Hoje me sinto uma rua.
Sentindo como as teclas do piano ao ser tocado
pelo pianista mágico os passos montanhosos dos seres irreversíveis.
O balsamo frio que envolve as sombras.
Os minúsculos pés das crianças e sua estranha liberdade.
Os diálogos de cabeça para baixo dos amantes na esquina.
O toque pontiagudo dos cães indefesos
e o cheiro de vapor que se desprende
como fantasmas grisalhos das tardes pós chuva.
Sinto o toque prematuro das carruagens futurísticas da manhã.
A correria pálida das horas horizontais.
Ser uma rua é a perpetuação suprema do sentido que não existia;
O rumo inerte a mim mais presente a todos,
ser essa rua que desconheço-me agride e conforma-te,
converso com outras ruas e percebo suas aflições,
elas queriam não ter fim
mas as consolo acreditando que somos eternas ruas
que levam a extremidade onde os seres encontram novos sentidos
que os deixaram esperançosos,
confio que a rua que sou
é fundamental para as realizações mais perspicazes do dia.
Mesmo no cansaço do meio dia,
onde o sol impiedoso lembra-me
que a chuva virá para pentear meus cabelos asfalticos
e me perderei em sonhos que me levam a ruas inigualáveis
que terminaram de frente para o mar...
Mas agora, eu rua, adormeço...
Tantos sonhos passaram por mim,
tantos anseios,
tantas embarcações invisíveis
que dobraram a esquina e jamais voltei a sentir,
tantas tuneis e portas foram desbravadas
até que os seres passarem por mim,
eles que pouco se comunicam entre si
e tão pouco me percebem,
mas os sinto, desejo a eles sempre a melhor passagem,
consola-me saber quem me tocarão novamente
e serei importante como as coisas importantes despercebidas,
eu, uma rua, ouço os passos dos solitários no limiar da aurora
E adormeço no chão de mim.
João Leno Lima
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