“To see the world in a grain of sand
And the heaven in a wild flower.
Hold Infinity in the palm of your hand
And Eternity in one hour.”
“Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo pareceria ao homem como realmente é, infinito.”
William Blake
"Não existem livros sobre êxtases e orgasmos cósmicos escritos por cientistas, somente narrativas orais e poesia. Os livros de história são sobre eventos públicos insignificantes como guerras, eleições e revoluções. As únicas coisas importantes acontecem nos corpos e cérebros dos indivíduos."
Neal Cassady, expoente beatnik.
"Uma nova civilização está surgindo em nossas vidas, e indivíduos cegos, espalhados por toda parte, tentam suprimi-la. Esta nova civilização traz consigo novos estilos de família; modos diferentes de trabalhar, amar e viver; novos conflitos políticos; e por detrás de tudo isso, estados alterados de consciência (...).
O nascimento dessa nova civilização é o fato mais explosivo e singular de nossos tempos.
É o evento central, a chave para compreender os anos que estão por vir. É um acontecimento tão profundo como a Primeira Onda de mudanças lançada há dez mil anos com a invenção da agricultura, ou a estrondosa Segunda Onda iniciada pela revolução industrial. Nós somos as crianças da próxima transformação, a Terceira Onda."
Alvin Toffler
"A evolução biológica é, em grande parte, uma história das fugas pelos corredores cegos da superespecialização; a evolução das idéias, uma série de fugas da tirania dos hábitos mentais e das rotinas estagnantes. Na evolução biológica, a fuga é realizada por um refúgio do adulto num estágio juvenil como ponto de partida para uma nova vereda; na evolução mental, por uma regressão temporária a modos mais primitivos e desreprimidos de ideação, seguido pelo salto criativo para adiante."
Arthur Koestler
Apresentação do tradutor anônimo
Leitor, como eu sei que é terrivelmente maçante ler prólogos ou “notas iniciais” ou esse tipo de coisa, vou ser o mais conciso e o mais direto possível.
Nem me lembro mais como ou quando foi que comecei a me interessar pela psicodelia do final dos anos 60, interesse que me levou a conhecer o psicólogo americano Timothy Leary, conhecido como “papa do LSD” nos anos 60. Em vez de contar a sua história aqui, eu recomendo a leitura de “Flashbacks”, sua autobiografia. Eis alguns trechos:
"Eu ri novamente da minha pompa diária, da arrogância tacanha dos acadêmicos, da presunção do racionalismo, da impotência asseada das palavras em contraposição à riqueza bruta e dinâmica dos panoramas que inundavam meu cérebro.
(...)
Visto que as drogas psicodélicas expõe-nos a níveis diferentes de percepção e experiência, usá-las significa entrar em uma aventura filosófica, obrigando-nos a confrontar a natureza da realidade com os nossos frágeis sistemas subjetivos de crenças. A diferença é a causa do riso, do terror. Nós descobrimos abruptamente que fomos programados todos esses anos, que tudo que aceitamos como sendo realidade é apenas uma construção social.
(...)
Em quatro horas (...) aprendi mais sobre a mente, o cérebro e suas estruturas do que nos quinze anos anteriores como psicólogo dedicado.
Aprendi que o cérebro é um biocomputador subutilizado, que contém bilhões de neurônios não utilizados. Aprendi que a consciência normal é uma gota um oceano de inteligência, que consciência e inteligência podem ser sistematicamente expandidas, que o cérebro pode ser reprogramado, que o conhecimento de como o cérebro opera é a questão científica mais urgente de nosso tempo."
"O medo irracional é o maior impedimento à evolução humana, seja pessoal ou como espécie: diminui a inteligência, seu contágio é virulento e leva a uma rejeição não apropriada ao engajamento em novas coisas das quais depende o crescimento dos indivíduos."
A Experiência Psicodélica é um dos principais livros de Leary, que se dedicou à pesquisa da expansão da consciência e à divulgação em prol da libertação das mentes desde o início dos anos 60 até os anos 90, quando faleceu vítima de câncer. Contribuíram neste trabalho os seus amigos e colegas de Harvard Ralph Metzner e Rick Alpert.
Leary e seus colegas foram duramente perseguidos pelas autoridades governamentais norte-americanas, cujo primeiro passo foi tornar ilegal o LSD, que ironicamente vinha sendo utilizado secretamente pela CIA num projeto de controle da mente, vários anos antes do início da pesquisa psicodélica de Timothy Leary, que passou boa parte de sua vida preso ou no exílio, por defender a libertação do ser humano de suas prisões psicológicas.
Uma conseqüência dessa perseguição reacionária foi que tornou-se dificílimo obter material para estudos a partir das pesquisas de Timothy Leary, dificuldade ainda maior se você não vive nos Estados Unidos, e se não sabe inglês então fica mais difícil ainda. Procurando na internet por este livro, fui encontrá-lo após muito custo num site finlandês, e escrito em inglês. Não sei da existência de uma tradução portuguesa de The Psychedelic Experience – A Manual Based on the Tibetan Book of the Dead. Então decidi eu mesmo traduzi-la e distribui-la gratuitamente através da internet. Que se fodam os direitos autorais ou da editora, pois a Experiência Psicodélica deve, segundo o próprio Timothy Leary, “ser anunciada a todas as pessoas vivas”.
"Ligar-se, sintonizar-se, libertar-se.
Ligar-se significa voltar-se para dentro afim de ativar os equipamentos neurais e genéticos. Tornar-se sensível aos muitos e diferentes níveis de consciência e aos botões específicos que os acionam. (...)
Sintonizar-se significa interagir harmoniosamente com o mundo exterior: exteriorizar, materializar, expressar as novas perspectivas internas.
Libertar-se sugere um processo ativo, seletivo e suave de separação de compromissos involuntários ou inconscientes. Libertar-se significa autoconfiança, descoberta da singularidade individual, compromisso com a mobilidade, escolha e mudança."
"Ligar-se, sintonizar-se e libertar-se! Chegou a hora de acionar a chave interna para força máxima! Ouçam, ou vocês vão passar o resto de suas vidas como figurantes mal pagos em algum documentário barato, preto-e-branco e amador, ou vão se tornar os produtores dos seus próprios filmes."
Timothy Leary
Notas sobre a tradução:
Já vou começar dizendo que nunca fiz curso de inglês nem nada do tipo e que aprendi este idioma sozinho, com um dicionário e discos dos Beatles, acompanhando das letras das músicas. Então, caro leitor, saiba desde já que esta tradução “não é uma coisa que se diga: minha nossa! Mas que bom trabalho!... Mas é melhor que nada...”
Para ajudar no entendimento, vou esclarecer alguns pontos que possam causar dúvidas:
- foi utilizada em certos trechos do livro o que se pode chamar de “linguagem psicodélica”. Vocês vão ver que não é muito fácil de entender, mas isso acontece porque as descrições de viagens psicodélicas são prejudicadas pelo fato de as palavras não terem grande utilidade em níveis mais profundos de consciência. Mesmo no nível superficial de consciência, que é o que normalmente usamos, as palavras não são muito eficientes... Nada comparado à experiência direta.
- A palavra “game” foi traduzida em alguns casos como “jogo” e em outros como “script[1]”, que me pareceu mais apropriado para facilitar a compreensão.
- Distinção importante: extático (relativo a êxtase) não é o mesmo que estático (que se acha em repouso, sem movimento).
- Distinção importante: exotérico é o ensinamento que pode ser transmitido ao público sem restrição, dado o interesse generalizado que suscita e a forma acessível em que pode ser exposto, enquanto que esotérico é o ensinamento hermético, obscuro, compreensível apenas por poucos, passível de ensinar-se a um círculo mais restrito.
Ao longo do livro, adicionei algumas notas (no rodapé, em vermelho) para explicar melhor alguns pontos e para os termos sem tradução direta para o português.
“Meu teatrinho tem tantas portas de palco quantas queiram, dez, cem ou mil, e atrás de cada uma espera-lhes precisamente aquilo que andam a buscar. É uma formosa lanterna mágica, meu caro amigo, mas de nada valerá recorrer a ela nas condições em que se encontra. Você se veria impedido e deslumbrado por aquilo a que se acostumou chamar de sua personalidade. Sem dúvida já terá adivinhado há algum tempo que o domínio do tempo, a libertação da realidade e tudo aquilo que deseja chamar de seu anseio, não significa outra coisa senão o desejo de libertar-se de sua chamada personalidade. Tais são as prisões em que você se encontra. E se entrasse neste teatro assim como está, assim como é, acabaria por ver tudo com os olhos de Harry, com os velhos óculos do Lobo da Estepe. Por isso, convido-o a despojar-se desses anteparos e deixar no vestíbulo a sua honrada personalidade, onde estará à sua disposição a qualquer momento que assim o desejar. (...) Você vai entrar agora, sem receio e com verdadeiro prazer em nosso mundo visionário; conseguirá isso por meio de um suicídio aparente, de acordo com o hábito. (...) Mas, naturalmente, seu suicídio não é definitivo, de maneira alguma; estamos num teatro mágico, onde tudo não passa de símbolos, onde não existe nenhuma realidade.”
trecho de “O Lobo da Estepe” de Hermann Hesse
~ A Experiência Psicodélica ~
Um manual baseado no Livro Tibetano dos Mortos
Por Timothy Leary, Ph.D., Ralph Metzner, Ph.D., & Richard Alpert, Ph.D.
Os autores estiveram engajados num programa de experiências com LSD e outras drogas psicodélicas na Universidade de Harvard, até que a propaganda nacional sensacionalista, injustamente concentrada no interesse estudantil pelas drogas, levou à suspensão das experiências. Desde então, os autores têm continuado seu trabalho sem os auspícios acadêmicos.
Esta versão do LIVRO TIBETANO DOS MORTOS é dedicada a
ALDOUS HUXLEY
26 de julho de 1894 – 22 de novembro de 1963
com profunda admiração e gratidão.
“Se você começasse do modo errado,” disse eu em resposta às perguntas do investigador, “tudo que acontecesse seria uma prova da conspiração contra você. Tudo estaria auto-validado. Você não poderia respirar sem saber que isto era parte do plano.”
“Então você acha que sabe onde jaz a loucura?”
Minha resposta foi um convicto e sincero “Sim.”
“E você não poderia controlá-la?”
“Não, não poderia. Se alguém começasse com medo e ódio como premissa maior, teria que ir até o fim.”
“Você seria capaz,” perguntou-me minha esposa, “de fixar sua atenção naquilo que o Livro Tibetano dos Mortos chama de Serena Luz?”
Fiquei em dúvida.
“Seria ela capaz de manter o mal afastado, caso você pudesse encará-la?”, insistiu ela. “Ou será que você não poderia fitá-la?”
Pensei algum tempo para poder responder e, por fim, disse: “Talvez; talvez o conseguisse. Mas só se houvesse lá alguém que pudesse esclarecer-me a respeito da Serena Luz. Não é possível fazer-se isso a sós. Daí a razão, creio eu, para o ritual tibetano – assentar-se alguém ao nosso lado, durante todo o tempo, para dizer o que vai ocorrendo”.
(As Portas da Percepção, 57-58)
I.
INTRODUÇÃO GERAL
Uma experiência psicodélica é uma jornada a novos reinos da consciência. A abrangência e o conteúdo da experiência são ilimitados, mas suas características são a transcendência de conceitos verbais, das dimensões de espaço-tempo, e do ego ou identidade. Tais experiências de consciência expandida podem ocorrer de diversas formas: privação sensorial, exercícios de ioga, meditação disciplinada, êxtases religiosos ou estéticos, ou espontaneamente. Mais recentemente elas se tornaram disponíveis para qualquer um mediante a ingestão de drogas psicodélicas como LSD, pscilocibina, mescalina, DMT, etc.
Obviamente, a droga não produz a experiência transcendental. Ela apenas age como uma chave química – ela abre a mente, liberta o sistema nevoso de seus padrões e estruturas ordinários. A natureza da experiência depende quase inteiramente do arranjo e do cenário. Arranjo refere-se à preparação do indivíduo, inclusive de sua estrutura de personalidade e do seu humor no momento. Cenário é o elemento físico – o clima, a atmosfera do ambiente; o social – sentimentos das pessoas presentes; e cultural – visões predominantes sobre aquilo que é real. É por esta razão que manuais ou guias são necessários. Sua proposta é fazer com que a pessoa seja capaz de entender as novas realidades da consciência expandida, servir como mapas rodoviários das novas zonas interiores que a ciência moderna tornou acessíveis.
