeno-mercantil familiar. Seguindo sua natureza, a subordinação do campo ao capital deu-se com a liquidação do trabalho vivo, ao introduzir novas tecnologias, maquinarias e insumos. Processo em grande parte patológico, potenciado pela expansão do mercado mundial de alimentos, que enxugou o latifúndio improdutivo, elevou o preço da terra, barateou o preço de produção e o valor unitário da mercadoria agro-pastoril. Com o novo "modelo", a reforma agrária parcelar mostrou-se social e economicamente "não mais viável", em um sentido econômico, como assinalou o dirigente do MST Gilmar Mauro, ao Correio da Cidadania, em 27 de setembro de 2010.

A incapacidade de prática auto-sustentada; o encolhimento das terras improdutivas e do apoio social; os recursos necessários às desapropriações, ao apoio à pequena propriedade, ao sustento dos acampados, à manutenção da organização etc. exigiam que a direção do MST mantivesse estreitos laços com o Estado. Apesar da opção cabal pelo agronegócio, o PT prosseguiu com política contemporizadora e compensatória para com a pequena agricultura familiar − Bolsa Família, merenda escolar, financiamento subsidiado e a fundo perdido etc.

Correio da Cidadania: Essa realidade influenciou a orientação eleitoral do MST nas eleições de 2010?

Mario Maestri: A dependência intrínseca ao Estado e ao petismo levou a direção do MST ao rompimento de fato dos vínculos políticos que mantinha com a frágil esquerda classista organizada. Processo que se consubstanciou nas eleições, no apoio implícito à senhora Dilma Rousseff no primeiro turno, e desbragado no segundo, voltando assim as costas a velhos aliados históricos da reforma agrária parcelar, como Plínio Arruda Sampaio, do PSOL. Uma política que contribuiu para a derrota brutal da esquerda e a consolidação das políticas e instituições burguesas no Brasil, como assinalado.

Entretanto, é injusto responsabilizar a direção do MST por não perseguir práticas e objetivos políticos socialistas e classistas em contradição com a própria essência democrático-radical do movimento que impulsiona. Foi a incapacidade da classe trabalhadora desorganizada de ocupar o centro da arena política e orientar os demais segmentos sociais aliados que ensejou a miragem da esquerda de vanguarda rural de pequenos camponeses pautando as soluções estruturais do país.

Ao contrário dos trabalhadores industriais inexoravelmente socializados na produção, os camponeses sem terra podem tentar resolver suas contradições pessoais imediatas no contexto da ordem capitalista, com a conquista de gleba para trabalhar. E devem ser apoiados incondicionalmente pelo mundo do trabalho e da democracia, na luta por este direito inalienável, mesmo se mostrando essa estratégia crescentemente aleatória, como assinalado por Gilmar Mauro, na dilacerante declaração ao Correio da Cidadania já citada.

Correio da Cidadania: O que pensa da atuação da esquerda socialista nesta eleição, sobretudo o PSOL, PCB, PSTU e PCO?

Mario Maestri: A assinalada vitória da contra-revolução mundial arrasou conquistas históricas do mundo do trabalho, com destaque para as organizações sindicais e políticas. Partidos fortíssimos, como os partidos comunistas francês e italiano, meios da resistência, apesar do colaboracionismo que praticavam, dissolveram-se como sorvete sob o sol. A despolitização, derrotismo, conservadorismo etc. dominaram multidões de trabalhadores das nações de capitalismo avançado.

No Brasil, o golpe foi terrível, devido à tardia e frágil conformação político-sindical dos trabalhadores que emergiram da escravidão, havia pouco mais de um século. A banda podre do Partidão, travestido em PPS, pôs-se a serviço do conservadorismo; o PC do B fez o mesmo, com alguma compostura. Nascido das vigorosas lutas operárias da segunda metade dos anos 1970, o PT avançou por poucos anos a luta pela autonomia operária, antes de receber do capital a direção do país, já como partido social-liberal.

As direções militantes e políticas da esquerda foram também golpeadas pelo período regressivo, fato agravado pelas superficiais raízes históricas; frágil implantação em operariado desorganizado; extração social, sobretudo estudantil e profissional. Tudo isso, somado à frágil formação e experiência das direções e da militância, criou e cria uma forte dissociação entre aparência e essência, um indiscutível hiato na realização efetiva da auto-proclamação como vanguarda dos trabalhadores.

É muito difícil ensaiar balanço mesmo telegráfico da atuação eleitoral dos grupos que se reivindicam anti-sistêmicos. Hoje, me auto-critico pela expectativa subjetivista da construção de frente, com programa classista, viabilizada pela magnífica vitória da pré-candidatura de Plínio Arruda Sampaio. Uma frente de esquerda pela base que reagrupasse política e organicamente a esquerda classista organizada e dispersa, na procura da construção de instrumentos e espaços para uma efetiva apresentação-concretização, mesmo embrionária, do programa do trabalho.

Não houve ainda um balanço efetivo, pelas direções dos partidos de esquerda com registro eleitoral, da verdadeira organização da derrota histórica que sofremos − menos de 1% dos votos, todos somados. Hecatombe acrescida do apoio à senhora Dilma Rousseff pela maior parte do PSOL e pelo PCB.

Correio da Cidadania: Quais são as perspectivas da Esquerda nos próximos anos? Acredita que deva ou possa ser reconstituída uma frente de esquerda?

Mario Maestri: Pelas razões assinaladas, mantendo-se as tendências atuais, creio que, caso ocorra uma frente de esquerda em 2014, ela possivelmente terá um sentido meramente eleitoreiro, como em 2006. Não deixará rastro quanto à construção da esquerda classista que necessitamos. Marx propôs que a emancipação dos trabalhadores devia ser necessariamente obra dos trabalhadores. Creio que sem salto qualitativo, mesmo exemplar, das lutas dos trabalhadores no Brasil ou no mundo, a tendência da esquerda no Brasil seja regressiva, ainda que avance parlamentar e numericamente.

O cenário nacional não é radioso, com o enorme colaboracionismo e governismo das organizações e direções sindicais e populares e com a impressionante desorganização e alienação dos trabalhadores. Internacionalmente, a tendência é também regressiva: avanço da restauração capitalista em Cuba; colaboração entre os governos da Venezuela e Colômbia; medidas antipopulares na Bolívia; isolamento do esforço titânico dos trabalhadores na Grécia; perda incessante de conquistas populares etc. Um duro cenário que exige um enorme esforço de ação e reunificação da vanguarda organizada e dispersa.

A idéia da história como linha circular onde, ao se perder o ônibus, paga-se apenas um bilhete mais caro no próximo, embota a consciência do drama atual. Os tempos esgotam-se e o declínio da humanidade é hoje tendência mais factível que a sua necessária superação socialista. Temos que nos apressar para não perdermos a última condução: a barbárie não é mais promessa e já se aninha perversa entre nós.

 

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

TEXTO ORIGINAL EM> correiocidadania

Continue

Radiohead – Show completo para o Haiti

0
19:35

Para o último post de 2011 o velho conhecido da casa, Radiohead.

A banda foi um dos grupos que agendaram show beneficiente para arrecadar dinheiro para ajudar as vítimas do devastado Haiti.

Agora, final do ano, a banda autoriza a liberação do video completo (montado por fãs uma prática que parece ficar cada vez mais constante dentro dos fãs da banda) e ainda pede para aquelas pessoas que puderem ajudar, link embaixo:

Link para ajudar

O show em si é genial como sempre e único como sempre. Quem acompanha apresentações da turma de Thom Yorke sabe que nenhum show é igual o outro, a banda sempre tem ao seu lado celebres releituras e arranjos que fogem das meras apresentações cheias de hits. Com um set list raro e um público caloroso, o Radiohead segue sendo a banda da nossa geração.

 

FELIZ 2011 A TODOS.

Continue

A Reinvenção do Cinema por Andrei Tarkovsky

0
22:48

O Mestre

Por: João Leno Lima

 

Desde quando me entendo por gente aprecio cinema. Sempre me fascinou uma arte tão poderosa e completa, dificil, explendida, arrebatadora. Era do tipo que fazia grandes e controversas listas de filmes e mostrava para os raros amigos que poderia dividar meus gostos e “teses” cinematográficas. O desvendar foi progressivo, passando pelo chefão de Francis Copolla ou pelo seu Apocalipse Now, pelo grande Amadeus de Formam o cultuado Lawrence da Árabia do David Lean ao genial 8 1/2 do Fellini, todos figuraram na minha lista e marcaram minha existência, sim, cinema é algo marca minha existência e tem o poder de mudar minha visão de mundo e das coisas e definiar certos rumos e maneira de mergulhar nos intantes e nesse sentido conheci aquele que para mim sintetiza tudo de mais belo, sagrado e genial que sempre esperei que o cinema pudesse chegar…Andrei Tarkovsky.

