“O poeta existe para impedir que as pessoas parem de sonhar.”
Por | Andrey Tasso
Nasceu na São Paulo da década de 30 e se foi em pleno século 21, mas foi certamente para provocar alucinantes orgias com Rimbaud e Allan Ginsberg nas dimensões dos poetas malditos e para pichar os mantos brancos dos anjos com eróticas poesias xamânicas e marginais. Roberto Piva escreveu algumas das mais delirantes e rebeldes paisagens da sua geração. Com forte referência surrealista, sob a batuta de André Breton e Dali, chamando Mário de Andrade, Rilke e Jorge de Lima para um jogo de transgressão e utopia. Antes, Piva foi lançado na Antologia dos Novíssimos (São Paulo: Massao Ohno, 1961) mas seu primeiro livro, Paranoia, lançado em 1963 pela editora Massao Ohno, é um clássico oculto, à margem da realidade previsível das rimas e das temáticas do amor e do ufanismo idiotizante. Piva crava seu olhar acidamente febril em São Paulo, suas vielas, sua juventude libertária, suas tramas invisíveis nas esquinas do prazer e do homoerotismo enraizado.
Ao saltarmos no urbanismo cinzento do poeta paulistano nos damos conta que a beleza obvia foi dizimada entre longos períodos serpenteando nossas percepções a fim de nos envenenar com líquidos ejaculados de catarse e turbulentos aniquilamentos. Paranoia começou a ser construído no contato e no estudo de Piva sobre A Divina Comédia de Dante Alighieri, realizado no final da década de 50. (Roberto Piva fez o curso com Edoardo Bizzarri no Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro). Foi fundamental também para a sedimentação e amadurecimento dos seus versos a experiência com William Blake, Hölderlin e dos alemães Gottfried Benn e Georg Trakl. Falando aqui do Brasil, Murilo Mendes foi um dos grandes nortes do mestre Piva. O poeta mineiro de versos que bailavam entre o abstrato e visões onírico-celestiais que sopravam as saias das meninas castas e observava a chuva como um fotógrafo Magrittiano sedento pelos corpos da beleza íntima das coisas ajudou a esculpir a desolação ambígua da obra.
Paranoia, vai nos contaminando com doses metafísicas de caos, como em "Jorge de Lima, panfletário do Caos" ou versos como “A estátua de Álvares de Azevedo é devorada com paciência pela paisagem de morfina” do poema “Praça da República dos meus Sonhos". Para adentrar em mais um elemento alquímico da obra, Piva relatou algumas experiências com alucinógenos e outras translucidas substâncias, aproximando-se da geração Beat de William Burroughs e Allan Ginsberg, estampado em poemas como “Os anjos de Sodoma”, por exemplo.
Mas é no desbunde da alma com entorpecimentos múltiplos vazados pelos dedos e por sua vagina transparente que Roberto Piva se releva um bruxo marginal que sai para roubar alguns livros ao lado de Baudelaire e Artaud. São Paulo ou a “Paulicéia desvairada” dos anos 60 na visão lautreamonteana de Piva vai sendo aos poucos revelada. Violada em sua pálida virgindade, agredida à tapas por um Sade doentio que se esconde nos cabelos das putas e dos bêbados e barbudos declamadores incendiários do futuro. Para o poeta, a cidade que é era paranoica e não ele e vamos sendo convencidos a tirar a roupa de nossos pudores homeopáticos e participar deste ritual que romperá os laços acadêmicos de nossos sentidos.
Essa poesia alucinatória dos detalhes rendeu a Piva a honra de ser um dos três únicos escritores brasileiros a fazer parte do Dicionário Geral do Surrealismo, publicado na França em 1965 e dirigida por ninguém menos que André Breton. (Os outros foram o Claudio Willer e o Sérgio Lima).
Paranoia foi relançado pelo Instituto Moreira Salles em 2000 ainda com as fotografias e desenhos de Wesley Duke Lee e o prefácio do jornalista Thomaz Souto Corrêa e se mostra atemporal em todos os seus sentidos vertiginosos. Piva dobrou a esquina deste mundo em 2010 depois de complicações renais mas sua poética ou seu “impulso pelo irracional” é mais atual do que nunca. Na Paranoia diária do cotidiano, nos jovens mortos em sua própria ânsia consumista, no trânsito louco e assassino das grandes cidades, na hipocrisia nefasta e no preconceito psicopata, os marginais de ontem se foram e nossos marginais não tem ética, não tem código, não conhecem Nietzsche ou Maiakóvski, querem apenas o último celular da moda e uma moto para “charlar” com suas patricinhas onde a academia é sua biblioteca vazia.
No lema “só acredito em poeta experimental que tem vida experimental” Roberto Piva nos entregou uma obra prima da poesia nacional que reflete suas intensas manifestações diárias, seu olhar cirurgicamente nebuloso, seu descabelado berro ou seria um gemido de transgressão dionisíaca gozando sobre as costelas da normalidade?. O mal-estar Piviano é onipresente e convida nosso imaginário a voos não-piedosos que levam ao transe, à transa, de sentidos ou ao pessimismo modernistas, do suor às constelações cinzentas do eu. Corremos o risco de nos tornamos “arcanjos de enxofre” querendo assim como ele quis um dia, a destruição de tudo que é frágil.
Assim diz o último verso de Paranoia “Eu sou uma alucinação na ponta dos teus olhos” Piva e sua poesia estão prontas para nos fazer ficar “sonhando pendurados” em versos da eternidade.
Livros |
Paranóia, 1963
Piazzas, 1964
Abra os olhos e diga ah!, 1975
Coxas, 1979
20 Poemas com Brócoli, 1981
Antologia Poética, 1985
Ciclones, 1997
Um Estrangeiro na Legião: obras reunidas, volume 1, 2005
Mala na Mão & Asas Pretas: obras reunidas, volume 2, 2006
Estranhos Sinais de Saturno: obras reunidas, volume 3, 2008
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