Diferentes exploradores produzem mapas diferentes. Outros manuais estão para ser escritos segundo modelos diferentes – científicos, estéticos, terapêuticos. O modelo tibetano, no qual este manual é baseado, visa ensinar a pessoa a direcionar e controlar a consciência de modo a alcançar o nível de entendimento diversamente chamado de liberação, iluminação ou esclarecimento. Se o manual for lido várias vezes antes de uma sessão, e se uma pessoa de confiança estiver lá para lembrar e refrescar a memória do viajante durante a experiência, a consciência será libertada dos jogos que constituem a “personalidade” e das alucinações positivas-negativas que freqüentemente acompanham os estados de consciência expandida. O Livro Tibetano dos Mortos é chamado em sua língua própria de Bardo Thodol, que significa “Libertação pela Audição no Plano Pós-Morte.” O livro realça que a consciência livre precisa apenas ouvir e lembrar-se dos ensinamentos de forma a ser libertada.
O Livro Tibetano dos Mortos é aparentemente um livro descrevendo as experiências esperadas no momento da morte, durante um período intermediário de quarenta e nove (sete vezes sete) dias, e durante o renascimento numa outra estrutura corpórea[2]. Esta, entretanto, é apenas a armação esotérica que os budistas tibetanos usaram para encobrir seus ensinamentos místicos. A linguagem e o simbolismo dos rituais de morte do Bon, a religião tradicional do Tibete pré-budista, foram habilmente misturados com conceitos budistas. O significado esotérico, como foi interpretado neste manual, é que é a morte e o renascimento que são descritos, mas não do corpo. Lama Govinda indica isso claramente em sua introdução quando escreve: “É um livro para os vivos tanto quanto para os mortos.” O significado esotérico do livro é geralmente oculto sob várias camadas de simbolismo. Não é para o leitor médio. É para ser entendido apenas por aquele que tiver sido iniciado por um guru nas doutrinas budistas, na experiência pre-mortem-morte-renascimento. Essas doutrinas têm sido mantidas em segredo por muitos séculos. Na tradução como um texto esotérico, portanto, existem dois passos: um, a tradução do texto original para o inglês; e dois, a interpretação prática do texto para seus usos. Ao publicar esta interpretação prática para o uso em sessões de drogas psicodélicas, estamos em certo sentido rompendo com a tradição de segredo e assim contrariando os ensinamentos dos lamas.
Entretanto, este passo é justificado, já que o manual não será entendido por alguém que não tenha tido uma experiência de expansão da consciência e também porque há sinais de que os próprios lamas, depois de sua recente diáspora, desejam estender seus ensinamentos a um público mais amplo.
Seguindo o modelo tibetano, distinguimos três fases da experiência psicodélica. O primeiro período (Chikhai Bardo) é o da transcendência completa – além das palavras, além do espaço-tempo, além do self. Não há visões, nem sentido do self, nem pensamentos. Há apenas consciência pura e liberdade extasiante de quaisquer envolvimentos com jogos (e biológicos). [“Jogos” são seqüências comportamentais definidas por papeis, regras, rituais, objetivos, estratégias, valores, linguagem, lugares característicos no espaço-tempo e padrões característicos de movimento. Qualquer comportamento que não tenha estes nove fatores é um não-jogo: isto inclui reflexos fisiológicos, ações espontâneas, e consciência transcendente.] O segundo grande período envolve o self, ou jogo realidade exterior (Chonyid Bardo) – numa claridade aguda ou na forma de alucinações (aparições cármicas). O período final (Sidpa Bardo) envolve o retorno ao jogo realidade rotineiro e ao self. Para a maioria das pessoas o segundo estágio (estético ou alucinatório) é o mais longo. Para os iniciados, o primeiro estágio de iluminação dura mais. Para os despreparados, os heavy game players[3], aqueles que se agarram angustiadamente a seus egos, e para aqueles que tomam a droga num cenário não-apropriado, a luta para voltar à realidade começa cedo e normalmente dura até o fim da sessão.
Palavras são estáticas, enquanto que a experiência psicodélica é fluida e mutável. Normalmente a consciência do sujeito salta de um para outro desses três níveis com oscilações rápidas. Uma proposta deste manual é habilitar a pessoa a recuperar a transcendência do Primeiro Bardo e a evitar a permanência prolongada nos padrões alucinógenos ou de jogos ego-dominados.
As Confianças e Crenças Básicas. Você deve estar disposto a aceitar a possibilidade de que haja uma extensão ilimitada da consciência para a qual não temos palavras no momento; que a consciência possa se expandir para além do seu ego, seu self, sua identidade familiar, além das diferenças que normalmente separam as pessoas umas das outras e do mundo em torno delas.
Você deve lembrar-se de que, através da história humana, milhões fizeram essa viagem. Uns poucos (a quem chamamos místicos, santos ou budas) fizeram com que essa experiência durasse e comunicaram-na aos seus seguidores.
Você deve lembrar-se, também, de que a experiência é segura (na pior das hipóteses, você sairá da experiência como a mesma pessoa que entrou), e que todos os males que você teme são produtos desnecessários de sua mente. Se você experimentar o paraíso ou o inferno, lembre-se de que é sua mente que os está criando. Evite agarrar-se a um ou fugir do outro. Evite impor o jogo do ego à experiência.
Você deve tentar manter a fé e a confiança no potencial do seu próprio cérebro e no processo vital de bilhões de anos de idade. Com seu ego atrás de você, o cérebro pode se complicar.
Tente lembrar-se de um amigo de confiança ou de uma pessoa respeitada cujo nome sirva com guia e protetor.
Confie em sua divindade, confie em seu cérebro, confie em seus companheiros.
Em dúvida, desligue sua mente, relaxe, vá boiando rio abaixo[4].
Depois de ler este guia, a pessoa preparada deve ser capaz, logo no início da experiência, de se mover diretamente ao estado de êxtase de não-jogos e à revelação profunda. Mas se você não estiver preparado(a), ou se há jogos em volta de você a distraí-lo(a), você se verá caindo. Se isto acontecer, as instruções na Parte IV devem ajudá-lo(a) a recuperar e manter o estado de libertação.
“Libertação neste contexto não implica necessariamente (especialmente no caso o indivíduo médio) a Libertação do Nirvana, mas principalmente a libertação do ‘fluxo vital’ do ego, de tal modo a fornecer a maior consciência possível e conseqüentemente um bom renascimento. Mesmo para a pessoa experiente e eficiente, o [mesmo] processo esotérico de Transferência [Leitores interessados numa discussão mais detalhada do processo de “Transferência”, ver Ioga e Doutrinas Secretas Tibetanos, editado por W. Y. Evans-Wentz, Oxford University Press, 1958.] pode ser, de acordo com os lamas, assim utilizado para prevenir uma quebra do fluxo da corrente de consciência, do momento da ego-perda ao momento do renascimento consciente (oito horas depois). De acordo com a tradução feita pelo falecido Lama Kazi Dawa-Samdup, de um antigo manuscrito tibetano contendo indicações práticas para os estados de ego-perda, a habilidade para manter um êxtase de não-jogos durante toda a experiência é possuída apenas por pessoas treinadas em concentração mental, a tal grau de proficiência que sejam capazes de controlar todas as funções mentais e ignorar as distrações do mundo exterior.” (Evans-Wentz, p. 86, note 2)
Este manual é dividido em quatro partes. A primeira parte é introdutória. A segunda é uma descrição passo-a-passo de uma experiência psicodélica baseada diretamente no Livro Tibetano dos Mortos. A terceira parte contém sugestões práticas de como preparar e conduzir uma sessão psicodélica. A quarta parte contém passagens instrutivas adaptadas do Bardo Thodol, que podem ser lidas ao viajante durante a sessão, para facilitar o movimento da consciência.
No restante desta seção introdutória, veremos três comentários sobre o Livro tibetano dos Mortos, publicados na edição de Evans-Wentz. São a introdução pelo próprio Evans-Wentz, o distinto tradutor-editor de quatro tratados sobre misticismo tibetano; o comentário de Carl Jung, o psicanalista suíço; e pelo Lama Govinda, um iniciado numa das principais ordens budistas do Tibete.
UM TRIBUTO A W. Y. EVANS-WENTZ
“O dr. Evans-Wentz, que literalmente sentou-se aos pés de um lama tibetano por anos, de modo a adquirir sua sabedoria (...) não apenas demonstra um profundo interesse naquelas doutrinas esotéricas tão características do espírito do Oriente, mas igualmente possui a rara faculdade de torná-las mais ou menos inteligíveis ao leigo.” [Citação de uma resenha antropológica sobre a edição da Oxford University Press do Livro Tibetano dos Mortos.]
W. Y. Evans-Wentz é um grande estudante que dedicou os seus anos adultos à tarefa de construir uma ponte entre o Tibete e o Ocidente: como uma molécula de RNA ativando o último com a mensagem codificada do primeiro. Não poderíamos render maior tributo ao trabalho deste libertador acadêmico que não fosse basear nosso manual psicodélico em seus insights e citar diretamente seus comentários na “mensagem deste livro.”
A mensagem é que a Arte de Morrer é tão importante quanto a Arte de Viver (ou de Vir à Vida), de que é complemento e resumo; que o futuro do ser é dependente, talvez inteiramente, de uma morte altamente controlada, como a Segunda parte deste volume, sobre a Arte de Reencarnar, salienta.
A Arte de Morrer, como indicado pelo rito de morte associado à iniciação nos Mistérios da Antigüidade, e citada por Apuleius, o filósofo platônico, ele mesmo um iniciado, e por muitos outros ilustres iniciados, e como o Livro Egípcio dos Mortos sugere, parece ter sido bem melhor conhecida pelos antigos povos que habitavam os países mediterrâneos do que agora por seus descendentes na Europa e nas Américas.
“Para aqueles que passaram pela experiência secreta de morte pre-mortem, a morte é justamente uma iniciação, conferindo, assim como faz o rito iniciatório de morte, o poder de controlar conscientemente o processo de morte e regeneração.” (Evans-Wentz, p. XIII-XIV)
O aluno de Oxford, como seu grande predecessor do século XI, Marpa (“O Tradutor”), que trouxe os textos budistas indianos ao Tibete, desse modo preservando-os da extinção, viu a importância vital dessas doutrinas e as tornou acessíveis a muitos. O “segredo” já não está oculto: “a arte de morrer é tão importante quanto a arte de viver.”
UM TRIBUTO A CARL G. JUNG
A Psicologia é a tentativa sistemática de descrever e explicar o comportamento do homem, o consciente e o inconsciente. A abrangência do estudo é ampla – cobrindo a infinita variedade da atividade e experiência humanas; estudando a história do indivíduo, a história de seus ancestrais, as vicissitudes evolucionárias e os triunfos que determinaram o estado atual da espécie. O mais difícil de tudo, a abrangência da psicologia é complexa, ocupando-se com processos que estão sempre mudando.
Não é de admirar que os psicólogos, em face de tal complexidade, fogem para lado da especialização e da tacanhez paroquial.
Uma psicologia baseia-se nos dados disponíveis e na habilidade e disposição dos psicólogos para utilizá-los. O behaviorismo e o experimentalismo da psicologia ocidental do século XX são tão estreitos quanto triviais. A aplicação social e o sentido social são largamente negligenciados. Um curioso ritualismo é promulgado por um sacerdócio que cresce rapidamente em número e poder.
A psicologia oriental, em contraste, nos oferece uma longa história de observação detalhada e sistematização da extensão da consciência humana juntamente com uma vasta literatura de métodos práticos de controle e modificação da consciência. Os intelectuais ocidentais tendem a desprezar a psicologia oriental. As teorias da consciência são vistas como ocultas e místicas. Os métodos de investigar a consciência variam, como meditação, ioga, retiro monástico, e privação sensorial, e são vistos como alheios à investigação científica. E o mais prejudicial de tudo aos olhos do estudante europeu, é a alegada ignorância dos psicólogos orientais em relação aos aspectos práticos, comportamentais e sociais da vida. Tal criticismo revela os conceitos limitados e a incapacidade de lidar com os dados históricos disponíveis num nível significativo. Os psicólogos do oriente encontraram aplicações práticas na organização do estado, na organização da vida diária e da família. Há uma abundância de guias: o Livro do Tao, os Anais de Confúcio, o Gîtâ, o I-Ching, o Livro Tibetano dos Mortos, só para mencionar os mais conhecidos.
Os psicólogos orientais podem ser julgados em termos do uso das evidências disponíveis. Os estudantes da China, Tibete e Índia foram tão longe quanto seus dados permitiram que fossem. Eles careciam das descobertas da ciência moderna e assim suas metáforas pareciam vagas e poéticas. Mesmo isto não nega o seu valor. De fato, teorias filosóficas orientais de quatro mil anos atrás se adaptam facilmente às mais recentes descobertas da física nuclear, bioquímica, genética e astronomia.
Uma das maiores tarefas da psicologia atual – oriental ou ocidental – é construir uma estrutura de referência grande o bastante para incorporar as recentes descobertas das ciências da energia numa descrição revisada do homem.
