por John Pilger
Os ataques à WikiLeaks e ao seu fundador, Julian Assange, constituem uma resposta à revolução na informação que ameaça as velhas ordem de poder, na política e no jornalismo. A incitação ao assassínio trombeteada por figuras públicas nos Estados Unidos, juntamente com tentativa da administração Obama de corromper o direito e remeter Assange para um buraco prisão infernal durante o resto da sua vida são as reacções de um sistema opressor revelado como nunca o fora antes.
Nas últimas semanas, o Departamento da Justiça dos EUA estabeleceu um grande júri secreto do outro lado do rio de Washington, no distrito Leste do estado de Virgínia. O objectivo é acusar Julian Assange sob uma desacreditada lei de espionagem utilizada para prender activistas da paz durante a Primeira Guerra Mundial, ou uma lei da "guerra ao terror" que degradou a justiça estado-unidense. Peritos judiciais descrevem o júri como uma "preparação deliberada", destacando que este canto da Virgínia é onde residem empregados e famílias do Pentágono, CIA, Departamento de Segurança Interna e outros pilares do poder americano.
"Isto não é boa notícia", contou-me Assange quando falámos na semana passada, sua voz era sombria e preocupada. Ele diz que pode ter "dias maus – mas recupero". Quando nos encontrámos em Londres no ano passado, eu disse, "Você está a fazer alguns inimigos muito sérios, nada menos que o governo mais poderoso empenhado em duas guerras. Como é que trata essa sensação de perigo?" A sua resposta foi caracteristicamente analítica. "Não é que não haja medo. Mas a coragem é realmente o domínio intelectual sobre o medo – por um entendimento do que são os riscos e de como navegar através deles".
Sem pensar nas ameaças à sua liberdade e segurança, ele diz que os EUA não são o principal "inimigo tecnológico" do WikiLeaks. "A China é o pior ofensor. A China tem tecnologia agressiva e refinada de intercepção que posiciona entre cada leitor dentro da China e toda informação de fonte exterior à China. Temos estado a combater numa batalha para assegurar que possamos obter informação dali e há agora toda espécie de meios pelos quais os leitores chineses podem acessar o nosso sítio".
Foi neste espírito de "obter informação" que o WikiLeaks foi fundado em 2006, com uma dimensão moral. "O objectivo é justiça", escreveu Assange na homepage, "o método é a transparência". Ao contrário de uma lenga-lenga corrente nos media, o material da WikiLeaks não é "rejeitado". Menos de um por cento dos 251 mil telegramas de embaixadas dos EUA foram divulgados. Como destaca Assange, a tarefa de interpretar e editar material que possa prejudicar indivíduos inocentes exige "padrões [condizentes] com altos níveis de informação e fontes primárias". Para o poder dissimulado, este jornalismo é o mais perigoso.
Em 18 de Março de 2008, foi prevista uma guerra à WikiLeaks num documento secreto do Pentágono preparado pelo "Cyber Counterintelligence Assessments Branch".
A inteligência dos EUA, dizia, pretendia destruir o sentimento de "confiança" o qual é o "centro de gravidade" do WikiLeaks. Ela planeou fazê-lo com ameaças de "revelação [e] processo criminal". Silenciar e criminalizar esta fonte rara de jornalismo independente era o objectivo, enlamear o método. O inferno não contem uma fúria tão grande quanto a de um mafiosi imperial desdenhado.
Outros, também desdenhados, acabaram por desempenhar um papel de apoiantes, intencionalmente ou não, na caçada a Assange, alguns por razões de pequenos ciúmes. Sordidez e decadência descrevem o seu comportamento, o qual serve apenas para destacar a injustiça contra um homem que corajosamente tem revelado o que temos o direito de conhecer.
Quando o Departamento da Justiça dos EUA, na sua caça a Assange, intima o Twitter e contas de email, registos bancários e de cartões de crédito de pessoa por todo o mundo – como se todos nós fôssemos súbditos dos Estados Estados – grande parte dos media "livre" em ambos os lados do Atlântico dirigem a sua indignação contra o perseguido.
"Então, Julian, porque não volta à Suécia agora?" perguntava o título que encimava a coluna de Catherine Bennett, no Observer de 19 de Dezembro, a qual questionava a resposta de Assange a alegações de má conduta sexual com duas mulheres em Estocolmo em Agosto último. "Continuar a adiar o momento da verdade, para este campeão das revelações sem medo e da abertura total", escreveu Bennett, "pode começar a parecer quase desonesto, assim como inconsistente". Nem uma palavra na peçonha de Bennett considerava as ameaças que se aproximam contra os direitos humanos básicos de Assange e à sua segurança física, como foram descritas por Geoffrey Robertson QC na audiência de extradição em Londres a 11 de Janeiro.
Em resposta a Bennett, o editor on line da Nordic News Network, da Suécia, Al Burke, escreveu ao Observer explicando que "respostas plausíveis à questão tendenciosa de Catherine Bennett" eram criticamente importantes e [as respostas] estavam livremente disponíveis. Assange permaneceu na Suécia durante mais de cinco semanas depois de ter sido feita a acusação de violação – ignorada a seguir pela promotora chefe em Estocolmo – e de terem falhado repetidas tentativas dele e do seu advogado sueco para encontrar a segunda promotora que reabriu o caso após a intervenção de um político do governo. E ainda assim, como destacou Burke, esta promotora concedeu-lhe permissão para voar a Londres onde "também se ofereceu para ser entrevistado – uma prática normal em tais casos". Assim, parece pelo menos muito estranho que a promotora haja então emitido um Mandado de Prisão Europeu (European Arrest Warrant). O Observer não publicou a carta de Burke.
Este registo claro é crucial porque descreve o comportamento pérfido das autoridades suecas – uma sequência bizarra que me foi confirmada por outros jornalistas em Estocolmo e pelo advogado sueco de Assange, Bjorn Hurtig. Não é só isso. Burke destacou o perigo que Assange enfrenta caso seja extraditado para a Suécia. "Documentos divulgados pelo Wikileaks desde que Assange foi para a Inglaterra", escreveu ele, "indicam claramente que a Suécia submeteu-se sistematicamente à pressão dos Estados Unidos em matérias relativas a direitos civis. Há amplos motivos para a preocupação de que se se verificar Assange ser posto sob a custódia das autoridades suecas possa ser entregue aos Estados Unidos sem a devida consideração dos seus direitos legais.
Estes documentos foram virtualmente ignorados na Grã-Bretanha. Eles mostram que a classe política sueca afastou-se muito da visível neutralidade de uma geração atrás e que o aparelho militar e de inteligência do país está quase absorvido dentro da matriz de Washington em torno da NATO. Num telegrama de 2007, a embaixada dos EUA em Estocolmo louva o governo sueco dominado pelo conservador Partido Moderado do primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt como vindo "de uma nova geração política e não preso às tradições [anti-EUA] [e] na prática um parceiro pragmático e forte com a NATO, tendo tropas sob comando NATO no Kosovo e no Afeganistão.
O telegrama revela como a política externa é amplamente controlada por Carl Bildt, o actual ministro dos Estrangeiros, cuja carreira foi baseada na lealdade aos Estados Unidos. Ela remonta à guerra do Vietname, quando ele atacava a televisão pública sueca por difundir a evidência de que os EUA estavam a bombardear alvos civis. Bildt desempenhou um papel importante no Comité para a Libertação do Iraque, um grupo de lobby com laços estreitos com a Casa Branca de George W. Bush, a CIA e a extrema-direita do Partido Republicano.
"A significância de tudo isto para o caso Assange", observa Burke num estudo recente, "é que será Carl Bildt e talvez outros membros do governo Reinfeldt quem decidirá – abertamente ou, mais provavelmente, de modo furtivo por trás de uma fachada de legalidade formal – sobre aprovar ou não o esperado pedido dos EUA para a extradição. Tudo no seu passado indica claramente que um tal pedido será atendido".
Exemplo: em Dezembro de 2001, com a "guerra ao terror" em andamento, o governo sueco abruptamente revogou o estatuto de refugiado político de dois egípcios, Ahmed Agiza e Mohammed al-Zari. Eles foram entregues a um esquadrão de sequestros da CIA no aeroporto de Estocolmo e "rendered" para o Egipto, onde foram torturados. Quando o ombudsman sueco para a Justiça investigou e descobriu que os seus direitos humanos haviam sido "gravemente violados", já era demasiado tarde.
As implicações para o caso Assange são claras. Ambos os homens foram removidos sem o devido processo legal e antes que os seus advogados pudessem apelar ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos e em resposta a uma ameaça dos EUA de impor um embargo comercial à Suécia. No ano passado, Assange requereu residência na Suécia, esperando basear ali a Wikileaks. Acredita-se geralmente que Washington tenha advertido a Suécia através de contactos mútuos de inteligência das consequências potenciais. Em Dezembro, a promotora Marianne Ny, a qual reactivou o caso Assange, discutiu no seu sítio web a possibilidade da extradição de Assange para os EUA.
Quase seis meses após as alegações sexuais terem sido tornadas públicas, Julian Assange foi acusado sem crime, mas o seu direito à presunção de inocência foi negado deliberadamente. O desdobrar dos acontecimentos na Suécia tem sido no mínimo grotesco. O advogado australiano James Catlin, que actuou a favor de Assange em Outubro, descreve o sistema de justiça sueca como "uma gargalhada... Não há precedente para isto. Os suecos estão a inventar à medida que avançam". Além de notar contradições no caso, ele afirma que Assange não criticou publicamente as mulheres que fizeram as alegações contra ele. Foi a polícia que deu informação ao equivalente sueco do Sun, o Expressen, com material difamatório, iniciando um julgamento pelos media por todo o mundo.
Na Grã-Bretanha, este julgamento foi saudado ainda mais por acusadores ávidos, com a BBC à dianteira. Não houve presunção de inocência no tribunal Newsnight de Kirsty Wark, em Dezembro. "Porque não pediu desculpas às mulheres?", perguntou ela a Assange, seguido por: "Você nos dá a sua palavra de honra de que não se evadirá?" No programa Today da Radio 4, John Humphrys, o parceiro de Catherine Bennett, disse a Assange que ele era obrigado a voltar à Suécia "porque a lei diz que deve".
O vociferante Humphrys, contudo, tem interesses mais prementes. "Será você um predador sexual?", perguntou. Assange respondeu que a sugestão era ridícula, pelo que Humphrys perguntou com quantas mulheres ele havia dormido.