O russo, filho de um atriz e de um pai poeta traduziu em seus sete filmes o potencial poético que tanto é caro a literatura ou a música. Seu cinema estabelece dois dilemas básicos que ainda nem sequer foram discutidos com a devida atenção:

Um deles diz respeito ao próprio significado existencial dessa arte. O cinema é uma arte de imagens mas que carrega em si a virtude de agregar todas as artes nascendo uma arte em estado bruto cheia de significância e variantes. Mas o próprio cinema torna-se refem quando parte para uma linguagem que ignora seu potencial poético de imagem e vira uma “contador de histórias” distraindo e ocupando os “desocupados” em nome da arte. Os filmes de Andrei Tarkovsky restauram o ideal de um cinema que parece que foi pensado em seus mais íntimos detalhes, de um cinema que explora com gama de possibilidade a imagem e constroi em si significados e signos na própria execução da cena, saindo dela rumo ao atoa da vida. Pulando para fora da tela. (vide a cena final de Rublev, a cena com as maçãs em Infância de Ivan).

Se o cinema do diretor se conecta com a linguagem que é cara ao cinema, que é a narrativa de imagens (agregando) pra si a literatura, a música, a fotografia, absorvendo dessas artes uma arte única e sim CINEMATOGRÁFICA (estabalecendo o cinema como uma arte autentica e independente) cria-se o dilema que seus filmes ao mesmo tempo que estão há frente da história do cinema (um cinema das próximas décadas) ao mesmo tempo estão antes da própria invenção do cinema, são filmes do século XVI, XVII. Como?

O cinema de Tarkovsky é um cinema maduro, trabalhado em todas as frentes narrativas, diálogos e teatralidades remetendo à uma arte saturada ( o que o cinema ainda não é) seu cinema explora possibilidades poucos vistas (construções de cena onde objetos e sons criam metáforas que dialogam com a ação que também se estabelece como uma poesia sendo declamada em imagens onde a palavra é esculpida com paciência). Em outras palavras, a arte filmica do russo é tão concreta que só encontra paralelo em Bergmam mas que coloca o cinema anos a frente mesmo parecendo que ele (o cinema) precisaria de séculos para chegar nesse patamar. Exagero? creio que um fato que merece discussões sérias.

Tarkovsky para mim reinventou a arte do cinema, porque sua linguagem é única, não só pela beleza das imagens, pelos diálogos com poesia, pela música de Bach (em Sacrificio) ou a “reles” (genial cena) do jogral com Rublev com apenas uma camera ou pela perfeição de algumas cenas que estão entre as mais belas da história do cinema (como a cena das maçãs em Infância de Ivan, a cena final de Nostalgia) mas pela pureza com que cada cena é construida numa linguagem que todos sabemos que é cinema mas que ninguém havia explorado com tanta sabedoria e sensibilidade.

O cinema já rendeu grandes autores e alguns filmes estão impreganados no nosso imaginário para sempre, com belas histórias, cenas, diálgos, música, sentido, mas poucos pegaram nas mãos dessa arte e elavaram sua importância aos patarames de uma arte genuina, poética, espiritual, cara aos grandes mestres da literatura e da música, inigualável como as grandes obras de inteligência humana, única como as proezas dos mestres, assistir um filme de diretor-poeta Andrei Tarkovsky é conhecer um pouco de Deus numa intimidade que dependerá do grau de profundidade que você queira ir. Seja ele quem for e seja você quem for.

 

UMA HOMENAGEM AO MESTRE DOS MESTRES DO CINEMA.

Tempo de viagem: Tarkovsky fala dos diretores que mais o impressionaram.

Tempo de viagem: Andrei dá conselhos aos jovens diretores e aos artistas em geral.

 

Tempo de viagem: Andrei fala sobre os “generos” no cinema que para o diretor não existe, o cinema representa a vida.

Continue

29 de Dezembro/Andrei Tarkovsky

0
17:42

 

Andrei Tarkovsky nasceu a 4 de abril de 1932 [N.T.: na cidade de Zawrashje, Iwanowo, Rússia]. Sua mãe, Maria Ivanovna, era uma talentosa atriz, e seu pai, Arseniy Tarkovsky, um respeitado poeta e tradutor. Ambos figuraram em sua obra -- sua mãe como atriz e seu pai através dos soturnos poemas que Andrei utilizou em vários de seus filmes.

Quando seus pais separaram-se, Andrei e sua irmã mais nova, Marina, continuaram a viver com sua mãe. Em 1939 sua educação em Moscou foi interrompida, mas ele voltou à cidade em 1943. Além das aulas normais na escola, começou a estudar música e desenho. Em 1951 ingressou no Instituto de Línguas Orientais de Moscou, mas não pôde completar o curso devido a enfermidades. Em 1954, sua solicitação de entrada no prestigiado Instituto de Cinematografia do Estado (VGIK), em Moscou, sucedeu. Lá, Mikhail Ilych Romm tornou-se seu mais influente professor. Sua amizade com Andrei Mikhalkov-Konchalovsky capitaneou-o a uma parceria no roteiro de Katok i Skripka (1960) [N.T.: mencionado pela autora deste texto como The Steamroller and the Violin, título em inglês], a estréia cinematográfica de Tarkovsky, que rendeu-lhe o diploma no VGIK e que já revelava significativos elementos típicos de seu trabalho posterior.

O primeiro grande filme do diretor foi exibido em Moscou, em abril de 1962. A Infância de Ivan (Ivanovo Detstvo, 1962), baseado em uma história de Vladimir Bogomolov (quem também se envolveu com a filmagem), ganhou o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza, no mesmo ano. O reconhecimento internacional que seguiu este sucesso desencadeou uma considerável preocupação ideológica em seu país, que ulteriormente -- no final de 1966, após a estréia de Andrei Rublev (Andrei Rublyov, 1966), que foi exibido paralelamente no festival de Cannes de 1969, onde ganhou um prêmio -- o liberaria para exportação através do Departamento de Filmes Soviéticos apenas em 1973. Da mesma maneira, O Espelho (Zerkalo, 1974), um filme autobiográfico que foi finalizado em 1974 sob uma forte resistência burocrática, alcançou as salas de cinema da Europa ocidental somente alguns anos depois.

Com Solaris (idem, 1971/72), baseado em um romance de ficção científica de Stanislaw Lem, Tarkovsky tocou em um assunto ainda relativamente inócuo na União Soviética na época -- o homem conquistando o espaço --, mas, mesmo assim, sua abordagem gerou uma longa lista de críticas e objeções. Stalker (idem, 1979), o último filme de Tarkovsky na União Soviética, é baseado em Roadside Picnic, uma história dos irmãos Strugatsky, e lida com temas que açulam a visão de mundo do diretor: a oposição entre ciência natural e crença, o futuro da raça humana em vista da ameaça atômica presente e, por fim, a minguante esperança que ainda resta ao homem.

Após uma produção teatral de Hamlet em Moscou, Tarkovsky viajou à Itália em 1982 para filmar Nostalgia (Nostalghia, 1982). Co-produção ítalo-soviética, baseia-se em um roteiro escrito junto ao poeta Tonino Gurerra. O tema é, entretanto, típico do dilema russo: um artista no estrangeiro, castigado pela saudade de casa, impossibilitado de viver em seu país ou longe dele -- um destino que foi reservado ao próprio Tarkovsky nos últimos anos de sua vida.

No outono de 1983 encenou Boris Godunov com grande êxito no Covent Garden Opera, em Londres. Um ano e meio depois, em 1986, seu largamente aclamado livro Esculpir o Tempo (Sculpting in Time; Martins Fontes Ed.; 100 páginas) foi publicado. Ao mesmo tempo, conduzia as preparações para seu último filme, em Berlim, onde estava morando em 1985 com uma bolsa de estudo do Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão: O Sacrifício (Offret/Sacrificatio, 1986), freqüentemente referido como o grande legado de Tarkovsky.

No final de 1985, após finalizar a filmagem de O Sacrifício na Suécia, Andrei Tarkovsky retornou a Roma, já aflito pela enfermidade a que iria sucumbir um ano depois, em 29 de dezembro de 1986 [N.T.: algumas fontes catalogam sua morte em 28 de dezembro], em uma clínica parisiense de câncer. É enterrado em um cemitério para refugiados russos na cidade de Saint-Genviève-du-Bois, França.


N.T.: Nota do tradutor

Traduzido por Fábio Prikladnicki (prik@ez-poa.com.br)

Continue

Defendam Assange, não o insultem

0
23:44

 

por John Pilger

 

"Guardiães dos direitos das mulheres" na imprensa liberal britânica apressaram-se a condenar o fundador da Wikileaks. Na verdade, de todas as vezes que é envolvido no nosso sistema de justiça, os seus direitos individuais fundamentais têm sido violados.


Há quarenta anos, um livro intitulado The Greening of America causou sensação. Na capa estavam escritas estas palavras: "Aproxima-se uma revolução. Não é uma revolução como as do passado. Tem origem no indivíduo". Eu era correspondente nos EUA nessa altura, e lembro-me de como numa noite foi elevado ao status de guru o autor, o jovem académico de Yale, Charles Reich. A sua mensagem era a de que a acção política tinha falhado e só a "cultura" e a introspecção poderiam mudar o mundo. Isto combinado com uma insidiosa campanha de relações públicas empresariais que visava recuperar o capitalismo ocidental a partir do sentimento de liberdade inspirado pelos direitos cívicos e movimentos anti-guerra. Os eufemismos da nova propaganda eram o pós-modernismo, consumismo e "ego-ismo".