Julgado pelo critério do uso dos fatos disponíveis, os maiores psicólogos do nosso século (séc. XX) foram William James e Carl Jung. [Para comparar com propriedade Jung com Sigmund Freud precisamos olhar para os dados disponíveis que cada um usou para seus estudos. Para Freud foram Darwin, termodinâmica clássica, o Antigo Testamento, o Renascimento cultural, história, e o mais importante, a atmosfera fechada e superaquecida de uma família judia. A maior amplitude das referências materiais de Jung fazem com que suas teorias encontrem maior simpatia com os desenvolvimentos recentes nas ciências da energia e nas ciências evolucionárias. Ambos evitaram os caminhos estreitos do behaviorismo e do experimentalismo. Ambos lutaram para preservar a experiência e a consciência como uma área da pesquisa científica. Ambos se mantiveram abertos ao avanço da teoria científica e ambos recusaram-se a desconsiderar a erudição oriental.
Jung usou como fonte de dados a fonte mais fértil – a interior. Ele reconheceu o rico significado da mensagem oriental; reagiu ao grande borrão, o Tao Te Ching. Escreveu prefácios perceptivos e brilhantes para o I-Ching, para o Segredo da Flor Dourada, e lutou com o significado do Livro Tibetano dos Mortos. “Por anos, desde que foi publicado pela primeira vez, o Bardo Thodol tem sido meu companheiro constante, e dele tirei não apenas muitas idéias estimulantes e descobertas, mas também muitos insights fundamentais... Sua filosofia contém a quintessência do criticismo psicológico budista; e, como tal, pode-se verdadeiramente dizer que é de uma superioridade sem par.”
O Bardo Thodol está no mais alto grau, psicológico, em sua perspectiva; mas, como ocorre conosco, sua filosofia e teologia estão ainda na era medieval, estado pré-psicológico onde apenas afirmações são ouvidas, explicadas, defendidas, criticadas e disputadas, enquanto a autoridade que as produz, por consenso geral, fica de fora do âmbito da discussão.
Afirmações metafísicas, entretanto, são afirmações da psique, e são portanto psicológicas. Para a mente ocidental, que compensa seu bem conhecido ressentimento por uma consideração servil com explicações “racionais”, esta verdade óbvia parece totalmente óbvia, ou então parece-se como uma negação inadmissível da “verdade” metafísica. Quando o ocidental ouve a palavra “psicológico”, ela sempre soa a seus ouvidos como “somente psicológico”.
Jung baseia-se em concepções orientais de consciência para alargar o conceito de “projeção”:
Não apenas as “coléricas” mas também as deidades “pacíficas” são concebidas como projeções da psique humana, uma idéia que parece demasiado óbvia ao esclarecido europeu, porque faz com que se lembre de suas próprias simplificações banais. Mas embora o europeu possa facilmente explicar essas divindades como sendo projeções, ele seria absolutamente incapaz de defini-las como reais ao mesmo tempo. O Bardo Thodol consegue fazer isso, porque, devido às suas mais essenciais premissas metafísicas, ele tem o europeu esclarecido e o ignorante, ambos, em desvantagem. A idéia sempre presente, a presunção calada do Bardo Thodol, é o caráter anti-nominal de toda afirmação metafísica, e também a idéia da diferença qualitativa dos vários níveis de consciência e das realidades metafísicas condicionadas por elas. O pano de fundo deste livro incomum não é o europeu “um ou outro-ou”, mas uma afirmação magnífica, “ambos-e”. Esta afirmação pode parecer censurável ao filósofo ocidental, pois o ocidente adora a clareza e não a ambigüidade; conseqüentemente, um filósofo se agarra à situação “Deus é”, enquanto outro se agarra tão ardentemente quanto o primeiro à negação, “Deus não é”.
Jung vê claramente o poder e a amplitude do modelo Tibetano mas ocasionalmente ele falha em apreender os seu significado e aplicação. Jung, também, estava limitado (como todos nós estamos) aos moldes sociais de sua tribo. Ele foi um psicanalista, o pai de uma escola. Psicoterapia e diagnose psiquiátrica foram as duas aplicações que lhe vieram naturalmente.
Jung perde o conceito central do livro tibetano. Este não é (como o Lama Govinda nos lembra) um livro dos mortos. É um livro do morrer; o que quer dizer que é um livro dos vivos; é um livro sobre a vida e sobre como viver. O conceito de morte física real foi uma fachada esotérica adotada para se adaptar aos preconceitos dos bonistas tradicionais no Tibete. Longe de ser um guia para embalsamadores, o manual é um relato detalhado sobre como perder o ego, como introduzir a personalidade em novos reinos de consciência; e como evitar os processos limitantes involuntários do ego; como fazer com que a experiência de expansão da consciência permaneça na vida diária subseqüente.
Jung luta com este ponto. Ele chega perto mas nunca o resolve. Ele não tinha nada em sua armação conceitual que pudesse fazer sentido numa experiência de ego-perda.
“O Livro Tibetano dos Mortos, ou o Bardo Thodol, é um livro de instruções para os mortos e moribundos. Como o Livro Egípcio dos Mortos é tido como um guia para o homem morto durante o seu período de existência do Bardo (...)”
Nesta citação Jung concorda com o esotérico e perde o esotérico. Numa citação posterior ele parece chegar mais perto:
“ (...) a instrução dada no Bardo Thodol serve para lembrar ao morto a experiência de sua iniciação e os ensinamentos se seu guru, pois a instrução é, no fundo, nada menos que uma iniciação do morto na vida do Bardo, da mesma forma como a iniciação do vivo foi uma preparação para o Além. Tal foi o caso, pelo menos, com todos os cultos nas antigas civilizações do tempo dos mistérios egípcios e eleusianos. Na iniciação do vivo, entretanto, este ‘Além’ não é um mundo além da morte, mas uma inversão dos propósitos da mente e da perspectiva, um ‘Além’ psicológico ou, em termos cristãos, uma ‘redenção’ das mazelas do mundo e dos pecados. Redenção é uma separação e entrega de uma condição anterior de escuridão e inconsciência, e leva a uma condição de iluminação e liberação, à vitoria e transcendência de tudo o que é ‘dado’.”
Da mesma forma o Bardo Thodol é, como sente o Dr. Evans-Wentz, um processo de iniciação cuja proposta é restaurar à alma a divindade perdida com o nascimento.
Ainda em outra passagem Jung continua a luta mas perde outra vez:
“Nem é o uso psicológico que fazemos dele (o Livro Tibetano) outra coisa senão uma intenção secundária, embora ela esteja possivelmente sancionada pela tradição lamaísta. A proposta real deste livro singular é a tentativa, que deve parecer muito estranha ao educado europeu do século XX, de esclarecer os mortos acerca de sua jornada através das regiões do Bardo. A Igreja Católica é o único lugar no mundo dos homens brancos onde as provisões são feitas para as almas dos que se foram.”
No resumo dos comentários do Lama Govinda que se segue veremos que o comentador tibetano, livre dos conceitos europeus de Jung, vai diretamente ao significado prático e esotérico do livro tibetano.
Em sua autobiografia (escrita em 1960) Jung se compromete totalmente com a visão interior e com a sabedoria e a realidade superior das percepções interiores. Em 1938 (quando seu comentário do Livro Tibetano foi escrito) ele estava indo nesta direção, mas cuidadosamente e com a reserva ambivalente do psiquiatra em relação ao místico.
“O morto precisa desesperadamente resistir aos ditames da razão, como a entendemos, e desistir da supremacia do egotismo, considerado sacrossanto pela razão. O que isto significa na prática é a completa capitulação aos poderes objetivos da psique, com todas as suas implicações; um tipo de morte simbólica, correspondente do Julgamento dos Mortos no Sidpa Bardo. Isto significa o fim de todo consciente, do racional, da conduta de vida moralmente responsável, e uma rendição voluntária àquilo que o Bardo Thodol chama de ‘ilusão cármica’. A ilusão cármica surge da crença num mundo visionário de uma natureza extremamente irracional, que não concorda com nosso julgamento racional nem deriva dele, mas é produto exclusivo da imaginação desinibida. É puro sonho ou ‘fantasia’, e toda pessoa prudente vai instantaneamente nos prevenir contra ela; nem por isso alguém conseguiria ver à primeira vista a diferença entre fantasias deste tipo e a fantasmagoria de uma lunático. Muito freqüentemente um pequeno abaissement du niveau mental é necessário para desencadear esse mundo de ilusão. O terror e a escuridão deste momento têm seu equivalente nas experiências descritas nas seções introdutórias do Sidpa Bardo. Mas o conteúdo deste Bardo também revela os arquétipos, as imagens cármicas que aparecem primeiro em sua forma terrificante. O estado Chonyid é equivalente à psicose deliberadamente induzida (...)
A transição, então, do estado Sidpa para o Chonyid é uma reversão perigosa dos alvos e propósitos da mente consciente. É uma sacrifício da estabilidade do ego e uma rendição à extrema incerteza do que deve parecer um tumulto caótico de formas fantasmagóricas. Quando Freud cunhou a frase de que o ego era ‘a verdadeira casa da ansiedade’, ele estava dando voz a uma intuição profunda e verdadeira. O medo do auto-sacrifício se esconde no fundo de todo ego, e este medo é freqüentemente apenas uma demanda precariamente controlada das forças inconscientes para estourar com toda a força. Ninguém que se esforce por si mesmo (individualização) está dispensado desta perigosa passagem, pois que esta é temida e pertence à inteireza do eu – o sub-humano, ou supra-humano, mundo de ‘dominadores’ psíquicos dos quais o ego originalmente se emancipou com enorme esforço, e só parcialmente então, por causa de uma liberdade mais ou menos ilusória. Essa libertação é certamente um empreendimento muito necessário e heróico, mas não representa nada definitivo: é meramente a criação de um indivíduo, que, a fim de encontrar realização, tem ainda que ser confrontado com um objeto. Este, à primeira vista, pareceria ser o mundo, que é composto com projeções para aquele propósito. Aqui procuramos e encontramos nossas dificuldades, aqui procuramos e encontramos nosso inimigo, aqui procuramos e encontramos o que é querido e precioso para nós; e é confortante saber que todo o mal e todo o bem deve ser encontrado ali, no objeto visível, onde pode ser conquistado, punido, destruído ou aproveitado. Mas a própria natureza não permite que este estado paradisíaco de inocência continue para sempre. Existem, e sempre existiram, aqueles que não podem ajudar mas vêem que o mundo e suas experiências estão na natureza de um símbolo, e que ele reflete realmente algo que jaz escondido no próprio sujeito, em sua realidade transubjetiva. É desta intuição profunda, de acordo com a doutrina lamaísta, que o estado Chonyid deriva seu verdadeiro significado, que é o porquê do Chonyid Bardo ser chamado ‘O Bardo da Experimentação da Realidade’.
A realidade experimentada no estado Chonyid é, como a última seção do Bardo correspondente ensina, a realidade do pensamento. As ‘formas-pensamento’ aparecem como realidades, a fantasia toma forma real, e os sonho terrificante evocado pelo carma e trabalhado pelos ‘dominadores’ inconscientes começa.”
Jung não teria ficado surpreso com o antagonismo profissional e institucional à psicodelia. Ele fecha seu comentário tibetano com um comovente aparte político:
“O Bardo Thodol começou por ser um livro ‘fechado’, e assim tem permanecido, não importa que tipo de comentários possam ser escritos sobre ele. Pois este é um livro que se abrirá apenas ao entendimento espiritual e esta é uma capacidade com a qual nenhum homem é nascido[5], mas que só pode ser adquirida com treino e experiência especiais. É bom que tais livros de intenções e propostas ‘inúteis’ existam. Eles se destinam àquelas ‘pessoas esquisitas’ que não se importam muito com as utilidades, objetivos e significado da atual ‘civilização’.”
Prover o “treino especial” para a “experiência especial” possibilitada por materiais psicodélicos é a proposta desta versão do Livro Tibetano dos Mortos.
UM TRIBUTO AO LAMA ANAGARIKA GOVINDA
Na seção anterior foi dito que a filosofia e a psicologia orientais – poéticas, indeterministas experienciais, de visão interior, vagamente evolucionárias e com o fim em aberto – são mais facilmente adaptadas às descobertas da ciência moderna que a silogista, segura, experimental e externalizantemente lógica psicologia ocidental. A última imita os rituais irrelevantes das ciências energéticas mas ignora os dados da física e da genética, os significados e implicações.
Mesmo Carl Jung, o mais penetrante dos psicólogos ocidentais, falhou em entender a filosofia básica do Bardo Thodol.
Totalmente em contraste estão os comentários do Lama Anagarika Govinda ao manual tibetano.
Sua afirmação de abertura à primeira vista faria um psicólogo judeu-cristão bufar de impaciência. Mas um olhar mais atento a essas frases revela que ela são a afirmação poética da situação genética como atualmente descrita pelos bioquímicos e pesquisadores do DNA.
Pode ser argüido que ninguém pode falar da morte com autoridade, se não está morto; e desde que ninguém, aparentemente, tenha alguma vez retornado da morte, como pode alguém saber o que a morte é, ou o que acontece depois dela?