"Será que mesmo a Fox New desceu a esse nível", espantou-se o historiador americano William Blum. "Oxalá Assange tivesse sido educado nas ruas de Brookly, como eu fui. Ele então teria sabido como responder precisamente a tal pergunta: "Você quer dizer incluindo a sua mãe?"
O que é mais impressionante acerca destas "entrevistas" não é tanto a sua arrogância e falta de humildade intelectual e moral; é a sua indiferença para com questões fundamentais de justiça e liberdade e a sua imposição de termos de referência estreitos e lascivos. Fixar estas fronteiras permite ao entrevistador diminuir a credibilidade jornalística de Assange e do WikiLeaks, cujos feitos notáveis se erguem em contraste vivo com os seus próprios. É como observar os velhos e rançosos guardiões do status quo a lutarem para impedir a emergência do novo.
Neste julgamento dos media há obviamente uma dimensão trágica para Assange, mas também para o melhor do jornalismo de referência. Ao publicar uma grande quantidade de edições profissionalmente brilhantes com as revelações do WikiLeaks, festejadas por todo o mundo, a 17 de Dezembro o Guardian recuperou a sua cidadania no establishment ao virar-se contra a sua fonte em apuros. Um artigo de Nick Davies, correspondente sénior do jornal, afirmava que lhe havia sido dado o ficheiro "completo" da polícia sueca com "novos" e "reveladores" excertos lascivos.
O advogado sueco de Assange, Bjorn Hurtig, diz que faltam provas cruciais no ficheiro dado a Davies, incluindo "o facto de que as mulheres foram reentrevistadas e lhes foi dada oportunidade de alteraram a suas estórias", assim como o tweets e mensagens SMS entre elas, as quais são "críticas para trazer justiça a este caso". Também é omitida evidência escusatória vital, tal como a declaração da promotora original, Eva Finne, de que "Julian Assange não é suspeito de violação".
Depois de examinar o artigo de Davies, James Catlin, o antigo advogado de Assange, escreveu-me: "A ausência completa do processo devido é a estória e Davies ignora-a. Por que o processo devido importa? Porque os poderes maciços dos dois braços do governo estão a ser mobilizados para serem usados contra o indivíduo cuja liberdade e reputação está em causa". Eu acrescentaria: e também a sua vida.
O Guardian aproveitou-se enormemente das revelações do WikiLeaks, sob muitos aspectos. Por outro lado, o WikiLeaks, que sobrevive principalmente com pequenas doações e já não pode mais receber fundos através de numerosos bancos e companhias de crédito devido à intimidação de Washington, nada recebeu do jornal. Em Fevereiro, a Random House publicará um livro do Guardian que certamente será um best-seller lucrativo, que a Amazon está a anunciar como O fim do segredo: a ascensão e queda do WikiLeaks (The End of Secrecy: the Rise and Fall of WikiLeaks). Quando perguntei a David Leigh, o executivo do Guardian responsável pelo livro, o que significava "queda", ele respondeu que a Amazon estava errada e que o título fora A ascensão (e queda?) do WikiLeaks. "Note o parênteses e a interrogação", escreveu ele. "Não destinado a publicação, de qualquer forma". (O livro agora é intitulado no sítio web do Guardian como WikiLeaks: Inside Julian Assange's War on Secrecy). Ainda assim, considerando tudo isso, a sensação é de que jornalistas "reais" estão outra vez a dominar. Falta de sorte para o rapaz, que nunca realmente fez parte [desse jornalismo].
Em 11 de Janeiro, a primeira audiência para a extradição de Assange foi efectuada no Belmarsh Magistrates Court, um endereço infame porque aqui, antes do advento das ordens de controle, eram despachadas pessoas para a própria Guantanamo britânica, a prisão de Belmarsh. A mudança do habitual tribunal de magistrados de Westminster foi devida a uma falta de instalações para a imprensa, segundo as autoridades. Sem dúvida não foi coincidência que eles tenham anunciado isto no dia em que o vice-presidente dos EUA Joe Biden declarou Assange um "terrorista high tech".
Da sua parte, Julian Assange está preocupado acerca do que acontecerá a Bradley Manning, o alegado informante, que preso em condições tão horrorosas que a US National Commission on Prisons classifica como "tortuosas". O soldado Manning é o mais eminente prisioneiro de consciência do mundo, tendo permanecido fiel ao Princípio de Nuremberg de que todo soldado tem o direito a "uma opção moral". O seu sofrimento ridiculariza a noção da "terra da liberdade".
"Informantes [acerca] do governo", dizia Barack Obama em 2008, na campanha para a presidência, "são parte de uma democracia saudável e devem ser protegidos de represálias". Obama tem desde então perseguido e processado mais informantes do que qualquer outro presidente na história americana.
"Quebrar Bradley Manning é o primeiro passo", disse-me Assange. "O objectivo é claramente rompe-lo e forçá-lo à confissão de que de alguma forma conspirou comigo para prejudicar a segurança nacional dos Estados Unidos. De facto, nunca ouvi o seu nome antes de ter sido publicado na imprensa. A tecnologia WikiLeaks foi concebida desde o princípio para assegurar que nunca saibamos as identidades ou nomes das pessoas que submetem material. Somos tão indetectáveis como incensuráveis. Este é o único meio de assegurar que as fontes são protegidas".
Ele acrescenta: "Penso que o que está a emergir nos media de referência é a consciência de que se posso ser acusado outros jornalistas também o podem. Mesmo o New York Times está preocupado. Isto não costumava ser assim. Se um informante fosse processado, editores e repórteres eram protegidos pela Primeira Emenda que os jornalistas consideravam como garantida. Isso está a ser perdido. A divulgação dos registos da guerra do Iraque e do Afeganistão, com as suas provas da matança de civis, não provocou isto – é a revelação e o embaraço da classe política: a verdade do que governos dizem em segredo, de como mentem em público; de como são principiadas guerras. Eles não querem que o público saiba destas coisas e têm de encontrar bodes expiatórios".
O que há acerca da "queda" do WikiLeaks? "Não há queda", disse ele. "Nunca publicámos tanto como agora. A WikiLeaks agora é reproduzida (mirrored) em mais de 2000 sítios web. Não posso manter o registo de todos os sítios que o imitam: aqueles que estão a fazer os seus próprios WikiLeaks... Se algo acontecer a mim ou ao WikiLeaks, ficheiros de "segurança" serão divulgados. Eles falam mais da mesma verdade ao poder, incluindo os media. Há 504 telegramas de embaixadas numa organização de difusão e há telegramas sobre Murdoch e Newscorp".
A propaganda mais recente acerca do "dano" provocado pelo WikiLeaks é uma advertência do Departamento de Estado dos EUA de "possíveis ameaças à segurança de centenas de activistas de direitos humanos, responsáveis de governos estrangeiros e homens de negócio identificados em telegramas diplomáticos". Foi assim que o New York Times submissamente o anunciou a 8 de Janeiro, mas é falso. Numa carta ao Congresso, o secretário da Defesa Robert Gates admitiu que nenhumas fontes sensíveis de inteligência haviam sido comprometidas. Em 28 de Novembro, McClatchy Newspapers informou que "responsáveis dos EUA reconheceram que não tinham evidência até à data de que a divulgação [anterior] de documentos levasse à morte de alguém". A NATO em Cabul disse à CNN que não podia descobrir uma única pessoa que precisasse de proteger.
O grande dramaturgo americano Arthur Miller escreveu: "A ideia de que o estado... está a punir tantas pessoas inocentes é intolerável. E por isso a evidência tem de ser negada internamente". O que o WikiLeaks nos tem dado é a verdade, incluindo raras e preciosas visões de como e porque tantas pessoas inocentes sofreram em domínios de terror disfarçados como guerras e executadas em nosso nome; e de como os Estados Unidos secretamente e desenfreadamente intervieram em governos democráticos desde a América Latina ao seu mais leal aliado, a Grã-Bretanha.
Javier Moreno, o editor de El Pais, que publicou os registos WikiLeaks na Espanha, escreveu: "Acredito que o interesse global activado pelos documentos WikiLeaks é devido principalmente ao simples facto de que revelam conclusivamente a extensão em que políticos do ocidente têm estado a mentir aos seus cidadãos".
Esmagar figuras individuais como Julian Assange e Bradley Manning não é difícil para uma grande potência, ainda que de forma covarde. O que está em causa é que não deveríamos permitir que isto aconteça, o que significa que aqueles de nós que pretendem esclarecer a situação não deveriam colaborar por qualquer meio. Transparência e informação, para parafrasear Thomas Jefferson, são a "moeda" da liberdade democrática. "Toda organização noticiosa", disse-me um importante constitucionalista americano, "deveria reconhecer que Julian Assange é um deles e que processá-lo terá um enorme e gélido efeito sobre o jornalismo".
O meu documento secreto favorito – divulgado pelo WikiLeaks, naturalmente – é do Ministério da Defesa em Londres. Ele descreve jornalistas que servem o público sem temor ou favor como "subversivos" e "ameaças". Isto é uma medalha de honra.
13/Janeiro/2011
O original encontra-se em www.johnpilger.com/...
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
– a responsabilidade de Lula, Cabral e Paes na tragédia do Rio de Janeiro
por Adolpho Ferreira
No início da noite de segunda-feira, 5 de abril, várias cidades do Estado do Rio de Janeiro sofreram com as intensas chuvas. Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e outras cidades pararam por conta dos estragos produzidos por tanta água. Os mortos confirmados já são quase duzentos, até o momento. Outras centenas ou milhares – este número é ainda mais impreciso – estão desabrigados.
Neste momento, é necessário apontar os responsáveis por tamanha tragédia.
A imensa maioria dos que mais sofreram com o temporal é a parte dos mais pobres trabalhadores que moram nas favelas, mais especificamente nos locais que apresentam riscos de desabamento. O que sabemos é: moram nestes locais porque são a parte mais proletarizada da população, porque compõem o setor da classe trabalhadora mais afetado pelo desemprego e pela super-exploração do trabalho, porque seus salários não permitem mais que estabelecer a moradia em local tão arriscado! Jamais porque são “loucos, irresponsáveis e suicidas”, como afirma o governador do Estado do RJ, Sergio Cabral/PMDB, de forma absolutamente desumana e descompromissada com as condições de vida da classe trabalhadora.
O prefeito Eduardo Paes/PMDB preferiu culpar a natureza e sua tremenda força, eximindo-se de toda a responsabilidade – assim como é responsabilidade de Cabral e Lula – com a realização de políticas públicas que atendam aos interesses de moradia mais imediatos desses trabalhadores, como contenção de encostas, urbanização de favelas, sistema de drenagem etc.