O ego era agora o zeitgeist. Impulsionado pelas forças do lucro e da comunicação social, a busca da consciência individual quase dominou o espírito da justiça social e do internacionalismo. Uma nova divindade foi proclamada, o individual era a política. Em 1995, Reich publicou Opposing the System, no qual repudiou quase tudo do The Greening of America.


"Não haverá nenhuma sensação de alívio com insegurança económica ou com a ruína das pessoas," escreveu ele" até reconhecemos que as forças económicas descontroladas criam o conflito e não o bem-estar…." Não houve filas nas livrarias dessa vez. No tempo do neoliberalismo económico, Reich estava em contradição com o individualismo desenfreado da nova elite política e cultural do ocidente.


Falsos tribunos


O restabelecimento do militarismo no ocidente e a busca de uma nova "ameaça" a seguir ao fim da guerra-fria dependiam da desorientação política daqueles que, 20 anos antes, tinham formado uma forte oposição. No 11 de Setembro 2001, eles calaram-se finalmente, e muitos foram cooptados para a "guerra contra o terrorismo". A invasão do Afeganistão em Outubro de 2001 foi apoiada por dirigentes feministas, especialmente nos EUA, onde Hillary Clinton e outros falsos tribunos do feminismo, fizeram da atitude dos Talibãs, relativamente às mulheres afegãs, a justificação para atacarem um país ferido causando a morte de pelo menos 20 mil pessoas, enquanto davam aos Talibãs uma vida nova. De tal modo os senhores da guerra apoiados pelos EUA eram tão medievais como os Talibãs, que não foi permitido suspender o direito em causa. O zeitgeist, através de anos de despolitização "pessoal" e distraindo o verdadeiro radicalismo, tinha funcionado. Nove anos depois, o desastre que é o Afeganistão é a consequência.


Parece que a lição deve ter sido aprendida mais uma vez, com um grupo de feministas da comunicação social a juntarem-se ao ataque a Julian Assange e à Wikileaks, ou "Wikiblokesphere", como Libby Brooks o injuria no Guardian. Do Times até ao New Statesman, é dada uma aparente credibilidade feminista às acusações caóticas, incompetentes e contraditórias contra Assange na Suécia.
On 9 December, the Guardian published a long, supine interview by Amelia Gentleman with Claes Borgström, the "highly respected Swedish lawyer". In fact, Borgström is foremost a politician, a powerful member of the Social Democratic Party. He intervened in the Assange case only when the senior prosecutor in Stockholm dismissed the "rape" allegation as based on "no evidence". In Gentleman's Guardian article, an anonymous source whispers to us that Assange's "behaviour towards women . . . was going to get him into trouble". This smear was taken up by Brooks in the paper that same day. Ken Loach and I and others on "the left" are "shoulder to shoulder" with the misogynists and "conspiracy theorists". To hell with journalistic inquiry. Ignorance and prejudice rule. Em 9 de Dezembro, o Guardian publicou uma entrevista longa e indiferente entrevista de Amelia Gentleman a Claes Borgström, "o altamente respeitado jurista sueco".

De facto, Borgström é acima de tudo um político e um poderoso membro do Partido Social-Democrata. Ele interveio no caso Assange apenas quando o promotor sénior em Estocolmo rejeitou a acusação de "violação" com base na "falta de prova". No artigo de Gentleman no Guardian uma fonte anónima resmunga que o "comportamento de Assange para com as mulheres… ia dar-lhe problemas". Essa calúnia foi retomada por Brooks no jornal nesse mesmo dia. Ken Loach, eu próprio e outras pessoas "de esquerda" estamos "ombro a ombro" com os misóginos e "teóricos da conspiração". Para o inferno com a investigação jornalística. A ignorância e o preconceito é que mandam.


O advogado australiano James Catlin, que representou Assange em Outubro, diz que ambas as mulheres envolvidas no caso disseram aos promotores que consentiram ter sexo com Assange. Depois do "crime", uma das mulheres deu uma festa em honra de Assange. Quando perguntaram a Borgstörm porque estava a representar as mulheres tendo elas negado terem sido violadas, ele respondeu: "Pois, mas elas não são advogadas". Catlin descreve o sistema de justiça da Suécia como "uma anedota". Durante três meses, Assange e os seus advogados, pediram às autoridades suecas para os deixarem ver a acusação. Isto foi-lhes negado até 18 de Novembro, quando chegou o primeiro documento oficial – em língua sueca, em contrário do direito Europa.


A ameaça descoberta


Assange ainda não foi acusado de nada. Nunca fugiu. Pediu e obteve autorização para sair da Suécia, e a polícia britânica sabia do seu paradeiro desde a sua chegada àquele país. Tudo isto não impediu um magistrado londrino em 7 de Dezembro de ignorar sete cauções e de o enviar para a solitária na Prisão de Wandsworth.
Em todas as vezes, os direitos fundamentais de Assange foram violados. O cobarde governo australiano, que está legalmente obrigado a apoiar os seus cidadãos fez uma ameaça velada para lhe tirar o passaporte. Nos seus comentários públicos, a primeira-ministra, Julia Gillard, rasgou vergonhosamente a presunção de inocência subjacente à lei australiana. O ministro dos Negócios Estrangeiros australiano devia ter chamado os dois embaixadores da Suécia e dos EUA, para os alertar contra qualquer abuso dos direitos humanos contra Assange, tais como o crime de incitamento ao assassinato.


Em contraste, um grande número de pessoas dignas em todo o mundo têm-se unido no apoio a Assange: pessoas que não são nem misóginas nem "cães de assalto da internet", para citar Libby Brooks, e que apoiam um conjunto de valores muito diferente daqueles defendidos por Charles Reich. Estão aí incluídas muitas feministas célebres, tais como Naomi Klein, que escreveu: " A violação está a ser utilizada na acusação a Assange da mesma forma que a liberdade das mulheres foi utilizada para invadir o Afeganistão. Acordem!

O original encontra-se em http://uruknet.net/?p=m72916&hd=&size=1&l=e e a versão em português em http://tribunaliraque.info/pagina/artigos/depoimentos.html?artigo=815 . Tradução de F. Macias (c/ pequenas alterações de resistir.info).


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Continue

Wikileaks: Casa Branca financia blogueiros de Cuba

0
08:58

Por Operaleaks 25/12/2010 às 20:37

 

 

Blogueiros e tuiteiros "dissidentes" de Cuba são financiados pela Casa Branca
Se Yoani Sanchez e colegas fossem americanos e fizessem exatamente a mesma coisa para outro país nos EUA seriam presos e provavelmente fuzilados. Em Cuba continuam livres e posando de vítimas para a mídia internacional com os bolsos cheios de dólares. Não há um país no mundo onde esse comportamento não renda prisão perpétua ou execução.

OperaLeaks


Daniella Cambaúva ? Redação


Mensagens secretas enviadas pelo chefe do Escritório de Interesses dos Estados Unidos em Havana, Jonathan Farrar, ao Departamento de Estado e divulgadas pelo Wikileaks descrevem o encontro entre a subsecretária de Estado adjunta para a América Latina, Bisa Williams, e dissidentes cubanos.


Durante uma visita feita a Havana, em setembro de 2009, cujo objetivo era dialogar sobre o restabelecimento de correspondência direta entre Cuba e os EUA, a norte-americana - a funcionária de mais alto nível que visitou Cuba em décadas - se reuniu com blogueiros oposicionistas do regime cubano, entre eles, a sensação internacional Yoani Sanchez.


O informe foi enviado em 25 de setembro de 2009 e divulgado no domingo (19/12). Ao referir-se ao encontro que a funcionária teve com os blogueiros, Farrar escreveu: ?Os blogueiros que, em parte por sua própria preservação, não querem estar agrupados com a comunidade dissidente, estavam igualmente otimistas com o curso dos acontecimentos.?


De acordo com os vazamentos, o chefe do Escritório de Interesses em Havana assegurou que "é a nova geração de ?dissidentes não tradicionais?, como [a blogueira] Yoani Sanchez, poderia ter impacto de longo prazo na Cuba pós-Fidel Castro".


Na reunião, Yoani defendeu a aproximação com os EUA para mudar a política da ilha. "Uma melhora das relações dos EUA é absolutamente necessária para que surja a democracia aqui?, disse a blogueira dissidente.

 
No encontro, foi destacado um pedido feito por Yoani: o fim da restrição a compras feitas pela internet. "As restrições só nos prejudicam?, disse a cubana. "Sabe o quanto poderíamos fazer se pudéssemos usar o Pay Pal ou comprar produtos on-line com um cartão de crédito?"sugeriu ela à Bisa.


Segundo documentos públicos do Senado norte-americano, a maior parte dos fundos públicos destinados a promover a mudança de governo em Cuba é enviada aos blogueiros e tuiteiros. São mais de cinco milhões de dólares por ano, informou o site cubano Cuba Debate.


Em outro despacho, datado de 27 de novembro de 2006, o ex-chefe do Escritório de Interesses, Michel E. Parmly, descreve uma reunião de funcionários da sede diplomática com "jovens ativistas pela democracia", realizada "no quintal da residência de um diplomata norte-americano em Havana".
Parmly escreveu que esperava que as autoridades cubanas reagissem a esse encontro "carimbando os jovens líderes como agentes do governo dos EUA? [Nós] estaremos trabalhando da mesma maneira que o governo cubano para incentivar as ações em outra direção, mais concretamente, articulando um maior e melhor trabalho na rede com os estudantes universitários que se opõem ao regime."