O tibetano responderá: “Não há uma pessoa, por isso, não há ser vivo que não tenha retornado da morte. De fato, nós todos já morremos muitas vezes, antes desta encarnação. E o que nós chamamos nascimento é apenas o lado inverso da morte, como um dos dois lados de uma moeda, ou como uma porta a qual chamamos de ‘entrada’ de fora e ‘saída’ de dentro de uma sala.”
O lama prossegue e faz um segundo comentário poético sobre as potencialidades do sistema nervoso, a complexidade os computador cortéxico humano.
“É muito mais assombroso que nem todos se lembrem de suas mortes anteriores; e, por causa dessa falta de memória, muitas pessoas não acreditam que tenha havido uma morte anterior. Mas, igualmente, elas não se lembram de seu último nascimento – e ainda assim não duvidam que tenham nascido. Elas se esquecem de que a memória ativa é apenas uma pequena parte de nossa consciência normal, e que nossa memória subconsciente registra e preserva toda impressão passada e experiência que nossa mente desperta falha em relembrar.”
O lama então procede a fatiar o significado esotérico do Bardo Thodol – aquele significado central que Jung e por conseqüência a maior parte dos orientalistas europeus falhou em apreender.
“Por esta razão, o Bardo Thodol, a libertação garantida pelo livro tibetano do estado entre a vida e o renascimento, – estado chamado pelo homem de morte, – foi transmitida em linguagem simbólica. É um livro selado com os sete selos do silêncio, – não porque o seu conhecimento pudesse ser mal-entendido e, portanto, tenderia a induzir em erro e prejudicar aqueles que não estão preparados para recebê-lo. Mas o tempo veio para quebrar os selos do silêncio; pois a raça humana chegou neste momento ao ponto em que deve decidir se vai se contentar com a subjugação do mundo material ou se vai se esforçar para conquistar o mundo espiritual, pela subjugação dos desejos egoístas e pela transcendência das limitações auto-impostas.”
O lama a seguir descreve os efeitos das técnicas de expansão da consciência. Ele está falando aqui sobre o método que conhece – o iogue – mas suas palavras são igualmente aplicáveis à experiência psicodélica.
“Há aqueles que, em virtude da concentração e de outras práticas iogues, são capazes de trazer o subconsciente ao reino da consciência discriminante e, dessa forma, se debruçar sobre a tesouraria irrestrita da memória subconsciente, onde estão guardados não apenas os registros de nossas vidas passadas, mas os registros do passado de nossa raça, o passado da humanidade, e de todas as formas pré-humanas de vida, senão da própria consciência que torna possível a vida neste universo.
Se, por obra de algum truque da natureza, os portões de um subconsciente individual fossem se abrir subitamente, a mente despreparada seria sobrecarregada e esmagada. Entretanto, os portões do subconsciente são guardados pelos iniciados, e escondidos sob o véu de mistérios e símbolos.”
Numa seção posterior do seu prefácio, o lama apresenta uma elaboração mais detalhada do significado interior do Thodol.
“Se o Bardo Thodol fosse para ser considerado como sendo meramente baseado em folclore, ou como consistindo de especulação religiosa sobre a morte e um hipotético estado pós-morte, ele seria apenas do interesse de antropólogos e estudantes de religião. Mas o Bardo Thodol é muito mais. É uma chave para os mais profundos esconderijos da mente humana, e um guia para os iniciados, e para aqueles que estão procurando por uma via espiritual de libertação.”
Embora o bardo Thodol seja nos dias de hoje normalmente usado no Tibete como um breviário, e lido ou recitado na ocasião da morte – razão pela qual foi chamado de “O Livro Tibetano dos Mortos” – não deve-se esquecer de que ele foi originalmente concebido para servir como um guia não só para os moribundos e mortos, mas igualmente para os vivos. E aqui está a justifica para termos tornado o Livro Tibetano dos Mortos acessível para um público mais amplo.
Não obstante, os costumes e crenças populares que, sob a influência das antigas tradições de origem pré-budista, cresceram em torno das profundas revelações do Bardo Thodol, ele tem valor apenas para aqueles que praticam e realizam seus ensinamentos durante suas vidas.
Há duas coisas que têm causado confusão. Uma é que os ensinamentos parecem ser endereçados aos mortos ou moribundos; a outra é que o título contém a expressão “Libertação Pela Audição” (em tibetano, Thos-gnol). Como resultado, chegou-se à crença de que é suficiente ler ou recitar o bardo Thodol na presença de uma pessoa moribunda, ou mesmo de uma pessoa que tenha acabado de morrer, de modo a efetuar a sua libertação.
Tal mal-entendido só poderia Ter se dado entre aqueles que é uma das mais antigas e universais práticas do iniciado atravessar a experiência da morte antes de poder renascer espiritualmente. Simbolicamente, ele precisa morrer para o seu passado, e para o seu antigo ego, antes que possa tomar seu lugar numa nova vida espiritual na qual tenha sido iniciado.
A pessoa morta ou moribunda é endereçada no Bardo Thodol por três razões principais: (1) quem pratica intensamente esses ensinamentos deve considerar cada momento de sua vida como o último; (2) quando um seguidor desses ensinamentos estiver morrendo realmente, ele deve ser lembrado de suas experiências da ocasião da iniciação, ou das palavras (ou mantra) do guru, especialmente se a mente do moribundo perder a atenção durante os momentos críticos; e (3) alguém que ainda estiver encarnado deve tentar envolver a pessoa moribunda, ou que tenha acabado de morrer, com pensamentos a morosos e esperançosos durante os primeiros estágios do novo estado de existência, ou estado pós-morte, sem permitir que a afeição interfira ou faça surgir um estado de depressão mental mórbida. Assim sendo, uma função do Bardo Thodol parece ser mais ajudar aqueles que foram deixados para trás a adotar a atitude correta diante dos mortos e diante do fato da morte do que assistir aos mortos, que, de acordo com as crenças budistas, não se desviarão de seus próprios caminhos cármicos...
Isto prova que devemos agir com a própria vida e não somente com uma missa para os mortos, à qual foi reduzido o Bardo Thodol nos últimos tempos.
Sob a aparência de ciência da morte, o Bardo Thodol revela o segredo da vida; e aqui jaz o seu valor espiritual e o seu apelo universal.
Aqui está a chave de um mistério que se tem perpetuado por mais de 2500 anos – a experiência de expansão da consciência – o rito da morte pré-morte e do renascimento. As sagas védicas conheciam o segredo; os iniciados eleusianos o conheciam; os tântricos o conheciam. Em todos os seus escritos esotéricos eles sussurraram a mensagem: é possível ir além da consciência do ego, sintonizar-se a processos neurológicos que operam na velocidade da luz, e tornar-se consciente da enorme tesouraria de antigos conhecimentos raciais soldada no núcleo de cada célula do seu corpo.
A moderna química psicodélica proporciona uma chave para este reino esquecido da consciência. Mas da mesma forma que este manual sem a consciência psicodélica na é nada senão um exercício acadêmico de tibetologia , assim também a poderosa chave química é de pequeno valor sem os conselhos e ensinamentos.
Os ocidentais não aceitam a existência de processos conscientes para os quais eles não tenham um termo operacional. A atitude predominante é: - se você não pode rotular uma coisa, e se ela está além das noções atuais de espaço-tempo e de personalidade, então ela não está aberta à investigação. Assim vemos a experiência da ego-perda confundida com esquizofrenia. Assim vemos os psiquiatras dos dias atuais declarando as chaves psicodélicas perigosas e produtoras de psicoses.
A nova química visionária e a experiência pré-morte-morte-renascimento podem ser mais uma vez empurradas para as sombras da história. Olhando para trás, nos lembramos de que todo administrador político na Europa e no Oriente Médio (com exceção de certos períodos na Grécia e na Pérsia) tem, nos últimos três mil anos, se apressado em impor leis contra qualquer processo transcendental emergente, contra a sessão de pre-mortem-morte-renascimento, seus adeptos, e contra qualquer método de expansão da consciência.
O presente momento da história humana (como disse o Lama Govinda) é crítico. Agora, pela primeira vez, possuímos os meios de prover o esclarecimento a qualquer voluntário preparado (o esclarecimento sempre vem, nós lembramos, na forma de um novo processo energético, um evento físico, neurológico). Por essas razões preparamos esta versão psicodélica do Livro Tibetano dos Mortos. O segredo é disperso novamente, num novo dialeto, e nos sentamos calmamente para observar se o homem está pronto para se mover adiante e fazer uso das novas ferramentas proporcionadas pela ciência moderna.
II
O LIVRO TIBETANO DOS MORTOS
PRIMEIRO BARDO:
O PERÍODO DA EGO-PERDA OU DO ÊXTASE DE NÃO-JOGOS
(Chikhai Bardo)
Parte I: A Serena Luz Primária Vista no Momento da Ego-perda.
Todos os indivíduos que tenham recebido os ensinamentos práticos deste manual serão postos, se o texto for lembrado, face a face com a irradiação extática e receberão a iluminação instantaneamente, sem entrar em lutas alucinógenas e sem mais sofrer na antiga trilha da evolução normal que atravessa os vários mundos do jogo existência.
Esta doutrina é a base de todo o modelo tibetano. Fé é o primeiro passo na “Trilha Secreta”. Então vem a iluminação e com ela a certeza; é quando o objetivo é alcançado. O sucesso implica uma preparação muito incomum na expansão da consciência, e do mesmo modo muita calma, e o jogar o jogo compassivo (bom carma) da parte do participante. Se pode-se fazer o participante ver e apreender a idéia da mente vazio tão logo o guia a revela – isto é, se ele tem o poder para morrer conscientemente – e, se no supremo instante de perder o ego, puder reconhecer o êxtase que o tomará, então, e se tornar uno com ele, todos os vínculos ilusórios de jogos se quebrarão imediatamente: o sonhador acorda para a realidade simultaneamente com a poderosa conquista do reconhecimento.
É melhor se o guru (professor espiritual), de quem o participante recebe as instruções, estiver presente, mas se o guru não puder estar presente, deve haver outra pessoa experiente; se o último caos também não for possível, então uma pessoa em quem o participante confie deve ser capaz de ler este manual sem impor quaisquer se seus próprios jogos. Assim, o participante trará à mente o que ele ouviu precisamente a respeito da experiência e virá a reconhecer pela primeira vez a Luz fundamental e indubitavelmente obterá a libertação.
Libertação é o sistema nervoso destituído de atividade mental-conceitual. [Realização do Vazio, do Não-Tornado, do Não-Nascido, do Não-Formado, implica o estado do Buda, o Perfeito Esclarecimento – o estado da mente divina do Buda. Pode ser de ajuda lembrar-se de que esta antiga doutrina não está em conflito com a física moderna. O teórico físico e cosmologista George Gamow apresentou em 1950 um ponto de vista próximo da experiência fenomenológica descrita pelos lamas tibetanos.
“Se imaginamos a história correndo de volta no tempo, inevitavelmente chegamos à época do ‘big squeeze’ com todas as galáxias, estrelas, átomos e núcleos atômicos espremidos, por assim dizer, ao tamanho de um caroço. Durante este estágio primitivo da evolução, a matéria deve Ter estado dissociada em seus componentes elementares (...) Chamamos esta mistura primordial de ‘ylem’.”
Neste primeiro ponto na evolução do ciclo atual, de acordo com este físico de primeira linha, existia apenas o Não-Tornado, o Não-Nascido, o Não-Formado. E este, de acordo com os astrofísicos, é o modo como a coisa acaba; a unidade silenciosa do Não-Formado. Os budistas tibetanos sugerem que o intelecto ordenado pode experimentar o que os astrofísicos confirmam. O Buda Vainochana, o Dhyani Buda do Centro, Manifestador de Fenômenos, é a mais alta forma de chegar ao esclarecimento. Como fonte de toda a vida orgânica, nele todas as coisas visíveis e invisíveis têm sua consumação e absorção. Ele é associado ao Reino Central do Densamente-Condensado, isto é, a semente de todas as forças universais e as coisas estão condensadas juntas, densamente. Esta notável convergência da astrofísica moderna e do antigo lamaísmo não requer nenhuma explicação complicada. A consciência cosmológica – e consciência de todo processo natural – está lá no córtex. Você pode confirmar este conhecimento místico pré-conceitual através da observação empírica e meditação, mas está tudo lá no seu crânio. Seus neurônios “sabem” porque estão ligados diretamente ao processo, são parte dele.] a mente em seu estado condicionado, isto é, quando limitada a palavras e jogos do ego, está continuamente em atividade de formação de pensamento. O sistema nervoso em estado de quietude, alerta, acordado mas não ativo, é comparável ao que os budistas chamam de o mais elevado estado de dhyana (meditação profunda) quando ainda unida ao corpo humano. O reconhecimento consciente da serena Luz induz a uma condição consciência extática como o que os místicos e santos do Ocidente chamavam de iluminação.