Fica nítido o descaso dos governantes ao revelar a contenção de investimentos públicos, que acarreta a precarização de áreas como a Defesa Civil. As autoridades solicitam à população para não telefonar para a Defesa Civil em caso de situação que não tenha "tanta emergência".
O presidente Lula/PT seguiu a linha já traçada por seus grandes aliados no Rio de Janeiro. Concordando com Cabral, disse que se analisarmos “todas as enchentes brasileiras, elas atingem sempre as pessoas pobres, que moram em locais inadequados". Confirma, portanto, a tese de culpabilização das vítimas. Diz que “o mais importante nessa história é que precisamos conscientizar a população para que deixe as áreas de risco”, ou seja, que abandonem suas casas e tudo aquilo que conseguiram conquistar com seu duro trabalho, sem qualquer garantia de que estará tudo lá quando retornarem.
Lula diz ainda que as chuvas não preocupam seus interesses nos eventos de 2014 e 2016, pois “não chove todo dia, quando acontece uma desgraça, acontece; normalmente, os meses de junho e julho são mais tranqüilos”. Portanto, contanto que em junho e julho de 2014 e 2016, a cidade esteja preparada para receber a Copa e a Olimpíada, não importa o sofrimento da população nos outros dias. Até mesmo o falso argumento do “legado dos grandes eventos esportivos” utilizado pelos governantes e pelo grande capital para justificar a importância desses eventos na vida do proletariado – que não usufruirá de seu verniz – cai por terra de vez. Tudo estará funcionando em junho e julho de 2014/2016, com todos os milhares de milhões que serão transferidos pelo Estado (governos federal, estadual e municipal) à burguesia nacional e internacional, nessa relação íntima entre governos e capital que inclui, por exemplo, o financiamento das campanhas eleitorais de PT e PSDB, os partidos brasileiros que mantêm a força da ordem burguesa no país atualmente.
Lula, Cabral e Paes são os verdadeiros culpados pela amplitude dos desastres, assim como os governos anteriores que serviram aos interesses burgueses e corruptos. Nada fizeram para melhorar estruturalmente as condições de vida e moradia do proletariado que vive em áreas que ameaçam sua própria sobrevivência e ainda culpam os mortos pela tragédia ocorrida.
É muito importante perceber os projetos sociais que estão em luta: de um lado, o projeto dos capitalistas e dos governos burgueses, que desejam expulsar os favelados de seu local de moradia, motivados por diversos interesses, como a expansão imobiliária nessas regiões (a que se relaciona a imagem da favela criminalizada e de fato alvo da violência policial, do tráfico e de milícias); de outro lado, o projeto do proletariado, que de imediato exige a melhoria de suas condições de vida e moradia, mas tem como objetivo final aquilo que possibilitará o fim das condições sociais que generalizam todas estas tragédias: o fim das condições sociais que causam sua miséria.
Fundamentalmente, são estas condições sociais (que fazem com que o proletariado recorra à moradia nos locais de risco) que precisam ser combatidas. Este é o horizonte necessário que não pode sair de vista de todos aqueles que sentem profundamente as perdas humanas e sociais e lamentam diante das terríveis reações dos governantes burgueses.
O objetivo final de nossa luta, para além da necessária melhoria imediata das condições de vida dos trabalhadores que habitam as regiões mais precárias, precisa ser o fim da sociedade de classes!
O original (Abril/2010) encontra-se em http://coletivomarxista.blogspot.com/2010/04/as-chuvas-o-proletariado-e.html ; a transcrição (Janeiro/2011) em pcb.org.br/...
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
4 de Janeiro de 2011
A estação alternativa de rádio estadunidense Democracy Now, na pessoa da sua principal animadora Amy Goodman, entrevistou à distância o linguista, filósofo e activista libertário Noam Chomsky, em vésperas do seu 82º aniversário. Uma longa conversa que publicamos em duas partes – hoje a primeira.
Por Noam Chomsky e Amy Goodman
Noam Chomsky
Numa entrevista exclusiva falamos com o dissidente político e linguista de fama mundial Noam Chomsky sobre a publicação de mais de 250.000 telegramas secretos do Departamento de Estado dos EUA, por parte da WikiLeaks. Em 1971 Chomsky ajudou o informador de dentro do governo [estadunidense] Daniel Ellsberg a publicar os “Documentos do Pentágono”, um relatório interno secreto dos Estados Unidos sobre a guerra do Vietnam. Em comentário a uma das revelações, de que vários líderes árabes pressionam os EUA para atacarem o Irão, Chomsky diz: “As últimas sondagens mostram que a opinião dos árabes é que a maior ameaça na região é Israel, com 80% dos entrevistados, e em segundo lugar vêm os EUA com 77%. O Irão aparece como uma ameaça para 10%”, explica. “Isto pode não aparecer na imprensa, mais de certeza algo que os governos israelita e estadunidense, e os seus embaixadores, sabem. O que isto revela é o profundo ódio à democracia por parte dos nossos dirigentes políticos”.
Amy Goodman
Amy Goodman [AG]: Encontramo-nos com o distinto dissidente político e linguista de reputação mundial Noam Chomsky, professor emérito do Massachusetts Institute of Technology e autor de mais de cem livros, incluindo o seu mais recente Esperanças e realidades, para obter a sua reação aos documentos da WikiLeaks. Há quarenta anos, Noam e Howard Zinn ajudaram o denunciante de dentro do governo Daniel Ellsberg a editar e publicar os “Documentos do Pentágono”, a história interna ultra-secreta dos EUA da guerra do Vietnam. Noam Chomsky fala-nos a partir de Boston… Antes de falarmos da WikiLeaks, qual foi a sua participação nos “Documentos do Pentágono”? Não creio que a maioria das pessoas esteja informada sobre isso.
Noam Chomsky [NC]: Dan e eu éramos amigos. O Tony Russo também os preparou e ajudou a filtrá-los. Recebi cópias do Dan e do Tony e várias pessoas as distribuíram à imprensa. Eu fui uma delas. Então o Howard Zinn e eu, como você disse, editamos um volume de ensaios e indexamos os documentos.
AG: Explique como funcionou. Penso sempre que é importante contar essa história, especialmente aos jovens. Dan Ellsberg – funcionário do Pentágono com acesso ao máximo segredo – saca da sua caixa de fundos essa história da intervenção dos EUA no Vietnam, fotocopia-a, e então como veio parar às suas mãos? Entregou-lha diretamente a si?
NC: Chegou-me por intermédio de Dan Ellsberg e de Tony Russo, que tinham feitos as fotocópias e preparado o material.
AG: Foi muito editado?
NC: Bem, nós não modificamos nada. Não corrigimos os documentos. Ficaram na sua forma original. O que fizemos, o Howard Zinn e eu, foi preparar um quinto volume além dos quatro que apareceram, que continha ensaios críticos de muitos peritos sobre os documentos, o que significavam, etc. E um índice, que é quase imprescindível para poderem ser seriamente utilizados. É o quinto volume da série da Beacon Press.
AG: Então foi um dos primeiros a ver os documentos do Pentágono?
NC: Sim, para além do Dan Ellsberg e do Tony Russo. Quer dizer, talvez tenha havido alguns jornalistas que puderam vê-los, mas não tenho a certeza.
AG: E atualmente, o que pensa? Por exemplo, acabamos de reproduzir o vídeo do congressista republicano Peter King, que diz que se deveria declarar a WikiLeaks como organização terrorista estrangeira.
Pentágono - Secretaria da Defesa EUA
NC: Penso que é revoltante. Temos de compreender – e os Documentos do Pentágono são outro exemplo claro – que uma das principais razões do segredo governamental é proteger o governo contra a sua própria população. Nos Documentos do Pentágono, por exemplo, houve um volume – o volume das negociações – que poderia ter tido influência nas actividades em curso, e o Daniel Ellsberg não o revelou logo. Apareceu pouco depois. À vista dos documentos propriamente ditos, há coisas que os estadunidenses deveriam ter sabido e que outros queriam que não se soubessem. E, que eu saiba, pelo que eu próprio vi deste caso, agora é o mesmo. De fato, as revelações atuais – pelo menos as que eu vi – são interessantes, sobretudo pelo que nos esclarecem sobre como funciona o serviço diplomático.
AG: As revelações dos documentos acerca do Irão aparecem precisamente no momento em que o governo iraniano aceitou uma nova ronda de conversações nucleares para o começo do próximo mês. Na segunda-feira, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu disse que os telegramas reivindicam a posição israelita de que o Irão constitui uma ameaça nuclear. Netanyahu disse: “A nossa região tem estado presa a uma narrativa que é o resultado de sessenta anos de propaganda que apresenta Israel como principal ameaça. De facto, os dirigentes compreendem que esse ponto de vista está na falência. Pela primeira vez na história existe um acordo de que a ameaça é o Irão. Se os dirigentes começarem a dizer às claras aquilo que têm dito à porta fechada, podemos realizar uma mudança radical na caminhada para a paz.” A secretária de Estado Hillary Clinton também falou do Irã na sua conferência de imprensa em Washington. Disse o seguinte:
Hillary Clinton
Hillary Clinton: “Creio que não deveria ser surpresa para ninguém que o Irã é uma fonte de grande preocupação, não só para os EUA. Em todas as reuniões que tenho, em qualquer parte do mundo, aparece a preocupação com as ações e as intenções do Irã. Por isso, qualquer dos alegados comentários dos telegramas confirma que o Irã representa uma ameaça muito séria do ponto de vista dos seus vizinhos e uma preocupação muito séria muito para além da sua região. Por isso a comunidade internacional se reuniu para aprovar as sanções mais duras possíveis contra o Irão. Isso não aconteceu porque os EUA tivessem dito ‘Por favor, façam isso por nós!’. Aconteceu porque os países – depois de avaliarem as provas quanto às ações e às intenções do Irã – chegaram à mesma conclusão que os EUA: que temos de fazer o que pudermos com o fim de unir a comunidade internacional para que ela atue e impeça o Irã de se converter em um Estado com armas nucleares. De modo que, se os que lerem as histórias sobre esses, em supostos telegramas, pensarem cuidadosamente, chegarão à conclusão de que as preocupações com o Irão são bem fundadas, são amplamente partilhadas e continuarão a ser fundamento para a política que mantemos com os países que têm a mesma opinião, para impedir que o Irão adquira armas nucleares.”
AG: Assim falou a secretária Hillary Clinton, ontem, numa conferência de imprensa. Qual o seu comentário sobre Clinton, sobre o comentário de Netanyahu, e o fato de Abdullah da Arábia Saudita – o rei que está a ser operado às costas em Nova Iorque – ter incitado os EUA a atacarem o Irão.