Em 1º de junho de 2010, um despacho enviado pelo representante máximo da diplomacia norte-americana na ilha, Johnatan Farrar, dedica um trecho de seu informe à Yoani Sanchez e à atenção dispensada pelo governo dos EUA:
"O pensamento convencional em Havana é que o governo de Cuba vê os blogueiros como seu mais sério desafio, que tem dificuldades para conter como fez com os grupos tradicionais de oposição. Os dissidentes da ?velha guarda? estão bastante isolados do resto da ilha. O governo de Cuba não presta muita atenção a seus artigos e manifestos, porque não têm ressonância nacional e possuem um peso muito limitado internacionalmente".

 

 

 

TEXTO ORIGINAL EM>>midiaindependente

Continue

Videoarte: Poema e Poesia

0
09:55

DE  João Leno Lima

Continue

AQUILO QUE ME ASSOLA

0
15:01

À Sokurov

Por vezes asola-me a certeza que vou perder alguém.

Caminhos uma vez cruzados,

por uma continua margem de passeio

verticalidade de um trem interno

passando pelas paisagem mais escondidas de nós.

A certeza que perderemos o contato

com os seres que amamos em certa altura da existência

desmorona-me em chamas.

Corro como uma alucinação de mim mesmo,

A morte, com sua flecha certeira

levará para bem longe o toque das mãos,

não sairemos desse delírio de ser

sem a dor da perda em estado do bruto,

corações e mentes parecem afiados punhais ponte agudos

dilacerando essa possibilidade real,

longos tratados e sublimes mapas tentam desvendar os passos

mais a frente agregamos em nós

certezas mais solidas que as rochas,

razoes e propósitos mais profundos que os oceanos,

solidão de escolher a melhor cratera de verdades,

precisamos progressivamente esquecer

que perderemos um dia o contato com o mundo.

 

Perderemos o toque carinhoso no rosto da mãe e do pai

perderemos o abraço amigo e confissoes de amor,

perderemos até aquilo que nos parece insignificante

como o olhar para os pássaros e uma chuva passageira,

estamos preparados para sermos

esquecidos pelos vendavais do tempo?

aceitaremos com prazer e cordialidade

os rituais do nosso esquecimento?

 

e ainda pior...

esqueceremos com louvor e paz a perda irreparável do outro?

a perda...

é quando voltamos a ser criança

e olhamos para nós mesmos

pedindo abrigo...

 

 

 

 

 

João Leno Lima

25-12-2010

Continue

Andrei Tarkovski - O rolo compressor e o violinista

0
20:38

Andrei Tarkovski, Katoki i skripka, URSS, 1959

Primeiros Planos, Estética e Política, Política Estética

A análise de filmes do passado exige uma reconfiguração do olhar. Nossa percepção não tem como ser a mesma dos espectadores situados nos momentos nos quais as obras foram lançadas, embora percepções das mesmas evidências, em um mesmo momento e em uma mesma sociedade, também não sejam uniformes e dependam do repertório agenciado por cada espectador.

Já quando o espectador está, em relação à obra, décadas à frente e, em relação à origem da mesma, milhares de quilômetros distante, tem duas opções, não necessariamente excludentes, para penetrar na narrativa. Uma é assimilar as imagens a partir de informações colhidas fora delas, mediado pelo distanciamento em relação ao período histórico, assim como pela localização da obra no percurso dos autores e do cinema. Leva-se para o filme, assim, o manual de decodificação. Não há como se desvincular desse processo em textos analíticos. Uma outra opção, a princípio mais fácil, mas na verdade mais complexa, é ignorar os contextos, atendo-se apenas às evidências na tela. Não nos importa, nessa experiência, quem assina o filme.

Tampouco o futuro de sua filmografia, já tornado passado para o crítico. Busca-se na obra, portanto, sua permanência. E também sua capacidade de transpor barreiras culturais para se afirmar em outro ambiente, não sem inevitáveis ruídos e limites de comunicação. Tentaremos aqui uma aproximação dupla e complementar em relação a O Rolo Compressor e O Vilonista, de Andrei Tarkovski, um média metragem de conclusão de curso universitário pouco conhecido até por seus admiradores mais empenhados.


Primeiro, as evidências. Um menino fecha uma porta, desce as escadas carregando um violino, tenta esquivar-se de vizinhos, mais ou menos da mesma idade, que o atazanam e o desprezam, justamente por ele ser músico, circunstância que o torna diferente, distante de moleques rudes e agressivos. O músico mirim esconde-se, nesse início, no saguão de seu prédio. Tem medo de ser mal tratado. Nessa primeira aproximação, temos pistas temáticas: o embate entre arte e força, com conseqüente isolamento do artista, que vive em exílio social, asfixiado pela brutalidade. Vemos ainda nestes primeiros segundos, após meia dúzia de planos, algumas características que, no desenrolar das imagens, irão se tornar um padrão.

Há uma preocupação em situar os atores em espaços físicos bem definidos, um rigor na distribuição simétrica dos corpos e objetos nesse espaço, a quase obsessão em compor a cena com raios solares e sombras, enquadramentos construídos em posições pensadas para aumentar ou diminuir o tamanho dos personagens na tela (câmera baixa, câmera no alto) e uma busca de uma harmonia visual pictórica, mesmo quando a câmera está em movimento. Mais alguns segundos e vemos outro recurso, até desnecessário às vezes, que retornará em um trecho ou outro: o uso da grua, que ora vem de cima e se aproxima dos atores, ora sai do chão e, subindo, distancia-se dos corpos. A profundidade de campo também será acionada aqui e ali, motivando cenas aparentemente concebidas apenas para sua utilização.

Tem-se assim, dos primeiros aos últimos minutos, um culto à imagem, com a decorrente manipulação de sua superfície. Dois momentos revelam essa disposição em distorcer os signos para se afastar de significações imediatas e sugerir outras no lugar. Primeiro quando o menino pára diante de uma vitrine e olha imagens duplicadas nos espelhos à sua frente. Ele sorri, tem prazer com a percepção diferente do mundo. Poucos segundos adiante, em uma prova de música, durante a qual a professora cobra do garoto o andamento correto, mais veloz, vemos uma imagem desfocada, que sugere um pêndulo, um marcador do ritmo musical. É um copo de água, com esta em movimento.


Nas relações entre os seres, assim como nas ações deles, surgem significações políticas. Essas derivam da aproximação entre os dois personagens centrais, o menino músico e um operário, que ao longo da narrativa iniciam uma amizade. O menino aprenderá com o operário a tomar partido nas situações injustas e a reagir dentro das possibilidades quando tentam oprimi-lo. O operário aprenderá com o menino uma ou outra coisa sobre música. A relação seria selada em uma sessão de cinema, do filme Chapayev, dos irmãos Vassiliev, título símbolo da pobreza estética dos anos 50 na URSS. Essa aproximação do artista com o proletariado, um enriquecendo o outro, é explicitada em uma seqüência, elaborada com montagem paralela. Vemos a imagem do operário trabalhando e do menino tocando violino. O som da máquina e o do instrumento preenchem o quadro. Na cena seguinte, o menino, mãos sujas de graxa, com as quais tocou o violino, é repreendido pela mãe. Seu encontro com o operário é abortado pela autoridade familiar. Somente em um sonho-delírio a união poderá ser realizada.


Percebe-se nessas situações a construção de uma postura política crítica em relação a pelo menos dois alvos: uma nova geração desprovida de sofisticação na formação, que reage à vida com ressentimento, e adultos apegados a um rigor conservador, expresso tanto pela mãe como pela professora de música. Nos dois casos, tolhe-se a liberdade, comportamental e artística. A mãe o impede de sair de casa. A professora exige cumprimento do ritmo. Não estamos nessa primeira passada de olho criando paralelos entre esse material e a sociedade no qual foi construído em um momento específico (a sociedade soviética de finalzinho dos anos 50).

Fiquemos por ora na autonomia da diegese. A abordagem política está na tela, sem alegorias ou simbolismos explícitos, embora, quando vemos casas velhas sendo derrubadas e ao fundo avistamos um prédio alto e novo, no qual reflete intenso raio solar, somos convidados a perceber as evidências de mudanças naquele meio onde vivem os personagens. Vira-se uma página, do velho para o novo, embora não saibamos, pelas evidências na tela, nenhum contexto mais amplo, assim como nenhuma informação mais concreta. Também percebemos, ainda pela evidência, que essa mudança, a rigor, está limitada pelas autoridades. É preciso cumprir à risca a convenção musical na aula e obedecer à proibição da mãe de sair de casa. A imaginação, expressa na cena final, seria uma fuga. Ou melhor: um concerto para o mundo.


Mas esse não é um filme qualquer, mas um média-metragem de Tarkovski, realizado poucos anos antes de A Infância de Ivan, sua estréia em longa-metragem. O cineasta faria apenas outros cinco até se despedir com O Sacrifício. Em virtude do conhecimento de suas obras posteriores, tendemos a ver em sua primeira experiência sinais de traços estilísticos depois melhor elaborados, ou ainda características menos comuns em sua filmografia. Também somos tentados a identificar a postura crítica com as autoridades, quando tinha 28 anos e nada no currículo fílmico, que antecipa as lutas do artista contra a burocracia e a censura soviéticas. Há nesse trabalho de faculdade alguns componentes trakovsvianos.