O primeiro sinal é o vislumbre da “Serena Luz da Realidade”, “a mente infalível do estado místico puro”. Isto é a consciência das transformações energéticas sem a imposição de categorias mentais.
A duração deste estado varia para cada indivíduo. Depende da experiência, da segurança, confiança, preparação e dos elementos exteriores em torno do participante. Naqueles que já tenham tido uma pequena experiência prática do tranqüilo estado de consciência de não-jogos, e naqueles que tenham scripts felizes, este estado pode durar de trinta minutos até várias horas.
Neste estado, a realização do que os místicos chamam de “Verdade Final” é possível, desde que tenham sido providenciada anteriormente a preparação necessária pela pessoa, de outro modo, ela não poderá se beneficiar agora, e deverá vagar por estados alucinatórios cada vez mais profundos, determinados pelos seus jogos passados, até voltar à realidade rotineira.
É importante lembrar que o processo de expansão da consciência é o reverso do processo do nascimento, sendo o nascimento o início da vida de scripts e a experiência de ego-perda sendo uma cessação temporária da vida de scripts. Mas em ambos há uma passagem de um estado de consciência para outro. E assim como uma criança precisa acordar e apreendera experência da natureza deste mundo, da mesma forma uma pessoas no momento da expansão da consciência precisa acordar para este novo mundo brilhante e tornar familiares suas tão peculiares condições.
Naqueles grandemente dependentes de seus jogos do ego[6], e que temem abandonar o controle, o estado iluminado dura tão somente o tempo de estalar um dedo. Em alguns, ele pode durar o tempo de tomar um lanche ou almoçar ou coisa que o valha.
Se o indivíduo estiver preparado para diagnosticar os sintomas da ego-perda, ele não precisará de nenhuma ajuda externa neste ponto. A pessoa prestes a abandonar o ego deve ser capaz não apenas de diagnosticar os sintomas assim que eles vierem como também de reconhecer a Serena Luz sem que outra pessoa ajude a identificá-la. Se a pessoa falhar em reconhecer e aceitar o início da ego-perda, ela pode queixar-se de estranhos sintomas corporais. Isto indica que ela não alcançou o estado de libertação. Então o guia ou amigo deve explicar os sintomas como indicadores do início da ego-perda.
Eis uma lista das sensações físicas comumente relatadas: 1. Pressão corporal, que os tibetanos chamam de terra-se-desfazendo-em-água; 2. Frio úmido, seguido por calor febril, o que os tibetanos chamam de água-se-desfazendo-em-fogo; 3. Desintegração do corpo ou a sua dispersão em átomos, chamada fogo-se-desfazendo-em-ar; 4. Pressão na cabeça e nos ouvidos, que os americanos chamam de foguete-sendo-lançado-ao-espaço; 5. Formigamento nas extremidades; 6. Sensação de como se o corpo estivesse derretendo ou escorrendo como cera; 7. Náusea; 8. Tremor, começando na região pélvica e se espalhando para o tronco.
As reações físicas devem ser reconhecidas como sinais indicativos da transcendência. Evite tratá-las como sintomas de doença, aceite-as, una-se a elas, aproveite-as.
Uma leve náusea ocorre freqüentemente com a ingestão de “morning glory” ou peiote, raramente com mescalina, e ainda com menor freqüência com LSD e pscilocibina. Se o sujeito experimentar sensações estomacais, elas devem ser saudadas como um sinal de que a consciência está se movendo pelo corpo. Os sintomas são mentais; a mente controla as sensações, e o indivíduo deve unir-se à sensação, experienciá-la totalmente, aproveitá-la e, tendo a aproveitado, deve deixar a consciência fluir para a próxima fase. É mais comum deixar que a consciência fique no corpo – a atenção do indivíduo pode mover-se do estômago para a respiração, as batidas do coração. Se isto não livrá-lo da náusea, o guia deve guiar a consciência para eventos externos – música, uma caminhada no jardim etc.
O aparecimento de sintomas físicos da ego-perda, reconhecida e entendida, deve resultar na conquista tranqüila da iluminação. Se a aceitação extática não ocorrer (ou quando o período de silêncio tranqüilo parecer estar terminando), as seções de instruções relevantes podem ser sussurradas ao ouvido. É freqüentemente útil repeti-las, claramente, incutindo-as à pessoa para evitar que sua mente fique vagando por aí. Um outro método de guiar a experiência com um mínimo de atividade é ter as instruções previamente gravadas na voz do próprio sujeito. Isto recordará ao viajante sua preparação prévia; fará com que a consciência nua seja reconhecida como a “Serena Luz do Início”; vai lembrar ao indivíduo sua união com o estado de perfeito esclarecimento e ajudá-lo a mantê-lo.
Quando, experimentada a ego-perda, se estiver familiarizado(a) com este estado, em virtude da experiência e preparação prévias, a Roda do renascimento (isto é, todos os jogos) parará, e a libertação será alcançada imediatamente. Mas tal eficiência espiritual é raríssima, e a condição mental normal da pessoa é inadequada à suprema façanha de manter-se no estado em que brilha a Serena Luz, e aí vai descendo progressivamente a estados cada vez mais baixos da existência Bardo, até o renascimento. A comparação com uma agulha equilibrada sobre uma linha é usada pelos lamas para explicar esta condição. Enquanto a agulha mantêm o equilíbrio, ela permanece sobre a linha. Mas por fim a lei da gravidade (o puxão do ego ou de uma simulação exterior) a afeta, e ela cai. No reino da Serena Luz, da mesma forma, a mentalidade de uma pessoa no estado de transcendência do ego momentaneamente desfruta da condição de estabilidade, de perfeito equilíbrio e de unidade. Sem estar familiarizada com este estado, que é um estado extático de não-ego, a consciência do ser humano médio carece da capacidade de funcionar nele. Propensões cármicas (isto é, propensões a jogos/scripts) envolvem o princípio-da-consciência com idéias de personalidade, do ser individualizado, do dualismo. Assim, perdendo o equilíbrio, a consciência cai para fora da Serena Luz. São os processos do pensamento que impedem a realização do Nirvana (que é a “extinção da chama” do desejo egoísta de jogos); e então a Roda da vida continua girando.
Todas ou algumas das passagens apropriadas nas instruções podem ser lidas ao viajante durante o período de espera até que a droga faça efeito, e quando os primeiros sinais da ego-perda aparecerem. Quando o viajante estiver claramente num êxtase de transcendência do ego, o guia sábio permanecerá em silêncio.
Parte II: A Serena Luz Secundária Vista Imediatamente Após A Ego-perda
A seção anterior descreve como a Serena Luz pode ser reconhecida e mantida a libertação. Mas se tornar-se aparente que a Serena Luz Primária não está sendo reconhecida, então pode-se assumir certamente que está principiando o que é chamado a fase da Serena Luz Secundária. O primeiro lampejo da experiência usualmente produz um estado de êxtase da maior intensidade. Toda célula do corpo é sentida como sendo envolta em criatividade orgástica.
Pode ser de ajuda descrever em maiores detalhes alguns dos fenômenos que geralmente acompanham o momento da ego-perda. Um deles pode ser chamado de “fluxo de ondas de energia”. O indivíduo torna-se consciente de que é parte de um campo de energia carregado, e de que está cercado por ele, que parece quase elétrico. Para prolongar o estado de ego-perda tanto quanto possível, a pessoa preparada relaxará e permitirá que as forças fluam através dela. Há dois perigos a evitar: a tentativa de controlar ou racionalizar esse fluxo. Ambas as reações são indicativas da atividade do ego e então a transcendência do bardo se perde.
O segundo fenômeno pode ser chamado de “fluxo vital biológico”. Aqui a pessoa torna-se consciente dos processos bioquímicos e fisiológicos, da atividade rítmica pulsante no interior do corpo. Freqüentemente isto pode ser sentido como poderosos motores ou geradores continuamente pulsando e irradiando energia. Um fluxo interminável de formas celulares e cores passa como raios. Os processos biológicos interiores podem também ser ouvidos com chiados e barulhos de crepitação e trituração característicos. Novamente a pessoa deve resistir à tentação de rotular e controlar esses processos. Nesse ponto você está ligado(a) a áreas do sistema nervoso que são inacessíveis à percepção rotineira. Você não pode arrastar seu ego para dentro dos processos moleculares da vida. Esses processos são um bilhão de anos mais velhos que a mente conceitual erudita.
Uma outra fase típica e mais compensadora do Primeiro bardo envolve o movimento de energia extática sentido na espinha. A base da espinha parece estar derretendo ou pegando fogo. Se a pessoa puder manter-se calma e concentrada, a energia será sentida como se fluísse para cima. Os adeptos do tantra devotam décadas de mediação concentrada para liberar essa energia extática que chamam de Kundalini, a Força da Serpente. Permite-se que as energias subam através de vários centros ganglionares (chakras) até o cérebro, onde são sentidas como um ardor no fundo do crânio. Essas sensações não são desagradáveis para a pessoa preparada mas, pelo contrário, são acompanhadas pelos mais intensos sentimentos de alegria e iluminação. Indivíduos mal-preparados podem interpretar a experiência em termos patológicos e tentar controlá-la, normalmente com resultados desagradáveis. [O professor R. C. Zaehner, que como estudante oriental e “expert” em misticismo deve saber mais sobre o assunto, publicou um relato sobre como esta experiência de primeira classe pode ser perdida e distorcida com queixumes hipocondríacos pelos não-educados.
“(...) senti algo curioso no meu corpo, que me fez lembrar do que o Sr. Custance descreve como um ‘formigamento na base da espinha’, que, de acordo com ele, geralmente precede um ataque psicótico. Foi bem assim. Na Broad Walk esta sensação ocorreu de novo e de novo até que o clímax da experiência foi alcançado (...) Eu não gostei dela, absolutamente.” (R. C. Zaehner: Misticism, Sacred and Profane. Oxford University Press, 1957, p. 214).]
Se os indivíduos falham em reconhecer o fluxo corrente dos fenômenos do Primeiro Bardo, a libertação do ego é perdida. A pessoa se vê retornando às atividades mentais. Nesse ponto ela deveria tentar se lembrar das instruções ou ser lembrada delas, e um segundo contato com esses processos poderia ser feito.
O segundo estágio é menos intenso. Uma bola quicando alcança a maior altura no primeiro salto; o segundo quique é menor, e assim vai até que a bola volte ao repouso. A consciência na ego-perda é similar a isto. Seu primeiro salto espiritual, ao deixar o corpo-ego, é o mais alto; o próximo é mais baixo. Então a força do carma (isto é, dos jogos passados), se ergue e diferentes formas de realidades exteriores são experimentadas. Finalmente, a força do carma tendo se esgotado, a consciência retorna ao “normal”. As rotinas são retomadas e assim ocorre o renascimento.
O primeiro êxtase normalmente termina com um flashback momentâneo para a condição do ego. Este retorno pode ser feliz ou triste, cheio de amor ou de suspeitas, de medo ou de coragem, dependendo da personalidade, da preparação e do cenário.
Este flashback do ego-jogo é acompanhado por uma preocupação com a identidade. “Quem sou eu agora? Estou morto(a) ou não-morto(a)? O que está a acontecer?” Você não consegue determinar. Vê o que o cerca e a seus como costumava fazer antes. Há uma sensitividade penetrante. Mas você está em outro nível. A compreensão do seu ego não é mais tão segura quanto antes.
As alucinações e visões cármicas ainda não começaram. Nem as aparições atemorizantes nem as visões paradisíacas começaram ainda. Este é um período mais prenhe e sensitivo. O saldo da experiência pode ser levado para um lado ou para outro dependendo da preparação e do clima emocional.
Se você tem experiência na alteração da consciência ou se é uma pessoa naturalmente introvertida, lembre-se da situação e do plano. Fique calmo(a) e deixe que a experiência o(a) leve aonde ela quiser. Você provavelmente experienciará o êxtase da iluminação; ou pode derivar em esclarecimentos estéticos, filosóficos ou interpessoais. Não segure: deixe o rio levá-lo(a).
A pessoa experiente está normalmente além da dependência do cenário. Ela pode desligar-se da pressão exterior e retornar à iluminação. Uma pessoa extrovertida, dependente de jogos sociais e situações exteriores pode, no entanto, ficar prazerosamente distraída (cores, sons, pessoas). Se você antecipar a distração do extrovertido e quiser manter um estado de êxtase de não-jogos, então lembre-se de seguir as seguintes instruções: não se distraia, tente se concentrar numa personalidade contemplativa ideal, por exemplo o Buda, Cristo, Sócrates, Ramakrishna, Einstein, Hermann Hesse ou Lao Tsé: siga o seu modelo como se ele fosse um ser com um corpo físico esperando por você. Junte-se a ele.