NC: Isso só vem reforçar o que eu disse antes, que o significado principal dos telegramas que têm sido publicados é, até agora, o que nos dizem sobre os dirigentes políticos ocidentais. Hillary Clinton e Benjamin Netanyahu de certeza conhecem as cuidadosas sondagens da opinião pública árabe. O Brookings Institute publicou há poucos meses amplas sondagens sobre o que pensam os árabes acerca do Irã. Os resultados são bastante impressionantes. Mostram que 80% da opinião árabe considera que a maior ameaça na região é Israel. A segunda maior ameaça são os EUA, com 77%. E o Irã só é referido como ameaça por 10%. No que diz respeito às armas nucleares, de um modo bastante notável, há 57% que diz que, se o Irã possuísse armas nucleares, isso teria um efeito positivo na região. Pois bem, não se trata de cifras pequenas. 80% e 77%, respectivamente, dizem que Israel e os EUA constituem a maior ameaça. 10% dizem que o Irão é a maior ameaça.
Claro que, aqui, os jornais nada dizem sobre isso – dizem-no na Inglaterra – mas é certamente algo que os governos de Israel e dos EUA e os seus embaixadores sabem muito bem. Mas não se vê aparecer uma palavra sobre isso. O que isso revela é o profundo ódio à democracia por partes dos nossos dirigentes políticos e dos dirigentes políticos israelitas. São coisas que nem referidas podem ser. Isso impregna todo o serviço diplomático. Não há nenhuma referência a isso nos telegramas.
Quando falam dos árabes referem-se aos ditadores árabes, não à população, que se opõe rotundamente às conclusões dos analistas, neste caso Clinton e os médias [a mídia]. Também há um problema menor que é o maior problema. O problema menor é que os telegramas não nos dizem o que pensam e dizem os dirigentes árabes. Sabemos o que foi selecionado daquilo que disseram. De modo que há um processo de filtragem. Não sabemos o quanto a informação é distorcida. Mas não restam dúvidas: o que é mesmo uma distorção radical – ou nem sequer uma distorção, mas sim um reflexo – é a preocupação de que o que importa são os ditadores. A população não importa, mesmo se se opõe totalmente à política estadunidense. Há coisas semelhantes noutros sítios, como as que têm a ver com essa região.
Israel bombardeia Gaza
Um dos telegramas mais interessantes foi aquele de um embaixador dos EUA em Israel para Hillary Clinton, que descrevia o ataque a Gaza – que deveríamos chamar o ataque israelo-estadunidense a Gaza – em Dezembro de 2008. Indica corretamente que houve uma trégua. Não acrescenta que durante a trégua – que de fato Israel não respeitou mas o Hamas respeitou escrupulosamente segundo o próprio governo israelita –, não foi disparado um só míssil. É uma omissão. Mas logo surge uma mentira direta: diz que em Dezembro de 2008 o Hamas retomou o disparo de mísseis e que por isso Israel teve de atacar para se defender. Acontece que o embaixador não pode deixar de saber que há alguém na embaixada dos EUA que lê a imprensa israelita – a imprensa israelita dominante – e nesse caso a embaixada tem de saber que é exatamente o contrário: o Hamas estava a pedir uma renovação do cessar-fogo. Israel considerou a oferta, recusou-a e preferiu bombardear em vez de optar pela segurança. Também omitiu que Israel nunca respeitou o cessar-fogo – manteve o cerco [a Gaza] em violação do acordo de trégua – e em 4 de Novembro, dia da eleição de 2008 nos EUA, o exército israelita invadiu Gaza e matou meia dúzia de militantes do Hamas, o que motivou trocas de tiros em que todas as vítimas, como de costume, foram palestinas. De imediato, em Dezembro, quando terminou oficialmente a trégua, o Hamas pediu que ela fosse renovada. Israel recusou e os EUA e Israel preferiram lançar a guerra. O relatório da embaixada é uma falsificação grosseira, e é muito significativa porque tem a ver com a justificação do ataque assassino, o que significa que ou a embaixada não fazia ideia do que estava a acontecer ou estava a mentir descaradamente.
AG: E o último relatório que acaba de aparecer – da Oxfam, da Anistia Internacional e de outros grupos – sobre os efeitos do cerco de Gaza? O que está a acontecer agora?
NC: Um cerco é um ato de guerra. Se alguém insiste nisso é Israel. Israel desencadeou duas guerras – 1956 e 1967 – em parte na base de que o seu acesso ao mundo exterior estava muito restringido. Esse mesmo cerco parcial que consideraram como um ato de guerra e como justificação – bem, uma entre várias justificações – para o que chamaram “guerra preventiva” ou, se preferir, profilática. Assim o entendem perfeitamente e o argumento é correto. Um cerco é, desde logo, um ato criminoso. O Conselho de Segurança, e não só, instaram Israel a que o levantasse. Tem o propósito – como declararam os funcionários israelitas – de manter o povo de Gaza num nível mínimo de existência. Não querem matá-los todos porque não seria bem visto pela opinião internacional. Como eles dizem, “mantê-los em dieta”.
Civis em fuga dos bombardeios de Israel
Esta justificação começou pouco depois da retirada oficial israelita. Houve umas eleições em Janeiro de 2006 – as únicas eleições livres em todo o mundo árabe – cuidadosamente monitorizadas e reconhecidas como livres, mas tiveram um defeito. Ganharam os que não deviam ganhar. Ou seja, o Hamas, os que Israel e os EUA não queriam. Rapidamente, em muito poucos dias, os EUA e Israel impuseram duras medidas para castigar o povo de Gaza por ter votado mal em eleições livres. O passo seguinte foi que eles – os EUA e Israel – trataram, em colaboração com a Autoridade Palestina, de provocar um golpe militar em Gaza para derrubar o governo eleito. Fracassou. O Hamas derrotou a tentativa de golpe. Foi em Julho de 2007. Então endureceram consideravelmente o assédio. Entretanto ocorreram numerosos atos de violência, bombardeios, invasões, etc.
Mas basicamente Israel afirma que, quando se estabeleceu a trégua no verão de 2008, o motivo por que Israel não a observou, retirando o cerco, foi o fato de um soldado israelita – Gilad Shalit – ter sido capturado na fronteira. Os comentaristas internacionais consideram isso um crime terrível. Bem, pode-se pensar o que for, a captura de um soldado de um exército atacante – e o exército estava atacando Gaza – não chega aos calcanhares do crime que é sequestrar civis. Precisamente na véspera da captura de Gilal Shalit na fronteira, as tropas israelitas tinham entrado em Gaza, sequestraram dois civis – os irmãos Muammar – e levaram-nos para o outro lado da fronteira. Desapareceram algures no sistema carcerário de Israel, onde centenas de pessoas, talvez mil, são detidas sem acusação por vezes durante anos. Também há prisões secretas. Não sabemos a que se passa nelas. Isto é, por si só, um crime muito pior do que o sequestro de Shalit. De fato, poder-se-ia argumentar que houve uma razão para se ter silenciado o fato. Israel, durante anos, de fato durante décadas, tem vindo a comportar-se assim: raptos, capturas de pessoas, sequestros de barcos, assassinatos, levar gente para Israel por vezes como reféns durante anos e anos. De modo que isso é uma prática habitual; Israel pode fazer o que entende. Mas a reacção, aqui e no resto do mundo, ao sequestro de Shalit – que não é um sequestro, não se sequestra um soldado, mas captura-se – é considerá-lo um crime horrendo e uma justificação para manter o cerco e assassinar… uma desgraça.
AG: Então temos a Anistia Internacional, a Oxfam, a Save The Children e outras dezoito organizações de ajuda a instarem Israel para que levante, sem condições, o bloqueio a Gaza. E a WikiLeaks publica um telegrama diplomático estadunidense – transmitido ao Guardian pela WikiLeaks – que conta: “Diretiva nacional de recolha de informações humanas: Pede-se ao pessoal dos EUA que obtenha pormenores de planos de viagem, como itinerários e veículos utilizados por dirigentes da Autoridade Palestina e membros do Hamas”. O telegrama pede: “Informação biográfica, financeira, biométrica de dirigentes e representantes mais importantes da A.P. e do Hamas, incluindo a Jovem Guarda, dentro de Gaza e da Cisjordânia, e fora”, diz.
NC: Isso não deveria ser uma surpresa. Contrariamente à imagem que é projetada neste país, os EUA não são um intermediário honesto. São participantes, e participantes diretos e cruciais, nos crimes israelitas, tanto na Cisjordânia como em Gaza. O ataque a Gaza foi um caso claro: utilizaram armas estadunidenses, os EUA bloquearam as tentativas de cessar-fogo e deram apoio diplomático. O mesmo vale para os crimes diários na Cisjordânia, e não devemos esquecê-los. Na realidade, a [ONG] Save The Children informou que na área C – a parte da Cisjordânia controlada por Israel – as condições são piores do que em Gaza. Também isto acontece porque há um apoio crucial e decisivo dos EUA, tanto no plano militar como no econômico; e também ideológico – o que tem a ver com a distorção da situação, como acontece também, dramaticamente, com os telegramas.
O próprio cerco é, em si mesmo, simplesmente criminoso. Não somente bloqueia a ajuda desesperadamente necessária como, além disso, afasta os palestinos da fronteira. Gaza é um local pequeno e superpovoado. E os tiros e os ataques israelitas afastam os palestinos do território árabe junto da fronteira e também impõe aos pescadores de Gaza o limite das águas territoriais. São forçados por canhoneiras israelitas – é tudo o mesmo, claro está – a pescar junto à costa onde a pesca é quase impossível porque Israel destruiu os sistemas elétricos e de saneamento e a contaminação é terrível. É apenas um estrangulamento para castigar as pessoas por estarem ali e por insistirem em votar “mal”. Israel decidiu: “Não queremos mais isto. Livremo-nos deles.”
