Há poesia depois da dor

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poema

Há diversas razões que levam alguém a se tornar um escritor. Algumas podem lhe dar sustentação criativa a vida inteira outras, podem apenas ser como aquela paixão súbita que logo se apaga em meio aos afazeres contínuos da realidade de si mesmo, em outras palavras, aquilo não era para a vida toda ou simplesmente não era para você. O ventilador criativo por vezes vem de algumas manifestações propriamente humanas: A perda, a morte de uma pessoa importante ou especial, o amor não correspondido (muito comum) ou o amor dilacerado pelo fim (tão ou mais comum). A verdade é que muitos jovens entram pelas entrelinhas da poesia, do texto, do romance, motivados por sentimentos cinzentos, cheios de mágoas, tristezas contínuas ou solidão constante e assim têm suas iniciações no fabuloso mundo da literatura. Mas, e quando a nascente que o levou à criação motivadora e empolgante das palavras seca ou sobretudo, transforma-se num natural amadurecimento de outras possibilidades e anseios típicos da ânsia humana por mudanças? quando a dor que tanto machucava reverte-se em algo inócuo, esvaziada pela religiosa passagem do tempo? e aquele amor transpassado em seus íntimo dá lugar ao novo amor, algo tão elementar e que acaba trazendo e/ou mostrando que o amar é na verdade um profundo percurso de reconhecimento?. Sim, diante destas reviravoltas tão comuns na vida humana, muitos dos pretensos escritores abandonam suas trincheiras poéticas e abraçam o até então inimigo íntimo do destino.

A chama da poesia, em versos tão desbravadores da dor, se tornam gotas, que caem das torneiras do pensamento cada vez mais raras até esgotarem-se num vácuo. Para muitos isso mostra que é na adversidade existencial que somos mais criativos. Que os pesos, as vezes incarregáveis, da vida é a grande fonte que leva ao expoente acesso das letras e da arte. Falando de poesia, isso parece ser uma verdade visceral, estampada nos anseios de alguém que usava e era usado pelo desabafo, pelo desejo solitário, envernizado em cada página, à lápis , à mão.

Mas essa desmotivação, em contraste com a significância do novo estado atual de felicidades, na concretude do sorriso, do ensolarado bater de asas do destino, da mãos dadas como fotografia constatante de uma nova realidade não é causada na verdade porque o tímido e inexperiente escritor estava tão acostumado com sua condição, seus versos e suas rimas já casavam tão profundamente com a febril paisagem lacrimejante que ele parece ser incapaz de recriar sua arte além das montanhosas melancolias da vida?

Incapaz de ocupar de dialogo com o sol e suas metáforas, o que antes era chuva, incapaz de trazer o calor e derreter a gélida visão do passado, incapaz transpor os muros que ele mesmo levantou, o frágil escritor desfalece. Despenca das altas torres criativas e não raramente jamais retorna ao encontro dos motivos dos versos. Na verdade, novas motivações, imagens e oníricas reverberações passam a bailar em suas entranhas, sua dor era na verdade passageira ou descontínua? não sabemos. Sua solidão só precisava de um afago verdadeiro e sincero de outrem e seu olhar só precisava contornar as crateras e sua poética? não sabemos. Mas seus versos poderiam sobreviver a toda essa mudança?. Penso que deveria fazer parte dela, uma metamorfose de uniões vastas de verdades sobrepostas. Mas isso também não é uma lei.

Há tantas motivações que podem ser o fio condutor que revelam-se ser inesgotáveis. Há poesia depois da dor, há poesia em tudo que se pretende poetizar, basta querer e sobretudo, sentir.

 

Artigo | Júlio Siqueira

Entulho Cósmico

Toda a palavra é um verso e todo o verso é um infinito

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