Se não obtiver sucesso com isso, não se aflija nem pense nisso. Talvez você não tenha um ideal místico ou transcendental. Isto significa que seus limites conceituais estão dentro de jogos exteriores. Agora que você sabe o que é a experiência mística, pode se preparar para a próxima vez. Você perdeu o fluxo livre-de-conteúdo e agora deve estar pronto(a) para mergulhar na excitante confrontação com a realidade externa. No Segundo bardo você pode experienciar profundamente as revelações de jogos.
Acabamos de antecipar as reações do naturalmente misticamente introvertido, da pessoa experiente e do extrovertido. Agora vamos nos voltar para o novato que demonstra confusão no estágio inicial da seqüência. O melhor procedimento é sinalizar confiança e mais nada. Teremos lido este manual e teremos alguma orientação. Deixe-o(a) em paz e ele(a) provavelmente mergulhará em seu pânico e o dominará. Se ele(a) indicar que deseja orientação, repita as instruções. Diga a ele(a) o que está acontecendo. Lembre-o da fase do processo em que ele(a) está. Inste-o a relaxar a luta do seu ego e a voltar ao contato com a Serena Luz.
Preparação e orientação deste tipo permitirão a muitos alcançar o estado iluminado, que não seria de outra forma por eles reconhecido.
Neste ponto, é necessário dar uma palavra como um alerta benigno. Ler este manual é extremamente útil, mas nenhuma palavra é capaz de comunicar a experiência. Você ficará surpreendido(a), espantado(a) e deliciado(a). Uma pessoa pode Ter ouvido uma descrição detalhada da arte de nadar e ainda assim nunca Ter tido a oportunidade de nadar. Igualmente, há aqueles que tentaram aprender a teoria da experiência da ego-perda, e nunca a aplicaram. Eles não conseguem manter intacta a continuidade da consciência, ficam desnorteados com a mudança de condição; falham em manter o êxtase místico; falham em tirar vantagem da oportunidade a não ser com a ajuda e a direção de um guia. Mesmo com tudo o que um guia pode fazer, eles ordinariamente, devido ao carma ruim (heavy ego games), falham em reconhecer a libertação. Mas isto não é motivo para preocupações. Nas pior das hipóteses, eles flutuam de volta à praia. Ninguém se afogou, e a maioria dos que fizeram a viagem ficaram ansiosos para repeti-la.
Mesmo aqueles que já se familiarizaram com os mapas e já tiveram previamente uma experiência de iluminação podem se achar em cenários nos quais o comportamento marcado por jogos intensos (heavy games) da parte dos outros os forcem ao contato com a realidade externa. Se isso acontecer, lembre-se das instruções. A pessoa que domina esse princípio pode bloquear o exterior. Quem dominou o controle da consciência fica independente do cenário.
Novamente há aqueles que, embora tenham tido sucesso anteriormente, podem Ter trazido consigo à sessão ego-jogos. Podem querer fazer com que alguém mais tenha um tipo particular de experiência. Podem estar atrás de algum objetivo próprio. Podem estar nutrindo sentimentos negativos, competitivos em relação a alguém do grupo. Se isso acontecer, lembre-se das instruções. Lembre-se da unidade de todos os seres. Desfaça-se de sua programação egoísta e flutue de volta à radiante beatitude do em-unicidade.
Se você alcançar a Serena Luz imediatamente e mantê-la, chuchu beleza! Mas se não, se você flutuou de volta às preocupações da realidade, lembrando-se destas instruções você deve ser capaz de recuperar o que os tibetanos chamam de Serena Luz Secundária.
Enquanto neste nível secundário, um interessante diálogo ocorre entre a transcendência pura e a consciência que esta visão extática lhe produz. A primeira irradiação não conhece nenhum eu, nenhum conceito. A experiência secundária envolve um certo estado de lucidez conceitual. O self paira num terreno transcendente do qual é normalmente excluído. Se as instruções forem lembradas, a realidade exterior não se intrometerá. Mas o envio de mensagens entre a divindade livre-de-ego e a individualidade lúcida de não-jogos produz um êxtase intelectual que desafia a descrição. A leitura filosófica de antes vai subitamente tomar um significado vivo!
Assim, no estágio secundário do Primeiro Bardo, são possíveis ambas as experiências do não-eu místico e do eu místico.
Depois de Ter experimentado esses dois estágios, você pode querer fazer essa distinção intelectual. Somos confrontados aqui com um dos mais antigos debates da filosofia oriental: É melhor ser parte do açúcar ou provar do açúcar? Controvérsias teológicas e suas dualidades ficam longe da experiência. Uma vez que o misticismo experimental tenha se tornado possível por meio de drogas que expandem a consciência, você pode Ter tido a sorte de Ter experimentado o vai-e-vem entre os dois estados. Você pode ser sortudo o bastante para conhecer o que os monges acadêmicos podiam apenas conjeturar.
Aqui termina o Primeiro Bardo, o Período da Ego-perda e do Êxtase de Não-Jogos
SEGUNDO BARDO
O PERÍODO DE ALUCINAÇÕES
(Chonyid Bardo)
Introdução
Se a Serena Luz primária não for reconhecida, ainda há a possibilidade de manter a Serena Luz secundária. Se ela é perdida, então vem o Chonyid Bardo, o período das ilusões cármicas ou intensas misturas alucinatórias do jogo realidade. É muito importante que as instruções sejam lembradas – elas podem Ter grande efeito e influência.
Durante este período, o fluxo de consciência, microscopicamente nítido e intenso, é interrompido por tentativas fugazes de interpretar e racionalizar. Mas o ego-jogador normal não está funcionando efetivamente. Existem, portanto, possibilidades ilimitadas para, por um lado, novidades intelectuais e emocionais agradáveis se deixar-se flutuar com a corrente; e, por outro lado, temíveis emboscadas de confusão e terror se tentar-se impor a sua vontade à experiência.
A proposta desta parte do manual é preparar a pessoa para os pontos de escolha que surgem durante este estágio. Estranhos sons, visões sobrenaturais e perturbadoras podem ocorrer. Eles podem impressionar, assustar e atemorizar a não ser que se esteja preparado.
A pessoa experiente será capaz de manter a percepção de que todas as percepções vêm de dentro e será capaz de sentar-se calmamente, controlando sua consciência expandida como um aparelho de televisão multidimensional fantasmagórico: as alucinações mais agudas e sensíveis – visuais, audíveis, táteis, olfativas, físicas e corporais; as reações mais requintadas, o discernimento compassivo do eu, do mundo. A chave é a inação: a integração passiva com tudo o que ocorre à sua volta. Se você tentar impor sua vontade, usar sua mente, racionalizar, buscar explicações, você será pego em rodamoinhos alucinatórios. O lema: paz, aceitação. É um panorama que muda continuamente. Você é temporariamente apartado(a) do mundo de jogo. Aproveite isso.
Os inexperientes e aqueles para os quais o ego-controle é importante podem considerar a passividade impossível. Se você não puder se manter inativo(a) e subjugar sua vontade, então a única atividade que pode certamente reduzir o pânico e puxá-lo(a) de volta dos jogos mentais alucinatórios é o contato físico com outra pessoa. Vá até o guia ou até outro participante e ponha sua cabeça no ombro dele(a) ou no seu colo; ponha seu rosto próximo ao dele(a) e se concentre no movimento e no som da respiração dele(a). Respire profundamente e sinta o ar correr para dentro e a expiração. Esta é a forma mais antiga de comunicação viva; a irmandade da respiração. A mão do guia sobre sua testa pode ajudar no relaxamento.
O contato com outro participante pode ser mal-entendido e provocar alucinações sexuais. Por esta razão, esse tipo de ajuda deve ser combinada previa e explicitamente. Participantes despreparados podem impor medos ou fantasias sexuais no contato. Desligue-os; eles são produções ilusórias cármicas.
O aconchegar terno, gentil e apoiador dos participantes é do desenvolvimento natural da Segunda fase. Não tente racionalizar este contato. Seres humanos e, analogamente, quase todas as criaturas terrestres móveis têm se aconchegado por muito tempo, em noites escuras e confusas por muitas centenas de milhares de anos.
Inspire e expire com seus companheiros. Nós somos todos um! Isso é o que a respiração está lhe dizendo.
Explicação do Segundo Bardo
O problema essencial do Segundo Bardo é que toda e qualquer imagem – humana, divina, diabólica, heróica, má, animal, coisa – que o cérebro humano invoca ou as lembranças de vidas passadas, podem apresentar-se à consciência: imagens e formas e sons girando interminavelmente.
A solução essencial – repetida de novo e de novo – é reconhecer que seu cérebro está produzindo as visões. Elas não existem. Nada existe exceto da forma como sua consciência dá vida às coisas.
Não há, é claro, modo de classificar as infinitas trocas e combinações de elementos visionários. O córtex contém registros de bilhões de imagens da história da pessoa, da raça e das formas vivas. Qualquer delas, à taxa de cem milhões por segundo (de acordo com neurofisiologistas), pode inundar a consciência. Balouçando neste brilhante e sinfônico mar de imaginário está o que resta da mente conceitual. Num turbulento e infindável aguaceiro do Oceano Pacífico balouça uma pequena boca aberta a gritar (entre bocados de água salgada) “Ordem! Sistema! Explique tudo isso!”
Não se pode prever que visões ocorrerão, nem sua seqüência. Pode-se apenas incitar os participantes a fechar a boca, respirar pelo nariz, e desligar a irrequieta mente racionalizante. Mas só uma pessoa experiente de inclinações místicas consegue fazer isso (e assim permanecer no sereno esclarecimento). A pessoa despreparada ficará confusa ou, pior, entrará em pânico: a luta intelectual para controlar o oceano.
Com o objetivo de guiar a pessoa, ajudá-la a organizar suas visões em unidades explicáveis, o Chonyid Bardo foi escrito. Há duas seções: (1) Sete Deidades pacíficas com suas simetricamente opostas ego-armadilhas; (2) Oito Deidades Coléricas que podemos alegremente aceitar como produções visionárias, ou fugir de medo.
Cada uma das Sete Deidades Pacíficas (representações Pai-Mãe bissexuadas) é acompanhada por consortes, criados, deidades menores, santos, anjos, heróis. Cada uma das Deidades Coléricas é similarmente acompanhada. Luzes, objetos simbólicos, belos, horríveis, assustadores, ferventes, também são vistos.
Se lido literalmente, o Livro Tibetano dos Mortos o(a) faria esperar o “Mestre de Todas as Imagens Visíveis” (ou seu oposto, a absurdidade da estupidez) no primeiro dia; a “Deidade Imóvel da felicidade” e seus consorte, criados e seu oposto no segundo, etc. O manual não deve, é claro, ser usado rigidamente, exotericamente, mas deve ser tomado em sua forma esotérica, alegórica.
Lido desta perspectiva, vemos que os lamas ouviram ou nomearam milhares de imagens que podem ferver no mosaico ajoalhado em constante mudança da retina (aquele atoleiro de multi-camadas de bilhões de raios e cores, infiltrado, como um tapete persa ou uma escultura maia, com incontáveis capilares multicoloridos). Através da leitura preparatória do manual e por sua repetição durante a experiência, o novato é levado via sugestão a reconhecer seu fantástico caleidoscópio retinal.
O mais importante, a pessoa aprende que as visões vêem de dentro. Todas as deidades e demônios, todos os paraísos e infernos são internos.
O estudante com interesse particular pelo budismo tântrico ou tibetano deve mergulhar no Chonyid Bardo. Deve arranjar placas coloridas das catorze chamas do Bardo, e arranjar para que o guia o leve segundo a seqüência prevista durante a sessão. Isto providenciará inesquecíveis séries de libertação e permitirá ao devoto emergir “reencarnado” da experiência na tradição lamaísta.
A intenção deste manual é tornar disponível o esboço geral do Livro Tibetano e traduzi-lo num inglês psicodélico. Por esta razão, não apresentaremos a seqüência detalhada de alucinações lamaísta, mas, em vez disso, vamos listar algumas aparições comumente relatadas pelos ocidentais.
Seguindo o Thodol Tibetano, classificamos as visões do Segundo Bardo em sete tipos:
1. A Fonte ou Visão do Criador; 2. O Fluxo Interior de Processos Arquetípicos; 3. O Fluxo Flamejante de unidade Interior; 4. A Estrutura de Vibrações Ondulares de Formas Exteriores; 5. As Ondas Vibratórias de Unidade Exterior; 6. “O Circo Retinal”; 7. “O Teatro Mágico” [Devemos a frase “circo retinal” a Henri Michaux (Miserável Milagre) e o termo “teatro mágico” a Hermann Hesse (O Lobo da Estepe)].
As visões 2 e 3 envolvem o fechar dos olhos e nenhum contato com estímulos externos. Na visão 2 o imaginário interior é primariamente conceitual. A experiência pode se estender das revelações e do insight à confusão e ao caos, mas o significado intelectual, cognitivo, é primordial. Na visão 3 o imaginário interior é primariamente emocional. A experiência pode se estender do amor e da unidade extática ao medo, desconfiança e isolamento.