Acordo de Oslo - descumprido por Israel
Também deveríamos lembrar que a política israelo-estadunidense – desde Oslo, desde o começo dos anos 1990 – foi separar Gaza da Cisjordânia. É uma violação direta dos acordos de Oslo, mas foi sendo implementada sistematicamente e teve muitas consequências. Significa que quase metade da população palestina ficaria à margem de qualquer possível acordo político a que se pudesse chegar. Também significa que a Palestina perde o seu acesso ao mundo exterior. Gaza deveria ter aeroportos e portos marítimos. Até agora Israel apoderou-se de cerca de 40% do território da Cisjordânia. As últimas ofertas de Obama oferecem-lhe ainda mais, e certamente os israelitas planeiam apoderar-se de mais. O que resta são pedaços de território cercados. É o que o planificador Ariel Sharon chamou bantustões. E estão também na prisão, enquanto Israel se apodera do Vale do Jordão e expulsa os palestinos. Todos esses são crimes de uma só peça. O cerco de Gaza é particularmente grotesco, dadas as condições de vida a que obriga as pessoas. Quero dizer, se uma pessoa jovem em Gaza – estudante em Gaza, por exemplo – quer estudar numa universidade da Cisjordânia, não pode fazê-lo. Se uma pessoa de Gaza precisa de um estágio ou de um tratamento médico sofisticado num hospital de Jerusalém Oriental, não pode lá ir! E não deixam passar os medicamentos. É um crime escandaloso, tudo isso.
AG: Na sua opinião, que deveriam fazer os EUA neste caso?
NC: Aquilo que os EUA deveriam fazer é muito simples: deveriam unir-se ao mundo. Quero dizer que supostamente existem negociações. Tal como são apresentadas aqui, o quadro tipicamente traçado é de que os EUA são um intermediário honesto que procura unir os opositores recalcitrantes – Israel e Autoridade Palestina. Isso não passa de uma farsa.
Se houvesse negociações sérias, seriam organizadas por uma parte neutral e os EUA e Israel estariam de um lado e o mundo estaria do outro. Não é um exagero. Não deveria ser segredo que desde há muito tempo existe um consenso internacional completo para uma solução diplomática, política. Todos conhecem as linhas básicas. Alguns detalhes, sim, poderão ser discutidos. [Nesse consenso] incluem-se todos, exceto os EUA e Israel. Os EUA têm vivido a bloquear a solução ao longo de 35 anos, com derivas ocasionais, e breves. [Esse consenso] inclui a Liga Árabe. Inclui a Organização dos Estados Islâmicos, que inclui o Irã. Inclui todos os protagonistas relevantes com exceção dos EUA e de Israel, os dois Estados que o recusam. De modo que, se houvesse alguma vez negociações sérias, é assim que seriam organizadas. As negociações que há chegam apenas ao nível da comédia. O tópico que está a ser discutido é uma nota de rodapé, uma questão menor: a expansão das colônias. Claro que é ilegal. De fato, tudo o que Israel está fazendo em Gaza e na Cisjordânia é ilegal. Nem sequer tem sido polêmico, desde 1967 (…)
Sarah Palin
AG: Quero ler-lhe agora a mensagem-twitter de Sarah Palin – a ex-governadora do Alaska, claro, e candidata republicana à vicepresidência. É o que ela colocou no twitter sobre a WikiLeaks. Retifico, foi colocado no Facebook. Ela diz: “Primeiro, e antes de mais, que passos foram dados para impedir que o diretor da WikiLeaks, Julian Assange, distribuísse esse material confidencial altamente delicado, sobretudo depois de ele já ter publicado material, não uma vez mas duas, nos meses anteriores? Assange não é um jornalista, é-o tanto como um editor da nova revista da al-Qaeda em inglês “Inspire”. É um agente anti-EUA que tem sangue nas mãos. A sua anterior publicação de documentos classificados revelou aos talibãs a identidade de mais de 100 das nossas fontes afegãs. Porque não persegui-lo com a mesma urgência com que perseguimos os dirigentes da al-Qaeda e dos talibãs?” Que lhe parece?
NC: É exatamente o que se esperaria de Sarah Palin. Não sei o que ela entende ou não, mas acho que devemos dar atenção ao que nos dizem as revelações [da WikiLeaks]… Talvez a revelação, ou referência, mais dramática seja o ódio amargo à democracia revelado tanto pelo governo dos EUA – Hillary Clinton e outros – como pelo corpo diplomático. Dizer ao mundo – bem, de fato estão a falar lá entre eles – que o mundo árabe considera o Irã como a principal ameaça e que deseja que os EUA bombardeiem o Irã, é extremamente revelador, sabendo eles, como sabem, que cerca de 80% da opinião árabe considera os EUA e Israel como a maior ameaça, que 10% consideram o Irã como a maior ameaça, e que uma maioria de 57% pensa que a região teria a ganhar se o Irã tivesse armas nucleares, que funcionariam como um dissuasor. Isso, eles nem sequer o referem. Tudo o que referem é apenas o que foi dito pelos ditadores árabes, os brutais ditadores árabes. Isso é que conta.
Não sabemos até que ponto é representativo do que dizem, porque ignoramos qual é o filtro. Mas isto não importa muito. O aspecto mais importante é que [para eles] a população é irrelevante. Só interessam as opiniões dos ditadores que apoiamos. Se nos apoiam, então eles são o mundo árabe. É um quadro bem revelador da mentalidade dos dirigentes políticos dos EUA e, pode-se presumir, da opinião das elites. A avaliar pelos comentários que têm aparecido aqui. E é também o modo como tem sido apresentado na imprensa. O que pensam os árabes, isso não interessa.
SEGUNDA PARTE> eNTREVISTA
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por WikiLeaks [*]
Wikileaks apresentou hoje sentimentos de simpatia e condolências às vítimas do tiroteio de Tucson, bem como os melhores desejos quanto à recuperação da deputada Gabrielle Giffords. Giffords, democrata do 8º distrito do Arizona, foi o alvo de uma orgia de tiros num evento político de 8 de Janeiro no qual seis outras pessoas foram assassinadas.
Clarence Dupnik, sheriff de Tucson que dirige a investigação dos tiros sobre Gifford, afirmou que a "retórica vitriólica" destinada a "inflamar o público numa base diária ... tem impacto sobre as pessoas, a principiar especialmente por aquelas que têm personalidades desequilibradas". Dupnik também observou que responsáveis e personalidades dos media empenhadas em retórica violenta "têm de considerar que têm alguma responsabilidade quando ocorrem incidentes como este e com os que possam ocorrer no futuro".
A equipe e os colaboradores do WikiLeaks também tem sido alvo de retórica violenta sem precedentes por parte de personalidades eminentes dos media dos EUA, incluindo Sarah Palin, a qual instou a administração estado-unidense a "perseguir e capturar o chefe do WikiLeaks tal como o Taliban".
O conhecido político dos EUA Mike Huckabee, no fim de Novembro, apelou à execução do porta-voz do WikiLeaks, Julian Assange, no seu programa da Fox News; e um comentarista da Fox News, Bob Beckel, referindo-se a Assange, apelou publicamente a "disparar ilegalmente sobre o filho da puta". Rush Limbaugh, personalidade da rádio dos EUA, pressionou Roger Ailes , presidente da Fox News, a "Dar a ordem e [então] já não há Assange, garanto-lhes, e não haverá impressões digitais sobre isto", ao passo que o colunista Jeffery T. Kuhner, do Washington Times, intitulou a sua coluna como "Assassinato de Assange" acompanhada por uma foto de Julian Assange com um local de tiro assinalado, a pingar sangue e a legenda "PROCURADO MORTO OU VIVO" com a palavra "vivo" riscada.
John Hawkins de Townhall.com declarou: "Se Julian Assange leva um tiro na cabeça amanhã ou se o seu carro explodir quando ele virar a chave, que mensagem pensa você que enviaria acerca da divulgação de dados americanos sensíveis?".
Christina Whiton, num artigo de opinião da Fox News, apelou à violência contra os editores do WikiLeaks, dizendo que os EUA deveriam "designar o WikiLeaks e os seus responsáveis como combatentes inimigos, abrindo o caminho para acções não judiciais contra eles".
Julian Assange, porta-voz do WikiLeaks, declarou: "Nenhuma organização em qualquer parte do mundo é um advogado mais dedicado do livre discurso do que WikLekas mas quando políticos seniors e comentaristas dos media à procura de atenção apelam à morte de indivíduos ou grupos específicos eles deveriam ser acusados de incitação – ao assassínio. Aqueles que apelam a um acto de assassínio merecem parte tão significativa da culpa quanto aqueles que empunham uma arma e puxam o gatilho".
"WikiLeaks tem uma equipe muito jovem, voluntários e apoiantes na mesma vizinhança geográfica daqueles que difundem ou circulam estas incitações à morte. Também temos visto pessoas mentalmente instáveis viajarem dos EUA e outros países para outros locais. Consequentemente temos de nos empenhar em medidas de segurança extremas".
"Apelamos às autoridades dos EUA e outras a protegerem a regra da lei processando agressivamente estas e semelhantes incitações a matar. Um país civil com leis não pode ter membros eminentes da sociedade a apelarem constantemente ao assassínio e à morte de outros indivíduos ou grupos".
Mais exemplos: http://www.peopleokwithmurderingassange.com/
10/Janeiro/2011
O original encontra-se em http://uruknet.net/?p=m73783&hd=&size=1&l=e
Este comunicado de imprensa encontra-se em http://resistir.info/ .
Brasília, 25 de fevereiro de 2009 (16h)
Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal
Gilmar Mendes - presidente
Cesar Peluso - vice-presidente
Celso de Mello
Marco Aurélio
Ellen Gracie
Carlos Britto
Joaquim Barbosa
Eros Grau
Ricardo Levandowski
Carmen Lúcia
Menezes Direito
Senhores Ministros,
Tomo a permissão de dirigir-me a Vossas Excelências com a convicção de que, pela primeira vez, terei oportunidade de ser ouvido plenamente pela alta corte deste país, inclusive para expor porque fui impedido, de exercer minha defesa de maneira adequada nas ocasiões anteriores em que fui julgado.
Quero dizer a verdade da minha história e esclarecer os episódios relacionados às terríveis acusações lançadas contra mim. Nunca tive a possibilidade na Itália, de defender-me. Nunca um juiz, ou um policial me fez uma só pergunta sobre os homicídios cometidos pelo grupo ao qual pertencia, os Proletários Armados pelo Comunismo, PAC. Nunca a justiça italiana ouviu meu testemunho. Nunca um juiz interrogou-me: "você matou?". Hoje, trinta anos depois pela primeira vez na minha vida, tenho a ocasião de explicar-me perante uma justiça, a justiça do Brasil. E creio sinceramente na seriedade e consciência desta justiça. Agradeço muito Vossas Excelências pela disposição, Senhores Ministros, de ouvir minha palavra.