Em relação a A Infância de Ivan, sua "estréia oficial" (definido por Jean Paul Sartre como "surrealismo socialista"), a aproximação é imediata, não sem distinções para cada um dos títulos. Não é aleatória a opção por dois desfechos situados no terreno da imaginação, onde os limites do real são corrigidos não sem perda do olhar crítico. Percebe-se nessa libertação pela arte ecos de Invitation to a Beheading, de Nabokov, livro publicado em fascículos em 1932, no qual o protagonista, Cincinnatus C resiste à asfixia política pela escrita. Seu heroísmo não está em ações com metas coletivas, mas em resistir a ser como os outros. A recusa em atender o que esperam dele, para assim não compactuar com um sistema produtor de iguais, faz do personagem um rebelde disposto a não conceder.


Há outra aproximação com A Infância de Ivan. Ambos têm como protagonistas uma criança, embora, no longa-metragem, a rebeldia já esteja sedimentada no menino, ao contrário de em O Rolo Compromessor e o Violinista, no qual o espírito subversivo ainda está para brotar, ou melhor, brota apenas na imaginação. De qualquer forma, ao optar por crianças (ou pelo futuro em gestação), mas sem lhes dar obviamente otimismo, o cineasta revela, sem meias luzes, ceticismo no mundo concreto e crença na arte, não expressando isso, contudo, em forma de pregação. "Eu não dirigi nenhuma mensagem à Rússia porque não sou um profeta, nem faço parte dos artistas com discursos semelhantes aos de fiéis em uma catedral" (1).


Sem tanta freqüência e vigor no rompimento com o mimetismo, como já ocorre em A Infância de Ivan, mas já incorporando a obsessão pela água como reflexo de imagens (presente com mais força em A Infância de Ivan, Solaris e Nostalgia), a busca de uma imagem não naturalista e a construção de um mundo com estatuto próprio, O Rolo Compressor e O Violinista apresenta um cineasta com olho apurado, contemporâneo do início de outros autores dispostos a retrabalhar a linguagem (Jean-Luc Godard, Píer Paolo Pasolini, Alain Resnais), que se desvia da tradição do cinema soviético, priorizando o subjetivo ao coletivo, com fio condutor individual, capaz de carregar um mundo em sua visão. O fato do mentor de Tarkovski no Instituto Estatal de Cinematografia ter sido Mikhail Romm, discípulo de Eisenstein, não promoveu nenhuma aspiração nele de tornar-se herdeiro eisensteiniano. Pelo contrário: seu fundamento estético é o plano, o tempo da cena, "a pressão interna da imagem", não a montagem-choque, ou o encadeamento violento, com sua indução didática ou alucinatória, como praticavam Eisenstein e Vertov.


Em certa medida, Tarkovski reagiu a seu tempo (sociedade e cinema). Sua formação cinefilíca, nos anos 40, foi muito pobre. O realismo soviético instaurado nos anos 30, ainda durante sua infância, havia matado a arte em nome da propaganda política. A fase final de Pudovkin, por exemplo, tinha pouca indagação estética e, de forma geral, acomodado em um estilo reacionário, o cinema soviético, antes revolucionário na forma (mais que no conteúdo), aburguesara-se (na forma) e mumificara-se (no conteúdo). O regime comunista também já não iludia mais os artistas. Tarkovski, de certa maneira, responde a isso. Nada da papagaiada realista, com seu slogan mentiroso de se mostrar a realidade como é , ou, na verdade, como queriam que ela fosse, de acordo com conveniências do PC. Seu cinema é alérgico a programas e à missão de reproduzir a realidade (ou de se representar a realidade de forma distorcida para vendê-la como imitação fiel dos fatos e dos contextos). Isso não significa que, por nortear-se pela moral e não pela ideologia (como preconizava Godard), tenha abortado uma visão política. Essa está lá, nas imagens, basta enxergar.


(1) Entrevista concedida ao France Culture em 7-1-86
Cléber Eduardo

 

 

 

TEXTO ORIGINAL EM> CONTRACAMPO

Continue

Daniel Ellsberg: Precursor do WikiLeaks e inimigo da teoria económica neoliberal

0
11:57

 

 

por Yanis Varoufakis [*]

Daniel Ellsberg. Não é a primeira vez que milhares de documentos classificados foram "libertados", revelando a um público espantado como o seu governo travou uma guerra deliberada de desinformação contra si a fim de dobrar a sua vontade quanto a uma guerra inútil: uma guerra em cujo altar o público enganado é solicitado ritualmente a sacrificar os seus filhos, maridos, esposas, amigos. Esta não é a primeira vez que o establishment uniu-se na sua condenação do corajoso "denunciante" por "colocar as vidas de soldados e mulheres em risco". Não é sequer a primeira vez em que o portador de verdades odiosas foi denegrido, perseguido, aprisionado.


Nesse sentido, nada mudou. Excepto, naturalmente, que, na era da Internet, o WikiLeaks pode inundar o mundo, por meio de uns poucos toques de teclas, com os documentos classificados sacados dos seus cofres bem guardados num minúsculo dispositivo USB. Velocidade e volume contam. No entanto, esta geração de buscadores da verdade, corajosamente a combater pelo direito a saber, ainda deve aos seus antecessores um preito de gratidão por lhes abrir o caminho numa época em que dar fuga à informação significava árduo trabalho físico (noites infindáveis em fotocopiadoras) o que os expunha a riscos muito maiores.

O mais celebrado antecessor do WikiLeaks é, naturalmente, nada menos do que um economista educado em Harvard, Daniel Ellsberg. A sua história é de uma coragem, honestidade intelectual e brilho científico incomuns, pela qual, talvez sem ele próprio saber, deparou-se com um resultado analítico e empírico que deveria ter posto um travão aos trabalhos da teoria económica neoliberal.
A história recordará Ellsberg como uma figura do establishment, o cientista Guerreiro Frio e estrategista político cuja consciência se ergueu contra os seus próprios esforços e que executou um acto notável de resistência: um acto que efectivamente minou a argumentação moral e militar para continuar a Guerra do Vietname. Quase toda gente recorda os infames Pentagon Papers que Ellsberg passou à imprensa, revelando a verdade de que a carnificina chamada Guerra do Vietname era não só uma guerra invencível como também que, notavelmente, os que tinham o poder tinham conhecimento disso há anos e mesmo assim continuavam a enviar jovens soldados à Indochina para matarem e serem mortos. Entretanto, o que é menos sabido é que Ellsberg também costumava, de forma sub-reptícia, minar as falsidades estabelecidas em outro campo de batalha crucial.


O experimento subversivo


Ellsberg principiou a sua carreira como um cientista da RAND que passava o tempo a estudar a teoria da decisão: modelos matemáticos cujo objectivo é estabelecer as regras das escolhas racionais face à incerteza. O Pentágono preocupava-se com estes modelos pois queria ajuda sobre quando atacar, como atacar preventivamente um inimigo, como planear ataques nucleares, etc. Naquele tempo, alguns dos melhores e mais dotados trabalhavam na RAND ou em torno dela sobre estes modelos matemáticos, com John von Neumann como líder natural do conjunto.


A importância destes modelos não pode ser exagerada. O seu principal artifício era converter matematicamente opções incertas em outras bem definidas. A ideia original (devida primariamente a von Neumann e posteriormente a Leo Savage) era simples: considerar toda opção disponível para o decisor (exemplo: posicionar um submarino nuclear ao largo de Vladivostok ou reduzir o preço do seu produto para minar seu competidores); calcular os valores esperados de cada opção, uma vez consideradas todas as probabilidades relevantes; escolher então a opção com o maior valor esperado.


Perguntou alguma vez onde os engenheiros financeiros que nos deram os agora famosos derivativos tóxicos obtiveram tanta confiança para calcular números exóticos, como Valor em risco (Value at Risk, VAR), os quais tranquilizavam os administradores de riscos dos bancos e levava-os à aceitação imbecil dos riscos absurdos (mas supostamente "sem riscos") que os seus rapazes estavam a assumir? A resposta: estes mesmos modelos matemáticos elaborados na RAND e outras entidades tais como as unidades de investigação da Guerra-fria na década de 1950. Todas estas pessoas incrivelmente inteligentes acreditavam piamente que a sua abordagem matemática do valor esperado era o caminho para avançar. Todas excepto uma: Daniel Ellsberg, que logo, desde o princípio e com absoluta honestidade intelectual, revelou a loucura absoluta de toda a abordagem. Para demonstrá-lo, concebeu um experimento brilhante.


Suponha que uma urna contenha 90 bolas e dizem-lhe (a) que 30 são vermelhas e (b) que as restantes 60 bolas são uma mistura desconhecida de negras e amarelas (Importante: não lhe dizem quantas destas 60 negras ou amarelas são realmente negras ou amarelas. Na verdade, podem ser todas amarelas, todas negras ou qualquer combinação de negras e amarelas).