As visões 4 e 5 envolvem olhos abertos e atenção para os estímulos exteriores, tais como sons, luzes, toque etc. Na visão 4 o imaginário exterior é primariamente conceitual e na visão 5 os fatores emocionais predominam.
A lista sétupla acima descrita tem alguma semelhança com o esquema mandálico das Deidades Pacíficas listadas para o Segundo Bardo no Livro Tibetano dos Mortos.
As Visões Pacíficas
Visão 1: A Fonte [A primeira Deidade Pacífica listada pelo Bardo Thodol é o Bhagavan Vairochana, que ocupa o centro da mandala dos cinco Dhyani Budas. Seus atributos como força-da-fonte foram traduzidos para aqueles do criador monoteístico das religiões ocidentais.]
(Olhos fechados, estímulos exteriores ignorados)
A Luz Branca, ou energia do Primeiro Bardo, pode ser interpretada como Deus, o Criador. O Espalhador da Semente. O poder que torna todas as imagens visíveis. Semente de tudo o que é. Poder Soberano. O Todo-Poderoso. O Sol Central. A Única Verdade. A Fonte de Toda Vida Orgânica. A Mãe Divina. O Princípio Criador Feminino. Mãe do espaço do Céu. Pai-Mãe Irradiante. Revelações magníficas, tanto espirituais quanto filosóficas, podem ocorrer neste ponto produzindo a mais alta união entre experiência e intelecto. Mas, devido ao carma ruim (normalmente crenças religiosas de natureza monoteística ou punitiva), a gloriosa luz da semente da sabedoria pode impressionar e causar terror. A pessoa desejará fugir e terá uma rejeição absurda pela sombria luz branca simbolizando a estupidez.
Pessoas de educação judeu-cristã concebem um enorme fosso entre a divindade (que está “lá encima”) e o eu (“aqui embaixo”). Os apelos dos místicos cristão pela união com a divindade sempre causaram problemas aos teólogos comprometidos com a distinção cosmológica sujeito-objeto. A maioria dos ocidentais, portanto, acha difícil alcançar a unidade com a luz-fonte.
Se o guia verificar que o viajante está lutando contra pensamentos ou sentimentos relativos à energia da fonte criativa, ele pode ler as instruções apropriadas è INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 1: A FONTE.
Visão 2: O Fluxo Interior de Processos Arquetípicos.
(Olhos fechados, estímulos externos ignorados; aspectos intelectuais)
Se a luz indiferenciada do Primeiro Bardo ou da Energia da Fonte for perdida, ondas luminosas de diferentes formas podem inundar a consciência. A mente da pessoa começa a identificar essas figuras, isto é, a rotulá-las e a experimentar revelações sobre o processo vital. [O Lama Govinda nos diz que Amoghasiddhi representa “... a misteriosa atividade de forças espirituais, que trabalham apartadas dos sentidos, invisíveis e imperceptíveis, com o objetivo de guiar o indivíduo (ou, mais propriamente, todos os seres vivos) em direção à maturidade do conhecimento e da libertação. A luz amarela de um sol (interior) invisível ao olhar humano (...) (no qual o espaço incompreensível do universo parece abrir-se a si mesmo) para o sereno e místico verde de Amoghasiddhi (...) No plano elementar, esta força todo-penetrante corresponde ao elemento do ar – o princípio de movimento e extensão, da vida e da respiração (prana).” Lama Govinda: Fundamentos do Misticismo Tibetano. Londres: E. P. Dutton & Co., Inc., 1959, p. 120.
O quinto dia do Bardo Thodol confronta o falecido com o Buda Bhagavan Amoghasiddhi, Conquistador Todo-Poderoso, do reino verde do norte da Realização Bem-Sucedida das Melhores Ações, assistido pela Mãe Divina, e por dois bodhisattvas[7] representando as funções mentais do “equilíbrio, imutabilidade, e foça todo-poderosa” e “iluminador das obscuridades”.]
Especificamente, o indivíduo é capturado num fluxo infindável de formas coloridas, imagens microbiológicas, acrobacias celulares, rodopios capilares. O córtex é ligado a processos moleculares que lhe são completamente novos e estranhos: uma Niágara de desenhos abstratos; a corrente da vida fluindo, fluindo.
Estas visões talvez possam ser descritas como puras sensações de processos celulares e subcelulares. É incerto se elas envolvem a retina ou/e o córtex visual, ou se são flashes de sensações moleculares, diretas, em outras áreas do sistema nervoso central. São subjetivamente descritas como visões interiores.
Outra classe de imagens de processos interiores envolve o som. Novamente, não sabemos se essas sensações se originam no aparelho auditivo e/ou no córtex auditivo, ou se são flashes de sensações moleculares diretas de outras áreas. São subjetivamente descritos como sons interiores: cliques, batidas, zumbidos, palmas, gemidos, assobios estridentes. [O Livro Tibetano inclui uma brilhante descrição dos ruídos dos processos interiores. “(...) inumeráveis (outros) tipos de instrumentos musicais, enchendo (de música) os sistemas do mundo e fazendo com que vibrem e tremam e balancem com sons tão poderosos que atordoam o cérebro (...)”
“Os lamas tibetanos, ao entoar seus rituais, empregam sete (ou oito) tipos de instrumentos musicais: grandes tambores, pratos (normalmente de metal), concha, sinos (como os pequenos sinos usados no serviço da missa cristã), tímpanos, pequenos clarinetes (soam como as gaitas de fole das Highlands escocesas), grandes trombetas e trombetas feitas de fêmures humanos. Embora o som combinado desses instrumentos esteja longe de ser melodioso, os lamas afirmam que eles psiquicamente produzem no devoto uma atitude de profunda veneração e fé, porque são homólogos aos sons naturais que ouve-se o corpo produzir quando os dedos são postos nos ouvidos para silenciar os sons exteriores. Fazendo isso, são ouvidos o som de batidas, como se um grande tambor estivesse sendo tocado; sons de batidas, como de pratos; um som sussurrante, como de vento se movendo pela floresta – como quando se escuta uma concha; um zumbido como o de sinos; um som agudo de bater palmas, como quando o tímpano é usado; um som de gemido, como o do clarinete; um som grave de gemido, como se produzido por uma grande trombeta; e um som estridente, como o da trombeta de Fêmur.”
“Isto não é apenas interessante como uma teoria da música sacra tibetana, mas dá a pista para a interpretação esotérica dos sons naturais simbólicos da Verdade (a que se refere o segundo parágrafo que se segue, e outras partes do nosso texto), que é dita ser, ou proceder das faculdades intelectuais dentro da mentalidade humana.” (Evans-Wentz, p.128)] Esses ruídos, como as visões, são sensações diretas livres de conceitos mentais. Unidades de energia molecular, dançantes, brutas.
As mentes entram e saem dessa corrente evolucionária, gerando revelações cosmológicas. Dúzias de insights darwinianos e míticos são comunicados à consciência. É permitido à pessoa olhar para trás no fluxo do tempo e perceber como a energia vital continuamente se manifesta em formas transitórias, sempre em mudança. Formas microscópicas se fundem a mitos criacionais primais. O espelho da consciência é seguro pela corrente da vida.
Enquanto a pessoa flutua com a corrente, ela recebe lições da cosmologia de bilhões de anos. Mas o empuxo da mente está sempre presente. A tendência de impor a ordem isolante, arbitrária, ao processo orgânico.
Às vezes o viajante sente que deve relatar a sua visão. Ele converte o fluxo vital num teste do borrão cósmico – tenta rotular cada forma. “agora vejo uma cauda de pavão. Agora cavaleiros mouros em armaduras coloridas. Oh, agora uma cachoeira de jóias. Agora, música chinesa. Agora, serpentes como se fossem colares, etc.” Verbalizações desse tipo enevoam a luz, interrompem o fluxo e não devem ser encorajadas.
Outra armadilha é aquela da imposição de uma interpretação sexual. O fluxo de energia dançante, brincalhão, é, no sentido mais reverente, sexual. Formas se unindo, girando umas com as outras, se reproduzindo. Eros em suas inumeráveis manifestações. Os tibetanos se referem às Bodhisattvas Pushpema, personificação das flores, e Lasema, a “Bela”, retratadas segurando um espelho em atitude coquete. Mantenha a consciência espontânea, pura, da Sabedoria-em-forma-de-Espelho. Ria alegremente das travessuras do processo vital, sempre a produzir formas em padrões atraentes para manter a dança em movimento. Se o viajante interpretar as visões de Eros nos termos de seus modelos pessoais de jogos sexuais, e tentar pensar ou planejar – “o que devo fazer? Que papel devo interpretar?” – é provável que ele escorregue para o terceiro Bardo. Tramas sexuais dominam sua consciência, o fluxo cai, empana-se o brilho do espelho, e ele renasce grosseiramente como um ser pensante e confuso.
Um outro impasse é a imposição de jogos de sintomas físicos ao fluxo biológico. As novas sensações somáticas podem ser interpretadas como sintomas. Se é novo, deve ser ruim. Qualquer órgão do corpo pode ser selecionado como o foco da “doença”. Pessoas cuja expectativa primária ao tomar uma substância psicodélica é médica são particularmente propensas a cair nesta armadilha. Médicos são, de fato, extremamente propensos e podem imaginar doenças coloridas e ataques fatais.
No caso dos psicodélicos mais amplamente usados (LSD, pscilocibina etc.), é seguro dizer que tais efeitos corporais praticamente nunca são efeito direto da droga. A droga age apenas sobre o cérebro e ativa padrões neurais centrais. Todos os sintomas físicos são criados pela mente. Indisposição física é um sinal de que o ego está lutando para manter ou recuperar o controle através da dissolução dos limites emocionais.
Se a pessoa se queixar de sintomas físicos como náusea ou dor, o guia deve ler para ela asè INSTRUÇÕES PARA SINTOMAS FÍSICOS.
O equivalente colérico, negativo, desta visão ocorre se o viajante reage com medo ao poderoso fluxo de formas vitais. Tal reação é atribuída ao resultado cumulado da interpretação de scripts dominada por raiva e estupidez. Um mundo infernal pode seguir-se como um pesadelo. As formas visuais aparecem como um confuso caos de objetos feios, baratos, típicos de lojas de R$ 1,99[8] , vulgares e inúteis. A pessoa pode ficar aterrorizada ante a perspectiva de ser tragada por eles. Os impressionantes sons podem ser ouvidos como ruídos de rangidos, horríveis e opressivos. A pessoa tentará escapar dessas percepções por meio de atividades externas agitadas (conversar, ficar andando em círculos etc.) ou através de atividade mental analítica e conceitual.
A experiência é a mesma, e interpretação intelectual é diferente. Em vez de revelação, há confusão; em vez de calma alegria, há medo. O guia, ao reconhecer que o viajante está em tal estado, pode ajudá-lo a se libertar, lendo-lhe as è INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 2.
Visão 3: O Fluxo Flamejante de Unidade Interior
(Olhos fechados, estímulos exteriores ignorados, aspectos emocionais)
as instruções do Primeiro Bardo devem mantê-lo(a) face a face com o êxtase-de-vazio. Ainda existem classes de homens que, tendo carregado conflitos cármicos a respeito de inibições de sentimentos, mostram-se incapazes de manter a experiência pura além de quaisquer sentimentos, e escorregam para visões de caráter emocional. A energia indiferenciada do Primeiro Bardo é tecida em jogos visionários na forma de sentimentos intensos. Pulsantes, estranhas e intensas sensações de amor e unidade serão sentidas; o equivalente negativo são sentimentos de afeição, cobiça, isolamento e preocupações com o corpo.
A coisa vem mais ou menos assim: o fluxo puro de energia perde sua qualidade nula e torna-se perceptível como sentimentos intensos. Um jogo emocional é imposto. Novas e incríveis sensações físicas pulsam através do corpo. O brilho da vida é sentido fluindo pelas veias. A pessoa dilui-se num oceano unitivo de eletricidade fluida orgástica [A Deidade Pacífica do Bardo Thodol personificando esta visão é o Buda Amitabbha, a sabedoria e sentimento todo-criteriosos, luz ilimitada, representando a vida eterna. O Lama Govinda escreve que “A luz vermelho-escura da criteriosa visão interior, brilha do seu coração (...) o fogo corresponde a ele e assim, de acordo com o antigo simbolismo tradicional, ao olho e à função da visão.” (Govinda, op. Cit., p.120). com o Bhagavan Amitabbha vem o Bodhisattva Chennazee, corporificação da compaixão e piedade, o grande piedoso sempre alerta para descobrir a angústia e socorrer quem está com problemas. Ele é acompanhado pela Bodhisattva “A Gloriosa de Voz Gentil”, e a mulher encarna a “música” e a “luz”.], o fluxo infinito de vida compartilhada, de amor.