Cresci numa família comunista muito militante. O meu pai e os meus irmãos arrastaram-me, muito jovem, para a ação política. Aos dez anos, meu pai já me levava para gritar slogans de revolta, na rua. Mas, aos 17 anos compreendi que o homem cujo retrato era afixado na nossa casa era Stalim, e lancei-o pela janela. Aquilo, abriu uma crise política com o meu pai, e deixei a minha família, para juntar-me à rua, com as centenas de milhares de pessoas que se revoltavam desde 1968 contra o binômio da política italiana: "Democrazia Cristiana - Partido Comunista Italiano, DC-PCI". Pertencia, então, a um grupo de jovens "autônomos" que vivia em uma comunidade. Eram militantes não armados. É mesmo verdade que para financiar nossa atividade militante, folhetos e etc., levantávamos recursos através de roubos. Para embelezar estes delitos, que foram extremamente numerosos nessa época na Itália, todos os jovens chamavam estas ações não de "roubos", mas de "reapropriações proletárias". E devo confessar que detestava estas ações simplesmente porque tinha medo. Este medo persistiu durante toda a minha ação militante, tema ao qual voltarei.
Foi devido a uma destas "reapropriações proletárias" que fui encarcerado pela primeira vez, mas que realmente devia-se à nossa vida de militantes sem dinheiro. Na prisão encontrei um homem mais idoso, Arrigo Cavallina, que pertencia a um grupo de luta armada, os PAC. Não gostava de sua personalidade, ao mesmo tempo fria e febril, mas impressionavam-me sua cultura e suas teorias revolucionárias - mesmo se não compreendia tudo o que ele dizia. Quando fui libertado em 1976, voltei à minha comunidade: havia se tornado um deserto. Certos companheiros tinham morrido, mortos pelos policiais nas manifestações. Os outros estavam devastados pela droga. Nessa época, grandes quantidades de droga barata foram distribuídas maciçamente em todas as grandes cidades para quebrar o movimento de revolta. Em seguida as entregas foram suspensas, e todos os jovens que tinham caído na armadilha da "heroína" tinham-se tornado fantasmas em estado de "necessidade", pensando apenas em encontrar droga, e não na ação política. Amedrontado por este espetáculo, fiz o grande erro da minha vida: tomei um comboio para Milão e entrei no grupo armado dos PAC. Sem compreender nessa época, que, lá também, caia numa armadilha fatal.
O chefe militar deste grupo era Pietro Mutti. Também era importante Arrigo Cavallina. Descrevi longamente a estranha personalidade de Pietro Mutti no livro que escrevi no Brasil durante a minha fuga: "Minha fuga sem fim". Este trabalhador tinha tido graves problemas com droga, e tinha saído disso graças à ação política. Isto fazia dele um fanático, uma verdadeira máquina de guerra. Apesar de seu caráter muito contido, tornamo-nos amigos. Mas Pietro Mutti supervisionava-me incessantemente, para ver se eu estava a "altura", e eu tentava sê-lo. Os PAC eram especializados sobre a ação social e a melhoria das condições prisionais. O grupo cometia regularmente ações de apropriações aos bancos, para assegurar o seu financiamento e também ações aos locais de "lavoro nero", trabalho sem carteira. Aquilo sim, eu fiz. Todo esse ativismo militante nunca o neguei. Pietro Mutti tinha sentido perfeitamente o meu medo, durante estas "ações obrigatórias", que eu sempre detestei. Estávamos armados - embora uma boa parte das armas não funcionasse. Temia sempre que um dos companheiros atirasse sobre o vigia do banco, se este vigia levantasse a mão com a sua arma. Havia desenvolvido uma técnica para evitar aquilo: lançava-me com as mãos nuas sobre o vigia e punha-o no solo de surpresa. Porque sabia que uma vez por terra, ninguém atiraria nele. Fiz aquilo numerosas vezes. Conto esta pequena história que pode parecer anedótica, para assegurar-lhes, Senhores Ministros, que não sou de maneira alguma "um homem sanguinário", como tem sido escrito incessantemente, mas ao contrário. Vossas Excelências podem também pedir a informação aos meus irmãos, Vicenzo e Domenico, como eu reagia quando era jovem e matavam um animal em nossa pequena exploração agrícola, mesmo que fosse um frango. Essa aversão ao sangue nunca diminui na vida de um homem. Pelo contrário, aumenta. E nunca matei e nem quis matar qualquer pessoa.
Quero deixar claro à Vossas Excelências o que sei sobre os quatro homicídios pelos quais fui acusado na minha ausência, sob alegações diversas. As acusações foram de que eu teria cometido os assassinatos de Santoro e Campagna, que eu teria sido cúmplice sobre o lugar no caso da morte de Sabbadin, e que teria organizado a ação que matou Torregiani, morto no mesmo dia de Sabbadin. Sabem, Senhores Ministros, que fui preso em 1979 com outros militantes clandestinos e que fui julgado na Itália durante o primeiro processo dos PAC, onde estava presente. Houve numerosos casos de tortura durante este processo, com suplício da água, mas eu mesmo não fui torturado. Nenhuma vez durante este processo fizeram-me uma só pergunta sobre os homicídios. Os policiais sabiam perfeitamente que não os tinha cometido. Por conseguinte, fui condenado em 1981 por "subversão contra a ordem do estado", o que era verdade e o que eu não negava no processo. Fui condenado a 13 anos e seis meses de prisão, porque naquela época as penalidades, de acordo com as novas leis de urgência, eram multiplicadas por três para os ativistas. Esse tempo foi depois reduzido para 12 anos.
O meu processo, único e verdadeiro processo ao qual tive direito na Itália, foi concluído. Estava numa das "prisões especiais" que tinham sido construídas para nós, chamados de "terroristas". Como prova de que a justiça italiana reconhecia aquela época a minha inocência quanto às acusações de homicídio, fui transferido para uma prisão para "aqueles cujos atos não causaram a morte". Mas o procurador Armando Spataro, que chefiava o esquema de torturas pela região de Milão, continuava a se incomodar comigo e bloqueou a minha correspondência com a minha família. Soube com três meses de atraso por uma visita da minha irmã, que o meu irmão Giorgio tinha morrido, num acidente de trabalho. O choque para mim foi imenso. Aquilo, e o fato de que, a cada dia, no passeio, prisioneiros desapareciam sem razão, para seguidamente retornar meses após embrutecidos e mudos, ou não retornavam, fez-me tomar consciência de que as leis não seriam nunca normais para nós. Por causa disso, e apenas por isso, tomei a decisão de fugir. E não para "fugir da justiça" dado que o meu processo estava terminado. Evadi-me em quatro de outubro de 1981, e deixei folhas em branco assinadas, aos meus antigos companheiros, para o caso de processo por minha evasão. Fui para a França. Antes de ir, em 1982, ao México. E porque ignorava completamente que a justiça italiana movia um novo processo contra os PAC, este famoso processo na minha ausência onde fui condenado à prisão perpétua sem luz solar. Fiquei sabendo disso com estupefação, quando retornei à França, mesma data em que soube do falecimento de meu pai há dois anos atrás. Tal fato, a perda de meu pai, foi mais relevante que qualquer decisão da justiça, pois pensei que nenhum juiz consciencioso poderia considerar com seriedade um processo como esse.
Devo recomeçar a minha história em 1978 quando era ainda membro dos PAC. Desculpe-me, por favor, por me prolongar Senhores Ministros, mas é a primeira vez, repito-o, que posso explicar-me na frente de uma justiça digna deste nome e desejo dizer à Vossas Excelências tudo o que sei. Em maio de 1978, eu soube, como todos os italianos e o mundo inteiro do sequestro e assassinato de Aldo Moro pelas brigadas vermelhas. Olhava horrorizado esta imagem da mala do automóvel, um KL - na televisão, e posso dizer que esse dia tornou-me outro homem. Há na minha vida "antes de Aldo Moro" e "após Aldo Moro". Nesse dia eu senti duas coisas: o horror que me inspirava aquele ato, a náusea na frente de todo aquele sangue vertido por todos os lados. Compreendi também que o uso das armas era uma armadilha, na qual a extrema esquerda tinha caído. Decidi nesse dia romper com a luta armada, definitivamente. Em toda a Itália, a morte de Aldo Moro suscitou enormes discussões em todos os grupos armados. No que respeita aos PAC, decidimos por uma nova palavra de ordem, segundo a qual estaríamos armados para defender-nos, mas nunca para atacar pessoas. Estupidamente fiquei tranquilizado por esta decisão, votada pela maioria. Mas um mês depois, em junho de 1978, um grupo autônomo dos PAC, dirigido por Arrigo Cavallina e chefiado por Pietro Mutti, sem consultar a totalidade dos membros responsáveis, matou o chefe dos agentes penitenciários, Santoro. Houve imediatamente uma reunião, muito agitada. Pietro Mutti e Arrigo Cavallina defenderam esse homicídio com grande vigor. Nesse mesmo dia deixei o grupo, como uma boa parte dos membros antigos que se opunham a todo ataque contra pessoas. Pietro Mutti ficou furioso contra mim, considerava que o trai.
Juntei-me, então, ao que era chamado "um coletivo de grupos territoriais". Também armados mas não ofensivos. Vivia com muitos outros clandestinos num velho prédio de Milão. Sabiamos quase tudo o que se passava e se dizia na cidade e é assim que, no inicio do ano de 1979, soubemos que os PAC preparavam ação contra homens de extrema direita que praticavam autodefesa, que andavam sempre armados (espécie de milicianos). Eu não sabia quem era a pessoa visada, e não sabia que, realmente, os PAC tinham decidido matar dois desses justiceiros de extrema direita, Torregiani em Milão e Sabbadin na região de Veneza. Eu quis impedir esses atos, sangrentos, estúpidos e contraproducentes para a resistência. Um verdadeiro suicídio político, posto que indefensável. Pedi autorização, em nome do "grupo territorial", para participar de uma reunião dos PAC, na casa de Pietro Mutti. Cheguei com dois outros companheiros. Havia lá muitos membros novos que eu não conhecia, e que tinham substituído as nossas partidas do ano procedente. Expliquei a Pietro Mutti e aos outros a estupidez e a loucura do seu projeto. Muito rapidamente a reunião caminhou mal, e o tom se tornou muito elevado. Os membros dos PAC disseram-me que eu não tinha mais direito de dar o meu parecer dado que não pertencia mais ao grupo e a reunião terminou sob forte tensão. Eu não sabia quem devia ser morto. Cerca de um mês depois, ou menos, soube pelos jornais que Torregiani tinha sido assassinado e que durante o ataque uma bala do revólver de Torregiani tinha atingido o seu próprio jovem filho Alberto. Recordo que fiquei gelado na calçada ao ver o jornal. Soube também que um outro membro da milícia havia sido morto no mesmo dia na região de Veneza, Sabbadin. Fiquei chocado e também envergonhado, muito perturbado, porque eu tinha pertencido a esse grupo, que se tornou assassino.