Uma bola é seleccionada aleatoriamente e dão-lhe a seguinte escolha. A Opção I lhe dará US$100 se for retirada uma bola vermelha e nada se for negra ou amarela. A Opção II lhe dará US$100 se for retirada uma bola negra e nada se for uma vermelha ou amarela. Aqui está um resumo das opções:

Vermelho

Negro

Amarelo

Opção I
$100
0
0

Opção II
0
$100
0

Anote a sua escolha e considere então duas outras opções baseadas igualmente na retirada aleatória desta urna (depois de as bolas terem sido recolocadas de modo a que a urna contenha as mesmas bolas como antes:

Vermelho

Negro

Amarelo

Opção III
$100
0
$100

Opção IV
0
$100
$100

Qual opção escolheria agora?


O experimento, no qual Ellsberg pediu a centenas de pessoas inteligentes para efectuarem estas escolhas, revelou que a maior parte das pessoas seleccionou as Opções I e IV. Ellsberg destacou então que estes resultados não podiam sem enquadrados com a abordagem matemática (descrita acima) preferida pelos seus colegas da RAND. Por que?


Recordar que os matemáticos da RAND assumiam que, quando apresentados com opções incertas, a pessoa racional assinalaria um valor numérico específico a cada uma e então escolheria a opção com o valor mais alto. Nesta interpretação, quando uma pessoa escolhe a Opção I em detrimento da Opção II, ela está a revelar uma expectativa de que deve haver mais bolas vermelhas na urna do que negras (uma vez que o número de bolas amarelas não tem consequência, uma vez que ela nada ganhará na outra opção se uma amarela for retirada da urna). Contudo, quando a mesma pessoa prefere a Opção IV à Opção III, ela revela exactamente o oposto: que pensa haver mais bolas negras do que vermelhas na urna. (Por que de outro modo daria uma avaliação mais alta à Opção IV do que à Opção III?). Mas isto não pode ser "racional". Não há, na verdade, qualquer meio para que alguém possa racionalizar uma crença de que há mais bolas vermelhas do que negras quando escolhendo entre as Opções I e II e, ao mesmo tempo, pensar que há mais bolas negras do que vermelhas quando escolhendo entre as Opções III e IV. Afinal de contas, trata-se da mesma urna que contem as mesmas bolas.


Então, o que está a acontecer aqui? A explicação simples de Ellsberg é que as pessoas não actuam como os seus colegas da RAND esperavam. Que elas não olham para as suas várias opções de risco, atribuem-lhe diferente valores numéricos esperados e então tratam de escolher a que tem o valor mais alto. As pessoas reais, pensava Ellsberg, interessam-se por algo que os cientistas da RAND desprezam: nós não gostamos de ambiguidade! Para ver o que isto significa, recorde, ao escolher entre as Opções I e II, a pessoa que opta por I sabe a probabilidade exacta de ganhar US$100: é 1 em 3 (uma vez que lhe foi dito inequivocamente que 30 das noventa bolas na urna são vermelhas). Em contraste, se escolhesse a Opção II, a probabilidade de vencer seria desconhecida para ela (uma vez que a proporção de bolas negras é desconhecida). Agora olhe as Opções III e IV. Mais uma vez, ao escolher a Opção IV, a pessoa sabe a probabilidade exacta de vencer: 2 em 3 (uma vez que 60 das bolas não são vermelhas). Em contraste, a probabilidade de ganhar US$100 ao escolher a Opção III é ambígua (pois a proporção de bolas vermelhas e amarelas é desconhecida). Por outras palavras, as escolhas de I e IV podem ser explicadas pela aversão à ambiguidade e preferência por opções que venham com informação precisa e objectiva acerca da probabilidade de ganhar ou perder. Esta espécie de preferência viola a lógica dos cientistas da RAND mas não pode de modo algum ser ignorada.

Este experimento, cujos resultados Ellberg publicou em 1961, [1] passou a ser conhecido como o Paradoxo de Ellsberg . A sua importância é que reflecte um problema mais profundo de toda a teoria económica neoliberal: o tipo de teoria que, especialmente após o fim de Bretton Woods, apossou-se não só da academia como também do sector financeiro e da elaboração da política económica nos governos. O seu princípio básico era, e continua a ser, que coisas incertas podem ser tratadas como se fossem seguras, desde que os riscos tenham sido factorados probabilisticamente! Risco sem risco, por outras palavras. Será que isto o recorda de alguma coisa? Como as classificações AAA dos derivativos que explodiram em 2008?


Ellsberg lançou a advertência urgente de que avaliações de probabilidade captam de forma inadequada o modo como a incerteza entra na tomada de decisão. Embora ele não o tenha dito no momento da publicação do artigo, o experimento acima deveria fazer soar campainhas de alarme todas as vezes que fosse proposto um modelo neoliberal. Se a contribuição científica de Ellsberg não tivesse sido ignorado pela profissão das ciências económicas, os últimos trinta anos ou pouco mais poderiam ter sido diferentes. Infelizmente, resultados científicos como esse de Daniel Ellsberg podem ser seguramente ignorados quando a pista do dinheiro aponta uma direcção diferente.


A grande fuga


Possivelmente devido ao seu profundo envolvimento na RAND e no complexo militar-industrial do qual a RAND era uma parte importante, Ellsberg tornou-se profundamente envolvido na política do governo dos EUA, a saber, a corrida às armas nucleares, a Crise Cubana dos Mísseis, a Guerra do Vietname, etc. Devido às suas credenciais inquestionáveis como empregado da RAND e como um Guerreiro Frio, ele tinha acesso aos chamados Pentagon Papers: um vasto conjunto de documentos altamente classificados que provavam para além de qualquer dúvida que toda a administração dos EUA já sabia que a guerra não podia ser vencida e que as baixas seriam enormes.


Chocado com o que lia, Ellsberg começou a comparecer a reuniões anti-Guerra do Vietname. Em 1969, numa destas reuniões, encontrou um soldado que estava determinado a tomar posição contra a continuação dessa guerra estúpida mesmo que tivesse de ir para a prisão. Ter contacto pessoal com um objector de consciência de carne e osso, um homem pronto para arriscar tudo a fim de fazer a coisa certa, provocou a epifania de Ellsberg a qual o estimulou a tornar-se o mais famoso dissidente do governo dos EUA.


Com a assistência de outro empregado da RAND, ele passou noites incontáveis a fotocopiar documentos, um por um. Depois de terem fracassado as suas tentativas de interessar legisladores quanto ao seu conteúdo, ele passou-as para o New York Times e o Washington Post. Os primeiros extractos explosivos foram publicados em Junho de 1971. A seguir Ellsberg foi despedido do seu emprego e em 1973 foi sujeito a um julgamento sob acusações que o teriam feito passar mais de 110 anos na prisão. Contudo, a notoriedade do seu caso, a defesa rigorosa por advogados qualificados e a evidência clara de subterfúgio do governo (incluindo uma campanha encoberta para difamar e mesmo insultar Ellsberg) levaram finalmente à sua absolvição. Até hoje o establishment americano, incluindo a RAND, não o esqueceu.

Epílogo


No momento em que os nossos estados "liberais" emitiram o equivalente a uma fatwa contra Julian Assange por ajudar, através do WikiLeaks, a tornar públicas verdades vergonhosas, é importante para esta geração recordar os pioneiros, e aprender com eles, nesta luta inter-temporal contra a misantrópica indústria militar e do confusionismo económico.

[1] Ver Daniel Ellsberg (1961) "Risk, Ambiguity, and the Savage Axioms," Quarterly Journal of Economics, 75 (4): 643-669. Curiosamente, o seu resultado experimental está próximo da rejeição de John Maynard Keynes da noção de que, num mundo incerto, pessoas racionais comportam-se como se fossem maximizar alguma função bem definida envolvendo expectativas matemáticas.
[*] Professor de Teoria Económica e director do Departamento de Economia Política da Faculdade de Ciências Económicas da Universidade de Atenas. Seus livros incluem: The Global Minotaur: The True Origins of the Financial Crisis and the Future of the World Economy; (com S. Hargreaves-Heap) Game Theory: A Critical Text (Routledge, 2004); Foundations of Economics: A Beginner's Companion (Routledge, 1998); and Rational Conflict (Blackwell Publishers, 1991). O artigo acima resume argumentos apresentados no Capítulo 12 de Modern Political Economics: Making Sense of the Post-2008 World, de autoria de Yanis Varoufakis, Joseph Halevi, e Nicholas Theocarakis (a ser publicado em Março 2011 pela Routledge).


O original encontra-se em

http://mrzine.monthlyreview.org/2010/varoufakis161210.html


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Continue

Marituba - Longa e Tenebrosa Estrada

0
11:39

DSC00477

Velho/Novo ginásio de Esportes jamais terminado

Para uma cidade montada na beira da estrada e para alguns quilômetros de Belém, Marituba parece um amontoado de casas mal construídas (digo sem planejamento) que vao despontando rumo ao futuro caótico onde o poder público é refém de seu próprio amadorismo e ganância.

Desde da sua emancipação a cidade pouco andou para frente, aliás, nesse sentido, retrocedeu. Já teve estádios de futebol (amadores) belos igarapés, cinema e cines teatro além da estrada de ferro. Hoje dominada pela falta de infra estrutura em hospitais públicos, pela ausência de uma politica que traga alternativas de emprego para uma população que vive da informalidade ou trabalha na capital e a falta de apoio a cultura (sem a mascarada postura elitista de selecionar apenas os “seus”) além disso, outra grave problema que não é exclusivo da cidade assola…Drogas.

Marituba já é vista como uma das mais violentas cidades da região (claro a imprensa transforma isso num espetáculo midiático) e seus dependentes químicos se esbarram pelas ruas pouco iluminadas a procura de poucos trocados ou de vítimas casuais para furto de objetos a serem trocados nas instituições capitalizadas para isso.

Se por um lado o cenário é desolador (e é) Marituba tem desdá sua existência um vocação para as artes. Grupos de teatro, bandas, grafites, grupos de poesia e carimbó fazem parte da história da cidade e pauta sua relevância no cenário metropolitano. Em meio ao descaso do estado a arte transborda nos bueiros abertos e onde reina a corrupção mistura-se longas caminhadas de seus artistas marginais por conveniência.

Nesse ponto, Marituba vive um contraste invisível. O incentivo a cultura é vazio e pouco dialogia com a vanguarda e suas reflexões (não se pode esperar outra coisa do estado) e a dita “vanguarda” parece pouco disposta a se organizar para retomar seu espaço. Um dilema sempre revisto nas “mesas” de discussão underground que parece durar a eternidade.

A verdade é que sem o apoio do poder público os movimentos da cidade tendem a se esvaziar de ações, o que deveria ser ao contrário, sabendo que o poder do estado tem interesses superficiais em relação a arte e sua parcela fica na esfera do entretenimento e não é de sua vocação qualquer ruptura com a máquina capitalista; os movimentos na cidade deveriam se unir, em coletivos e movimentos de ação e estudo (algo que soa acadêmico se você apenas quiser teorizar mas que é fundamental para a estrutura do argumento das ações) e  estudar (com projetos, ações coletivas, oficinas, performances, panfletagem, rádio, internet etc....)  uma maneira de se inserir no campo social e  para a melhoria da vida das pessoas naquilo que cabe ao artista, levar sua arte e fazer que ela ajude no processo de humanização e integração da pessoa com ela mesma ao ponto que ela se liberta dos grilhões da mídia televisiva, da propaganda, da força politica desdenhosa com os assuntos de interesse mútuo, com os traficantes e suas vidas cheio de luxo em nome da desgraça de famílias, dos jovens envelhecidos pela sua própria ausência de sentido em viver um uma cidade que pouco se importa com o ser humano e onde a banalização da vida é so reflexo do mundo em que vivemos hoje.

Cabe a todos o amadurecimento para encontrar a razão de existir de uma cidade que pode melhorar se as pessoas acreditarem nelas mesmas, nas pessoas ao redor que podem ajudar e no futuro. Sem isso, viver em Marituba pode se tornar insuportável.

 

João Leno Lima

21-12-2010

Continue

EUA pressionaram BRASIL por acordo que dificultava punir abusos

0
11:36

 

O Itamaraty encerrou uma parceria com os EUA para treinamento de militares após sofrer pressão para assinar acordo bilateral que visava dificultar o trabalho do Tribunal Penal Internacional (TPI). A informação consta de documentos levados a público pela ONG WikiLeaks. As negociações ocorreram sobretudo entre 2004 e 2005. Em 2002, o TPI, ligado à ONU, foi criado para julgar casos de abusos contra os direitos humanos. Os EUA, porém, não reconheceram a autoridade do novo órgão. A informações são do jornal Folha de S. Paulo.

O governo de George W. Bush começou então uma campanha para fechar acordos bilaterais de imunidade -denominados genericamente "Artigo 98"- com países que reconheciam o TPI. O objetivo era que cidadãos americanos, sobretudo militares, que cometessem crimes nesses países não fossem julgados no TPI, sediado em Haia (Holanda). Segundo os telegramas, inicialmente o Brasil se mostrou aberto a negociar condições especiais para militares americanos que participassem de exercícios militares em território nacional, mas rechaçou o acordo.

 

 

 

 

NotIcia ORIGINAL EM>

noticias.terra

Continue

Negociatas à vista

0
17:23

por Correio da Cidadania

 

 

Para sediar a Copa e os Jogos Olímpicos a FIFA exige que o Brasil construa novos estádios de futebol.
Trata-se de uma chantagem. O Brasil já possui estádios suficientes para abrigar os públicos interno e externo que irão assistir a esses eventos.
Além dos estádios, a FIFA exige que o Brasil amplie seus aeroportos – gasto igualmente desnecessário.
Sem dúvida, o esporte é uma atividade importante e merece a atenção do poder público. Contudo, um país que não consegue sequer alimentar adequadamente todo o seu povo precisa alocar os escassos recursos do seu orçamento em obras mais urgentes.
É pouco provável, entretanto, que o bom senso prevaleça. A grande massa apóia o gasto e, além disso, propiciará polpudos contratos com empreiteiras e muita especulação imobiliária – uma conjugação de muito poderosos interesses.
Tão certos estão os empresários da efetivação de tais gastos que os preços dos terrenos nas regiões em que serão construídos os estádios já aumentaram substancialmente. Para isto contribui o governo, que já iniciou a higienização social dos bairros onde se localizarão os estádios. Negros, pardos, cafusos e brancos pobres já foram advertidos de que não se tolerará qualquer tipo de comportamento que venha a incomodar os turistas.
A recente operação policial-militar realizada nos morros do Rio de Janeiro não teve, na verdade, o objetivo de prender narcotraficantes. A Polícia sabe muito bem que os chefes do narco não moram nos morros do Rio, mas nos luxuosos apartamentos da Vieira Souto [1] . Nos morros moram os sargentos e soldados desse exército criminoso.
Os primeiros, instalados no alto dos morros, com visão total da aproximação dos veículos policiais, obviamente escaparam a tempo. Ficaram os soldados, estes que vimos correndo desesperados, no show televisivo que a mídia encenou a fim de que a advertência extrapolasse o Rio de Janeiro e atingisse os pobres de todo o país.
Um gráfico dos locais nos quais foram instalados os quartéis da UPP (Unidade de Policia Pacificadora) coincide exatamente com a proximidade entre favelas e bairros elegantes. Nos morros mais distantes não se cogitou disso.
Urge fazer um movimento de opinião para bloquear a negociata. O Brasil não tem pó rque curvar-se a uma corja de cartolas que vivem da exploração do fascínio que o esporte desperta em todos nós.

17/Dezembro/2010

[1] A Av. Vieira Souto, na zona Sul do Rio de Janeiro, é conhecida por ter o mais alto custo por metro quadrado da América Latina .


O original encontra-se em http://www.correiocidadania.com.br/content/view/5303/128/


Este editorial encontra-se em http://resistir.info/ .

Continue

Terrorismo de Estado e a Insegurança Pública das Ações Policiais no Rio de Janeiro

0
13:55

 

Federação Anarquista do Rio de Janeiro

 

Após a tomada de uma casa que servia a traficantes na Vila Cruzeiro  (favela da cidade do Rio), um policial foi perguntado sobre qual seria  o destino do imóvel. A resposta foi que – como símbolo do que está  acontecendo na comunidade – ali passaria a funcionar um batalhão da PM. Realmente tal “mudança” na função do imóvel é bastante emblemática  do que ocorre hoje na vida da população de favela. Onde antes existam  homens armados intimidando o povo, agora haverá... homens armados  intimidando o povo, só que uniformizados e remunerados pelos cofres  públicos. A população está passando a ser oprimida pelos ditadores fardados e não mais pelos já conhecidos varejistas da droga.

Na quinta-feira, 25 de novembro de 2010, uma ação que reuniu três mil policiais e militares das Forças Armadas ocupou simultaneamente as comunidades de Vila Cruzeiro (uma das 10 favelas do complexo da Penha)  e o Complexo do Alemão ( formado por 12 favelas), ambas na capital fluminense. Na região vivem mais de 400 mil pessoas. E qual o perfil desse povo? Será que o que ele está precisando é de mais armamento e truculência estatal? Quais são suas demandas?

Bem, o Complexo do Alemão é considerado, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bairro dono dos piores Índices de Desenvolvimento Social (IDS) do Rio de Janeiro. Calculado ainda que pelo suspeito Instituto Pereira Passos (IPP), o índice leva em consideração o acesso da população ao saneamento básico, à habitação, à escola e ao mercado de trabalho. Segundo os dados, nas 12 comunidades do maior complexo de favelas da cidade, 15% das residências não contam com rede de esgoto; 36,43% dos chefes de família têm menos de quatro anos de estudo; um em cada 11 moradores com mais de 15 anos de idade é analfabeto; na faixa etária entre 15 e 17 anos, 11,37% das meninas já são mães; 60,55% dos trabalhadores ganham, no máximo, dois salários mínimos; na faixa etária dos 15 aos 17 anos, 27,83% dos jovens não freqüentam a escola.