E dois meses após, em abril - mas não recordo da data - um policial de Digos, Campagna, foi morto também. O senador Suplicy interrogou-me para saber se tinha álibis às datas destes homicídios. Mas penso que podem compreender, Senhores Ministros, que, até mesmo por não os ter cometido, sou incapaz de recordar das datas desses crimes. Além disso, vivíamos escondidos nos apartamentos, e os dias eram vazios, intermináveis e muito semelhantes. É-me impossível recordar 30 anos depois, onde estava naquelas datas, certamente no apartamento, que praticamente nunca deixávamos.
Seguidamente no verão houve uma grande operação no norte da Itália e fui preso com todos os ocupantes do prédio. Sim, é exato que havia armas no lugar, mas a própria justiça italiana estabeleceu, por uma avaliação de balística, que eram virgens, que nenhuma delas nunca tinha sido usada para dar um único tiro.
Muitos dos fatos que conto agora não os vivi, dado que estava no México. Soube deles, em 1990, na França, quando fui informado do conteúdo do segundo processo que começou com a detenção de Pietro Mutti em 1982. Soube, na França, que Pietro Mutti tinha sido torturado e tinha se constituído "arrependido", que aceitava colaborar com a justiça italiana em troca de sua liberdade e uma nova identidade. Soube de que ele estava sendo acusado, com base em inquéritos policiais, de ser o atirador sobre Santoro e que acusou-me no seu lugar. Durante esse longo processo, Pietro Mutti fez tantas acusações que muito frequentemente ficou atrapalhado em suas declarações impossíveis ou contraditórias. Por exemplo, para salvar a sua namorada, acusou outra mulher, Spina, de ser cúmplice no atentado contra Santoro. Mas em 1993, a justiça foi obrigada a reconhecer a inocência da Spina, e libertá-la. Não tenho os documentos comigo, e devo dizer que a escritora e pesquisadora francesa Fred Vargas conhece muito melhor o meu processo do que eu mesmo. Mas sei que, em 1993, segundo creio, a própria justiça percebeu, por seus atos e suas palavras, que Pietro Mutti era "habituado aos jogos de prestidigitação" e que, frequentemente, dava o nome de uma pessoa em lugar de outra. A parte a tortura, a única desculpa que se pode dar a Pietro Mutti, por ter-se sujeitado a fazer as suas terríveis e falsas acusações é que seguia uma regra: proteger os acusados presentes, lançando a culpa sobre os ombros dos ausentes. Como quando acusou Spina até que se reconheceu a sua inocência em 1993.
Mutti não foi o único arrependido acusador. Quero explicar aos Senhores Ministros que, nessa época, durante os processos nos anos de chumbo, o sistema das torturas e dos "arrependidos" foi utilizado correntemente (ver relatório de Anistia Internacional e da Comissão Européia) e com uma intensidade específica pelo procurador Spataro. Sabíamos todos que era terrível a ver Spataro como procurador. O sistema dos "arrependidos" não funcionava sobre o único testemunho de um só homem. Era necessário obter outros "testemunhos" de arrependidos de modo que a acusação fosse "confirmada" e parecesse sólida. Houve por conseguinte outros membros dos PAC que me acusaram, juntamente com Pietro Mutti, como Memeo, Masala, Barbetta, etc.. Todos eram arrependidos ou "dissociados", e todos ganharam reduções de pena ou liberdade imediata, ou evitaram a prisão perpétua. Assim, por exemplo, Memeo, o que matou Torregiani e Campagna, Cavallina o "ideólogo" dos grupos dos duros, Fatone, Grimaldi, Masala, que fizeram parte do comando contra Torregiani, Diego Giacomini que executou Sabbadin. Todos estes obtiveram sua liberdade em troca da confirmação de Pietro Mutti,
No que respeita à morte de Santoro, já contei da reunião que se seguiu e que decidiu a minha saída do grupo. Sei apenas que Arrigo Cavallina e Pietro Mutti defenderam ardentemente esse crime durante aquela reunião e que a polícia os acusava de tê-lo cometido.
Não pertencia mais ao grupo quando foram cometidos os três outros assassinatos, por conseguinte os meus conhecimentos precisos estão limitados. Mas a mídia que me acusa incessantemente de, voluntariamente, ter "atirado sobre Torregiani" e, mesmo, de ter "atirado sobre o seu filho", sabe efetivamente que isso é totalmente falso. A justiça italiana reconheceu que os quatro homens do comando eram Grimaldi, Fatone, Masala e Memeo, que atirou sobre o joalheiro. E foi também a justiça que confirmou que a bala que feriu o filho Alberto vinha do revólver de seu pai. Creio que no inicio Mutti acusou-me desse crime. Mas como acusava-me também do homicídio de Sabbadin, cometido no mesmo dia a centenas de quilômetros, disse que eu era o "organizador". Expus já o que se passou na reunião quando tentei impedir esta ação. Quanto a Sabbadin, Giacomini "sub-chefe para a região de Veneza" confessou ter atirado sobre ele. Como Mutti primeiro tinha dado o meu nome como "atirador" transformou-me, após as confissões de Giacomini, em motorista, do lado de fora. Só que nem assim funcionou, pois resultou posteriormente que o "motorista" era uma mulher. Senhores Ministros nem mesmo sei onde é esta aldeia onde foi morto Sabbadin.
Por último, sei que Mutti acusou-me ainda de ter atirado sobre Campagna. À época, nada soube sobre a preparação desse crime, não mais que sobre o de Sabbadin. O que sei é que uma testemunha ocular descreveu o agressor como um homem muito grande, de 1,90 metros, enquanto em meço 20 centímetros menos. O resto a escritora e pesquisadora Fred Vargas explicou-me: a balística provou que a bala vinha da arma de Memeo, o que atirou sobre Torregiani. E que uma testemunha diz que tinha acreditado entender, pelas palavras de Memeo, que ele que tinha atirado. Mas esta testemunha é talvez um arrependido e não tenho certeza sobre o responsável pela morte de Campagna.
Não sou responsável por nenhum dos homicídios de que sou acusado, Senhores Ministros. Constantemente fui utilizado no processo como um bode espiatório, por arrependidos. A melhor prova de que digo a verdade é que falsos mandatos foram fabricados, como a perícia grafotécnica comprovou, de modo que os advogados Gabrieli Fuga e Giuseppe Pelazza "representaram-me" no processo na minha ausência. Por quê? Certamente não para defender-me, certamente não para o meu bem, dado que fui condenado à prisão perpétua com privação de luz solar. Mas certamente para tornar a acusação contra mim mais aceitável e criar cenário favorável para uma pena mais rigorosa. Até muito tempo depois da simulação de julgamento eu não sabia que existiam falsas procurações. Esta descoberta devo-a à Fred Vargas e à minha advogada francesa Elisabeth Maisondieu Camus. Foi Fred Vargas que me deu a informação, quando foi visitar-me na prisão em 2007, em Brasília. Um antigo companheiro (quem? Pietro Mutti?, Bergamini?) deu aos advogados as folhas brancas que tinha assinado em 1981, antes de minha fuga. Duas destas folhas foram preenchidas depois em 1982, com "minha letra aparentemente". Fred Vargas, explicou-me que o mesmo texto o do verdadeiro mandato que assinei em 1979 foi copiado duas vezes, e que os dois textos estão sobrepostos por transparência, enquanto que foram escritos com dois meses de intervalo, "datados" de maio e julho de 1982. Uma pericia francesa provou, em janeiro de 2005, que as três assinaturas, dos três mandatos foram efetuadas no mesmo momento e que, por exemplo, o texto do mandato de 1990, supostamente enviado do México (mas o envelope não existe). Foi datilografado acima da minha assinatura de nove anos atrás. A perícia provou também que as datas não foram escritas por minha mão, assim como também o escrito nos envelopes dos dois primeiros "mandatos".
Quando os meus advogados franceses souberam disso, comunicaram imediatamente, em janeiro de 2005, ao Conselho de Estado Francês. Assim procederam porque a França não tem o direito de extraditar um condenado em ausência que não foi informado de seu processo. Esses três falsos mandatos provavam que eu não havia sido informado (se sim, teria escrito os mandatos eu mesmo). Muito infelizmente, o Conselho de Estado, submetendo-se à vontade do presidente Jacques Chirac, recusou-se a examinar a falsidade dos mandatos. Aceitaram a extradição afirmando que "tinha sido informado e representado como se os mandatos fossem verdadeiros". Em seguida os meus advogados franceses apresentaram a comprovação dos três falsos documentos à Corte Européia, mas lá também foi inútil, pois, certamente por interferência do governo francês, como esclareço em seguida, a Corte Européia fechou os olhos, ignorou a prova pericial e disse que os mandatos eram verdadeiros. O meu advogado francês Eric Turcon informou-me em Brasília que essa "Corte Européia" tinha sido constituída exclusivamente por magistrados franceses, muito vinculados a Jacques Chirac. Este único fato, Senhores Ministros, prova que meu processo italiano foi viciado, sendo esse, um dos elementos que o Ministro Tarso Genro reconheceu. E que a aprovação da extradição pelas três Cortes francesas, e em seguida pela Corte Européia, foi sempre fundada sobre a existência daquelas procurações que são absolutamente falsas, o que fica evidente num exame a olho nu. Por que essas Cortes, informadas das falsidades desses documentos, se recusaram a considerar este ponto da mais alta relevância?
O Secretário Nacional de Justiça do Brasil, Romeu Tuma Jr., por solicitação do Ministro da Justiça Tarso Genro, teve a oportunidade de examinar detalhadamente os documentos apresentados pela historiadora e arqueóloga Fred Vargas, em diálogo de duas horas, em companhia do senador Eduardo Suplicy, documentos nos quais se evidencia que houve a falsificação das procurações, conforme a análise técnica com reconhecimento oficial, feita pela responsável por estudos de grafologia na França, senhora Evelyn Marganne. Será muito importante que Vossas Excelências também possam examinar com atenção estas provas, que muito contribuíram para fundamentar o que foi expresso na decisão do Ministro Tarso Genro. Por esse motivo anexo aqui os documentos levados pela pesquisadora Fred Vargas ao Dr. Romeu Tuma Jr. e encaminhados ao Ministro Tarso Genro pois eles mostram a evidência da falsificação das procurações e apóiam as explicações detalhadas das folhas nas conclusões da Justiça italiana a meu respeito.
Assinalo que todas as testemunhas arroladas que contaram que eu teria participado dos quatro assassinatos foram beneficiarias pela "delação premiada" com consequente diminuição de suas penas e/ou de sua libertação. O senhor Walter Fanganiello Maierovitch afirma em seus artigos que a justiça italiana não aceita o depoimento de um "arrependido" que use da delação premiada, se por ventura não falar a verdade. Entretanto, a própria justiça italiana não invalidou a denuncia contra mim feita por Pietro Mutti apesar das contradições acima assinaladas. Observo também que na entrevista dada por Pietro Mutti à Revista Panorama, na qual se baseou a "Revista Veja" para concluir que eu era culpado dos quatro assassinatos, diferentemente do que se deu a entender não há foto recente de Pietro Mutti. A foto lá mostrada é do tempo em que nós convivíamos e suas palavras são exatamente as mesmas que pronunciou à época da denúncia. De minha parte estou disposto a confirmar pessoalmente, perante Vossas Excelências, tudo o que estou dizendo. Assim como estou disposto a afirmar aos familiares das quatro vítimas, olho no olho, que não matei seus entes queridos. Sei que a justiça do Brasil tomará em consideração todos os elementos que, postos juntos, provam a minha inocência e a maneira tremenda como fui utilizado como bode expiatório durante esse processo tão cheio de falhas na Itália. A cólera desproporcionada de alguns setores da Itália decorre, em grande parte, do fato que não querem ou não lhe convém, reconhecer que o meu processo foi totalmente falseado, como tantos outros desse mesmo período (houve 4.700 processos contra a extrema esquerda durante os anos de chumbo).
Espero, Senhores Ministros, que me tenham entendido, apesar do ataque irracional e desmedido de setores muito influentes de um país - a Itália - contra mim. Sobre a minha vida e sobre a minha honra, posso afirmar que lutei sempre contra as ofensas físicas durante a revolta italiana, e que nunca atentei contra a vida das pessoas. Essa é a verdade, que nenhuma prova contrariou.
Solicito à Vossas Excelências, Senhores Ministros, receber as expressões de meu respeito e da mais elevada consideração.
Cesare Battisti
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Fora de mim a chuva,
escupindo as certezas com frágeis constelações que se chocam com o concreto, espatifando os olhos da eternidade…
Fora de mim...a chuva.
João Leno Lima
10-01-2011
Continuepor Eric Toussaint
Quase todos os dirigentes políticos, sejam da esquerda tradicional ou da direita, sejam do Norte ou do Sul, confessam uma verdadeira devoção pelo mercado e, em particular, pelos mercados financeiros. Na verdade, deveríamos dizer que eles criaram uma verdadeira religião do mercado. A cada dia, em todas as casas do mundo que tem televisão ou internet, celebra-se uma missa dedicada ao deus mercado durante a divulgação da evolução das cotações da Bolsa e dos mercados financeiros. O deus Mercado envia seus sinais através do comentarista financeiro da televisão ou da imprensa escrita. Isso não acontece não somente nos países mais industrializados, mas também na maior parte do planeta. Em Shangai ou em Dakar, no Rio de Janeiro ou em Tombuctu, qualquer um pode saber quais são os “sinais enviados pelos mercados”.
Em todas as partes, os governos promoveram privatizações e criaram a ilusão de que a população poderia participar diretamente dos ritos do mercado (mediante da compra de ações) e que, como contrapartida, se beneficiaria se soubesse interpretar corretamente os sinais enviados pelo deus Mercado. Na verdade, a pequena proporção da população trabalhadora que adquiriu ações não tem o mínimo peso nas tendências de mercado.
Daqui a alguns séculos, talvez alguém leia nos livros de História que, a partir dos anos 80 do século XX, um certo culto fetichista provocou furor. A expansão assim como o poder que esse culto atingiu poderão ser relacionados com os nomes de dois chefes de Estado: Margaret Thatcher e Ronald Reagan. Os livros poderão destacar ainda que esse culto se beneficiou, desde o início, da ajuda dos poderes públicos e das potências financeiras privadas. Na verdade, para que esse culto encontrasse certo eco junto às populações, foi necessário que os meios de comunicação públicos ou privados rendessem-lhe homenagens cotidianamente.
Os deuses desta religião são os Mercados Financeiros, aos quais se destinaram templos chamados Bolsa, para onde só são convidados os grandes sacerdotes e seus acólitos. O povo dos crentes, por sua vez, é convidado a entrar em comunhão com os deuses Mercados mediante a tela da TV ou do computador, o jornal, o rádio ou o guichê do banco.
Até nos rincões mais recônditos do planeta, graças ao rádio ou à televisão, centenas de milhões de seres humanos, a quem se nega o direito de ter suas necessidades básicas satisfeitas, são convidados a celebrar os deuses Mercados. Aqui no Norte, na maioria dos jornais lidos pelos assalariados, pelas donas de casa e pelos desempregados, existe uma seção do tipo “onde colocar seu dinheiro”, apesar da esmagadora maioria de seus leitores e leitoras não ter nenhuma ação na Bolsa. Paga-se aos jornalistas que ajudem aos crentes a compreender os sinais enviados pelos deuses. Para aumentar o poder destes deuses sobre o espírito dos crentes, os comentaristas anunciam periodicamente que eles enviaram sinais aos governos para indicar sua satisfação ou descontentamento.
O governo e o Parlamento gregos, tendo compreendido finalmente a mensagem recebida, adotaram um plano de austeridade de choque que fará com que os debaixo paguem o custo da crise. Mas os deuses seguem descontentes com o comportamento de Espanha, Portugal, Irlanda e Itália. Seus governos também deveriam levar como oferendas importantes medidas anti-sociais para acalmá-los.
Os lugares onde os deuses angustiam-se com a manifestação de seus humores estão em Nova York, em Wall Street, na City de Londres, nas Bolsas de Paris, Frankfurt e de Tóquo. Para medir sua satisfação, inventaram-se instrumentos que levam o nome de Dow Jones em Nova York, Nikei em Tóquio, CAC40 na França, Footsie em Londres, Dax em Frankfurt ou IBEX na Espanha. Para assegurar a benevolência dos deuses, os governos sacrificam os sistemas de seguridade social no altar da Bolsa e, além disso, privatizam.
Valeria a pena perguntar-se porque foi outorgada essa dimensão religiosa a estes operadores. Eles não são nem desconhecidos nem meros espíritos. Possuem nome e domicílio: são os principais dirigentes das 200 maiores multinacionais que dominam a economia mundial com a ajuda do G7 e de instituições como o FMI – que voltou ao centro do cenário graças à crise após ter passado um tempo no purgatório.
Também atuam o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, ainda que esta não esteja em seu melhor momento. Ninguém sabe se ela poderá ser, de novo, a escolhida dos deuses. Os governos não são uma exceção: desde a era de Reagan e Thatcher abandonaram os meios de controle que contavam para monitorar os mercados financeiros. Dominados pelos investidores institucionais (grandes bancos, fundos de pensões, companhias de seguros, hedge funds...) os governos doaram ou emprestaram aos mercados trilhões de dólares para que pudessem cavalgar de novo, depois do desastre de 2007-2008. O Banco Central Europeu, o Federal Reserve dos EUA e o Banco da Inglaterra emprestaram diariamente, com uma taxa de juro inferior à inflação, enormes capitais que os investidores institucionais se apressaram em utilizar de forma especulativa contra o euro, contra os tesouros dos Estados, etc.
Atualmente, o dinheiro pode atravessar fronteiras sem nenhuma imposição fiscal. A cada dia cerca de 3 trilhões de dólares circulam pelo mundo saltando as fronteiras. Menos de 2% desta soma é utilizada diretamente no comércio mundial ou em investimentos produtivos. Mais de 98% estão envolvidos em operações especulativas, em especial relacionadas às moedas, aos títulos da dívida ou às matérias primas. Devemos acabar com a trivialização desta lógica de morte. É preciso criar uma nova disciplina financeira, expropriar esse setor e colocá-lo sob controle social, gravando com fortes impostos aos investidores institucionais que primeiro provocaram a crise e depois se aproveitaram dela, auditando e anulando as dívidas públicas ilegítimas, instaurando uma reforma tributária redistributiva, reduzindo radicalmente a jornada de trabalho a fim de poder se contratar massivamente, sem diminuição de salários. Em duas palavras, começar a colocar em marcha um programa anticapitalista.
Tradução: Katarina Peixoto
TEXTO ORIGINAL EM>www.cadtm.org
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Estados Unidos é o país maior produtor de transgênicos do mundo
Um novo vazamento de despachos diplomáticos dos Estados Unidos revelou que o governo americano foi orientado a travar uma guerra comercial contra países da União Europeia que se opusessem a alimentos geneticamente modificados.
Segundo o documento revelado ao jornal britânico "The Guardian" pelo WikiLeaks, a embaixada americana em Paris advertiu Washington a iniciar uma guerra comercial "ao estilo militar" em resposta à proibição da França de comercialização do milho transgênico da Monsanto, em 2007. O despacho foi assinado por Craig Stapleton, embaixador em Paris e também amigo e parceiro de negócios com o ex-presidente George Bush.
"Recomendamos a elaboração de uma lista de retaliação que cause alguma dor na União Europeia - já que essa é uma responsabilidade coletiva -, mas também mire os piores culpados", afirma o documento divulgado ontem. "A lista deve ser de longo prazo, já que não esperamos uma vitória tão cedo".
Outros despachos, acrescenta o "The Guardian", mostram que os diplomatas americanos pelo mundo encaram o progresso das culturas geneticamente modificadas como uma estratégia governamental e comercial "imperativa".
O diário britânico afirma ainda que os EUA deveria exercer "particular pressão" sobre os conselheiros do papa, uma vez que bispos de países em desenvolvimento se posicionam "veementemente contra culturas controversas". "As oportunidades existem para pressionar o Vaticano e influenciar um amplo segmento da população europeia e de países em desenvolvimento".
Dados do Serviço Internacional para Aquisições de Aplicações de Biotecnologia (ISAAA, em inglês), organização favorável à tecnologia, os Estados Unidos estão na dianteira de produtos e área plantada com variedades modificadas. Em 2009, plantaram soja, milho, algodão, beterraba, canola e alfafa transgênicos em 64 milhões de hectares. O Brasil está em segundo lugar, com 21,4 milhões de hectares de soja, algodão e milho.
As culturas transgênicas são controversas devido à falta de uma série histórica científica que aponte seus possíveis impactos no ambiente e na saúde humana.
Fonte: Valor Econômico
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