Mesmo assim, as ações que vemos por parte do governo em nada se voltam para a reversão desse quadro calamitoso. Pelo contrário, os sucessivos governos roubam e espancam camelôs através da Guarda Municipal; reprimem os sem-terra, favorecendo assim o êxodo rural e o aumento de favelas... O mesmo Estado que diz querer resolver o problema das favelas ataca o movimento sem-teto, fazendo, com isso, que famílias deixem de viver de maneira comunitária e harmônica em ocupações e sejam obrigadas a residir em morros labirínticos, facilmente domináveis por traficantes e milícias opressoras. A verdade é que o Estado não quer resolver o problema das comunidades carentes, mas sim favorecer grandes comerciantes, latifundiários e a especulação imobiliária.

O curioso é que alguns políticos, mesmo aqueles que se notabilizam pela defesa de políticas humanitárias, não têm feito muito para impedir a ascensão de um Estado policialesco. É o caso do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) - aliás estrela, na pele do personagem "Fraga", do comemoradíssimo "Tropa de Elite 2", do não menos "comemorado" liberal José Padilha - que pregou em seu recente discurso na ALERJ: mais recursos públicos para a PM, mais armamentos, mais "inteligência" e maiores salários para os policiais. Assim, a julgar pelo discurso de Freixo, em que pese algumas outras sugestões previstas em um contexto de “estado de direito”, este prescreve medidas no sentido do aperfeiçoamento das principais instituições repressivas (polícias, exércitos etc.), nas suas funções de defesa da propriedade privada e da legalidade burguesa. Dentro da perspectiva capitalista, essas são propostas coerentes, mas querer chamar isso de Socialismo é clara hipocrisia.

Hipocrisia também é o que podemos observar na maioria das coberturas que a imprensa tem feito ultimamente. A mídia burguesa brasileira (Rede Globo, SBT, Record e outras porcarias) têm transformado a cobertura das incursões policiais em verdadeiros shows, onde o  sensacionalismo e a bajulação do governo e suas polícias marcam forte presença. Só que, para boa parte dos moradores das favelas cariocas, as invasões policiais nas comunidades pouco têm de heróico, bonito ou glamouroso.

Em entrevista ao jornal Correio Brasiliense, o representante de vendas Ronai Braga, de 32 anos, morador da Vila Cruzeiro, denunciou a invasão de sua casa por policiais, que destruíram móveis e eletrodomésticos e roubaram cerca de 30 mil reais. O dinheiro era fruto de uma rescisão trabalhista e seria usado para comprar um imóvel, contou Ronai. No geral, a imprensa está criando um “oba-oba geral” em torno da  suposta “derrota do crime organizado”. Mas devemos ter um olhar mais atento sobre essa questão. Afinal, basta ver qual tipo de pessoa está sendo presa para notarmos algo de errado nessa história toda. Os presos – basta observar – são todos favelados negros e pardos. Ora, o crime organizado é aquele que permeia o aparelho estatal, tem ramificações internacionais, conta com representantes em parlamentos pelo mundo a fora, elege e derruba governos nacionais, ou seja: é obra de gente da elite.

Os que estão sendo presos hoje no Rio são só pequenos varejistas das drogas ou, no máximo, “micro-empresários” dos entorpecentes, que têm seguido a lógica “empreendedora” (leia-se individualista e não-solidária) propagada pela própria ideologia capitalista defendida pela imprensa brasileira.

Um outro aspecto conjuntural, aquele que nos remete a importância do Rio de Janeiro para os eventos de 2014 e 2016, Copa do Mundo e Olimpíadas respectivamente, encontra na especulação imobiliária  e nas obras de infra-estrutura para a capital do estado grande relevância. O projeto "Porto Maravilha", revitalização da área portuária do centro do Rio; os anéis viários, que já estão justificando a remoção de várias comunidades carentes na zona Oeste; assim como as ações orquestradas pelas obras do PAC, formam o conjunto de ações a compor o mosaico da fachada burguesa que deve substituir a cidade real, aquela formada pela imensa massa humana de explorados e oprimidos. E a guerra de classes, escamoteada pelo combate ao narcotráfico, na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, é apenas mais um sintoma.

Assim, no Capitalismo, as alternativas deixadas ao povo pobre, negro, oprimido, são mesmo bastante escassas. 122 anos após o término oficial da escravidão no Brasil, e 100 anos após a Revolta da Chibata, os negros e pardos ainda são imensa maioria nas favelas e prisões. Então  nos cabe perguntar: que possibilidade de ascensão é essa que a “democracia” nos garante, com igualdade de oportunidades?

Historicamente o Capitalismo tem reservado o que há de pior para os trabalhadores, tanto mais quando estes podem ser identificados com o crime e a contravenção. O que se assiste no Rio de Janeiro hoje, para além do que aqui foi exposto, é a didática parceria entre a mídia, o “poder público” e o empresariado. Como em outros momentos, tal acordo sempre custou muito ao povo. No caso atual, com maior evidência, a contabilidade pode ser aferida em vidas humanas.

Fonte: FARJ
Autor(a): FARJ

Continue

ANARQUISMO JÁ!

0
12:25

Ethel de Paula

 

(ARQUIVO RIZOMA)


O animal político também é criativo, anárquico, festivo. No Rio de Janeiro,um grupo de artistas plásticos elegeu o imprevisível como bandeira, fundando um comitê no apartamento de um deles e consolidando o que chamaram de ''phoder paralelo''. Nas ruas, palco democrático por

excelência, a ordem foi fazer performances, mexer com a ideologia
estabelecida, alterar a percepção da realidade. ''Criamos uma campanha fictícia e nos apresentamos como candidatos políticos, percorrendo vários pontos da cidade, distribuindo panfletos, camisetas, bananas e salsichão. As pessoas chegavam a assinar um documento se filiando ao nosso pseudo partido e prometendo votos. Também recebemos muitos pedidos dos nossos eleitores'', riu-se o pernambucano Edson Barrus, um dos envolvidos no teatro vivo.


''Trabalhamos com a ressignificação da idéia de poder. Por isso escreve-se phoder com ph. Assim, soa como efe e remete à gozo, à prazer. As performances apontam então para a surpresa, promovemos uma grande quermesse artística, tentando dissolver categorias repressoras, desestabilizar o que está posto, valorizando a inserção social e o indivíduo criativo'', defende Edson. Para tanto, impera a anarquia. O ''phoder paralelo'' é responsável pela pichação de pênis em outdoors de candidatos políticos nessa última eleição. ''Mais imoral que o desenho é a cara cínica dos políticos'', metralhou. O Aterro do Flamengo também foi alvo de protesto simbólico. ''Estendemos várias faixas onde se lia 'Xêre Brizola'.
Aqui, Brizola é uma gíria, significa cocaína. Então, por também ser o nome de um político, vem a calhar com o momento das eleições. Mas é importante que se diga: até então não havíamos assumido a
responsabilidade por nenhuma dessas ações. Isso para resguardar nossa integridade física'', segreda.


O grupo aprontou mais. Fernando de la Roque é o 'pai' da Barata Dourada que virou uma espécie de mascote do ''phoder paralelo'' em época de campanha eleitoral. ''Ele capturava uma barata viva e com spray fazia ela ficar dourada. Depois punha em um vidrinho transparente e vendia nas ruas por um real. Essa ação está ligada ao nojo que é a política, à reversão de valor através da maquiagem'', reflete Edson. Da sacada do apartamentocomitê, ainda voaram panfletos com instruções detalhadas sobre como inutilizar uma urna eletrônica. Já com o grupo Urucum, de Macapá, o ''phoder paralelo'' planejou uma intervenção conjunta. ''A gente mandava cartazes de candidatos daqui do Rio para eles espalharem por lá e eles faziam o mesmo conosco. Tudo para confundir os eleitores'', assume o
artista.


O poste e o ateu


Niterói é a cidade-sede da Galeria do Poste. No caso, um simples poste do bairro Gragoatá ganhou status de museu de arte desde que a comunidade artística assim resolveu, passando a usá-lo como legítimo suporte para periódicas exposições. Convidado a expor no poste, o carioca Felipe Barbosa aproveitou as eleições municipais do ano 2000 para devolver a ele sua função original de canal anônimo de informação. ''Nessa época, o poste adotado pelos artistas era o único poupado de cartazes e santinhos de
candidatos. Então resolvi criar meu próprio material de campanha, idêntico ao dos demais políticos, e pregar nele. Além do meu cartaz, onde se lia Felipe 2000, local e data da vernissage, preguei também os dos candidatos de fato, o que fez com que ele ficasse exatamente igual aos postes comuns'', detalha.


Na vernissage, porta título de eleitor, camiseta, adesivo de carro. Crítica indireta ao processo eleitoral, direta à sacralização dos espaços de arte. Mais incisiva do ponto de vista político, a intervenção do paulista Marcelo Cidade, na grande São Paulo, aconteceu de madrugada, às escondidas. ''Contratei pichadores para escrever sobre cartazes de candidatos políticos a palavra 'ateu', sugerindo assim a minha descrença em relação à política.
Sempre estive ligado ao grafite, a essa comunidade tida como underground. O curioso é que, em época de eleição, os candidatos fazem o mesmo que fiz, contratam para verem seus nomes pichados pela cidade, mas nesse caso a população aceita, a poluição visual é permitida, porque institucional'',
provoca.


(05/10/2002)
Fonte: Jornal O Povo (www.noolhar.com/opovo/).

Continue