Visões relatadas a respeito do sistema circulatório são comuns. O sujeito cai em sua própria rede arterial. O motor do coração reverbera com a pulsação da vida. O coração pára então, e o fogo rubro sangra para fundir-se com todos os seres vivos. Todos os organismos vivos estão vibrando juntos. Se está alegremente consciente da dança sexual elétrica de dois bilhões de anos de duração; se está por fim livre de roupas e membros robóticos e ondula-se na infinita corrente de formas vivas. Dominando esse estado extático está o sentimento de amor intenso. Você é uma parte alegre de toda vida. A lembrança das antigas desilusões da individualidade e diferenciação provoca gargalhadas exultantes. Toda a angulosidade dura, seca e frágil dos scripts de vida derrete-se. Você deriva – suave, úmido(a), quente. Fundido(a) com a vida. Você sente a si mesmo flutuando num mar quente. Sua individualidade e autonomia de movimentos estão desaparecendo umidamente. Seu controle capitula perante o organismo total. Feliz passividade. Unidade ondulante, orgástica, extática. Todas as preocupações são varridas para longe. Tudo é recebido ao mesmo tempo que é dado. Há revelação orgânica. Toda célula do seu corpo está cantando uma canção de liberdade – o universo biológico inteiro está em harmonia, libertado da sua (de você) censura e controle e de suas restritas ambições.
Mas espere! Você, você... está desaparecendo na unidade. Está sendo arremessado(a) pela ondulação extática. Seu ego, aquele único e pequenino fio remanescente do self, grita: PARE! Você está terrificado(a) pela atração da radiante luz vermelha, transparente, ofuscante, gloriosa. Você se torce e sai do fluxo vital, puxado por sua intensa afeição por seus antigos desejos. Há uma terrível sensação quando suas raízes o separam da matriz vital – um rasgar de suas fibras e veias arrancadas do corpo maior ao qual você estava amarrado(a). E quando você tira a si mesmo(a) do fluxo flamejante de vida a vibração pára, o êxtase cessa, seus membros endurecem e enrijecem em formas angular, seu corpo de boneco de plástico recupera sua orientação. Então você se senta, isolado(a) do fluxo da vida, mestre impotente dos seus desejos e apetites, miserável.
Enquanto você vai deslizando pelo rio evolucionário, vem uma sensação de ilimitado poder individualizado. O deleite do fluir do pertencer cósmico. A descoberta estarrecedora de que a consciência pode sintonizar-se a um número infinito de níveis orgânicos. Há bilhões de processos celulares no seu corpo, cada qual com o seu universo de experiência – uma variedade sem fim de êxtases. As simples alegrias e dores e responsabilidades do seu ego representam um conjunto de experiências – um conjunto repetitivo e empoeirado. Quando você escorrega para o fluxo flamejante de energia biológica, séries e mais séries de conjuntos experienciais passam diante de seus olhos. Você não está mais enclausurado(a) numa estrutura de ego e tribo.
Mas através do pânico e de um desejo de encerrar-se no âmbito familiar, você interrompe o fluxo, abre os olhos; então a fluidez se perde. A potencialidade de se mover de um nível de consciência a outro se vai. Seu medo e o desejo de controlar o(a) levaram a instalar-se num sítio estático de consciência. Para usar a metáfora oriental ou genética, você congelou a dança da energia e comprometeu a si mesmo(a) a uma nova encarnação, e fez isso por causa do medo.
Quando isso acontecer, existem vários passos que podem levá-lo(a) de volta ao fluxo biológico (e dele para o Primeiro bardo). Primeiro, feche os olhos. Deite-se sobre seu estômago e deixe seu corpo descer pelo soalho, fundir-se com o que está em volta. Sinta as extremidades quadradas e duras do seu corpo amolecerem e começarem a se mover no fluxo sangüíneo. Deixe o ritmo da respiração transformar-se num marefluxo. O contato corporal é provavelmente o método mais eficaz de amaciar superfícies endurecidas. Sem movimentos. Sem jogos corporais. O contato físico com outro invariavelmente traz de volta a unidade do fluxo-flamejante. Seu sangue começa a fluir no sangue de outro. A respiração dele(a) joga ar em seus pulmões. Vocês dois derivam no ria capilar.
Outra forma de imagens do fluxo vital é o fluxo de sensações auditivas. A série infindável de sons abstratos (descritos na visão anterior) atravessa a consciência. A reação emocional a eles pode ser neutra ou pode envolver sentimentos intensos de unidade, ou de medo e aborrecimento.
A reação positiva ocorre quando o indivíduo funde-se com o fluxo sonoro. A batida surda do coração é sentida como um hino básico da humanidade. O som da respiração como o correr do rio de toda vida. Sentimentos irresistíveis de amor, gratidão e unidade se misturam no instante do som, dentro de cada nota do concerto biológico.
Mas, como sempre, o viajante pode intrometer-se com sua personalidade e as vontades e opiniões dela. Ele pode não “gostar” do barulho. Seu ego ajuizador pode ficar ofendido pelo sons da vida. A batida do coração é, afinal, monótona; a música natural do ouvido interno, com seus cliques e zumbidos e assobios, carece da simetria romântica de Beethoven. A terrível separação de “mim” do meu corpo ocorre. Horrível. Fora do meu controle. Desligue isso.
O guia treinado normalmente é capaz de perceber quando a ego-afeição ameaça puxar a pessoa para fora do fluxo unitivo. Nesse momento ele poderá guiar o viajante lendo as èINSTRUÇÕES PARA A VISÃO 3.
Visão 4: A Estrutura de Vibrações Ondulares de Formas Externas.
(Olhos abertos e envolvimento com estímulos exteriores; aspectos intelectuais.)
a luz pura e livre de conteúdos do Primeiro Bardo provavelmente envolve energia básica de ondas elétricas. Isto é inominável, indescritível, porque está muito além de quaisquer conceitos que possuamos agora. Algum físico atômico do futuro pode ser capaz de classificar essa energia. Talvez isto seja sempre inefável para um sistema nervoso tal qual o do homo sapiens. Pode um sistema orgânico “compreender” o enormemente mais eficiente inorgânico? Em qualquer evento, a maioria das pessoas, mesmo as mais iluminadas, acham impossível manter o contato experiencial com essa luz-nula e escorregam de volta à imposição de estruturas mentais, alucinatórias e revelatórias do fluxo.
Assim somos trazidos a outra visão freqüente que envolve intensa e unitiva consciência dos estímulos exteriores. Se os olhos estiverem abertos, essa super-realidade pode ser efetivamente visual. O impacto penetrante de outros estímulos pode também desencadear o imaginário revelatório.
A coisa acontece desta forma: A consciência do indivíduo é subitamente invadida por um estímulo de fora. Sua atenção é capturada, mas sua antiga mente conceitual não está funcionando. Mas outras sensibilidades estão. Ele experimenta sensações diretas. O “ser” bruto[9]. Ele vê não objetos, mas padrões de ondas luminosas. Ele ouve não “música” ou sons “significativos”, mas ondas acústicas. Ele está fascinado com a revelação súbita de que todas as sensações e percepções são baseadas em vibrações de ondas. Que o mundo em torno de si, que até agora tinha uma solidez ilusória, é nada mais que um jogo de ondas físicas. Que ele está envolvido num show televisivo cósmico que não tem mais substancialidade que as imagens na tela de sua televisão. [A Deidade Pacífica do Thodol personificando esta visão é Akshobhya. De acordo com o Lama Govinda, “Na luz da Sabedoria-em-Forma-de-Espelho (...) as coisas estão livres se sua ‘coisidade’[10], seu isolamento, sem estarem privadas de sua forma; estão despidas de sua materialidade, sem estar dissolvidas, porque o princípio criativo da mente, que está no botão de toda forma e materialidade, é reconhecido como o lado ativo da Consciência de Suprimento (alaya-vijnana) universal, na superfície da qual as formas se erguem e se vão, como as ondas na superfície do oceano (...)” Govinda, op. Cit., p. 119).]
A estrutura atômica da matéria é, por suposto, intelectualmente conhecida por nós, mas nunca experimentada pelo adulto exceto em estados da consciência intensamente alterada. Aprender a partir de um livro de física sobre a estrutura ondular da matéria é uma coisa. Experienciá-la – estando nela – com as velhas, familiares, rudes coisas “sólidas” e seu conforto alucinatório distantes e indisponíveis, é uma coisa totalmente distinta.
Se essas visões supra-reais envolvem fenômenos ondulares, então o mundo exterior assume uma irradiação e uma revelação que são surpreendentemente claras. O insight experienciado de que o mundo existe na forma de ondas, imagens eletrônicas, pode gerar uma sensação de força iluminada. Tudo é experimentado enquanto consciência.
Essas radiações exultantes devem ser reconhecidas como produtos de seus próprios processos internos. Você não deve tentar controlar ou conceitualizar. Isto pode vir mais tarde. Há o perigo de congelamento alucinatório. O indivíduo corre (às vezes literalmente) de volta à realidade tridimensional, convencido da “verdade” de uma revelação experienciada. Muitos místicos mal-instruídos e muitas pessoas chamadas loucas caíram nesta armadilha. E como tirar uma foto de uma tela de TV e sair gritando que finalmente tomou-se posse da verdade. Tudo é o Maya extático-elétrico, a dança de ondas de dois bilhões de anos. Nenhuma parte dela é mais real que as outras. Tudo em todos os momentos está cintilando com todo o significado.
Até aqui temos considerado a irradiação positiva da claridade; mas há terríveis aspectos negativos na quarta visão. Quando o indivíduo sente que seu “mundo” está se fragmentando em ondas, ele pode ficar terrificado. “Ele”, “mim”, “eu” estão se dissolvendo! Espera-se que o mundo à minha volta esteja parado, estático e morto, esperando tranqüilamente por minha manipulação. Mas essas coisas passivas se transformaram numa dança cintilante de energia viva! A natureza maya dos fenômenos causa pânico. Onde está a base sólida? Toda coisa, todo conceito, toda forma sobre a qual alguém apoia sua mente entra em colapso e torna-se vibrações elétricas carentes de solidez.
O rosto do guia ou do amigo querido da pessoa transforma-se num mosaico de impulsos em seu córtex. “Minha consciência” criou tudo aquilo de que estou consciente. Eu esculpi meu mundo, meus entes queridos, eu mesmo. Todos são apenas padrões de energia cintilante. Em vez de claridade e força exultante, há confusão. O indivíduo cambaleia, agarrando-se a padrões de elétrons, esforçando-se para congelá-los de volta a suas funções robóticas familiares.
Toda a solidez se foi. Todos os fenômenos são figuras de papel grudadas na tela de vidro da consciência. Para o despreparado, ou para a pessoa cujo resíduo cármico acentue o controle, a descoberta da natureza ondular de toda estrutura, a revelação maya, é uma desastrosa rede de incertezas.
Temos discutido apenas os aspectos visuais da quarta visão. Os fenômenos auditivos são de igual importância. Aqui a natureza sólida e rotulada dos padrões auditivos se perde, e o impacto mecânico do som chocando-se contra o tímpano é registrado. Em alguns casos, o som converte-se em sensação pura, e ocorre a sinestesia (mistura de modalidades de sentidos). Os sons são experienciados como cores. Sensações externas chocando-se contra o córtex são consideradas como eventos moleculares, inefáveis.
As mais dramáticas visões auditivas ocorrem com música[11]. Assim como todo objeto irradia um padrão de elétrons e pode tornar-se a essência de toda energia, também ode toda nota musical ser sentida como energia nua temendo no espaço, eterna. O movimento das notas, como o bate-rebate dos feixes oscilográficos. Cada uma capturando toda a energia, a cota elétrica do universo. Nada existindo a não ser a nítida e aguda ressonância na membrana do tímpano. Revelações inesquecíveis a respeito da natureza da realidade ocorrem nesse momento.
Mas a interpretação infernal também é possível. Enquanto a estrutura de som aprendida entra em colapso, o impacto direto de ondas pode ser sentido como ruído. Para alguém que estiver obrigado pela ordem instituída, sua ordem, no mundo em volta de si, é pelo menos aborrecido e freqüentemente perturbador ter a tatuagem crua do som ressonando na consciência.
Ruído! Que conceito irreverente. Não é tudo ruído; toda sensação, o padrão divino de energia ondular, sem sentido a penas para aqueles que insistem em impor seu próprio sentido?
A preparação é a chave para uma passagem serena através desse território. O indivíduo que tenha estudado este manual será, quando face a face com o fenômeno, capaz de reconhecê-lo e fluir com ele.
O guia sensível estará pronto a perceber, a partir de qualquer deixa, que o indivíduo está vagando na quarta visão. Se os olhos do viajante estiverem abertos (indicando reações visuais), ele poderá ler as è INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 4.
Se o guia sentir que o viajante estiver experienciando a fragmentação do som exterior em vibrações ondulares, ele pode corrigir apropriadamente as instruções (mudando das referências visuais para as auditivas).
Visão 5: As Ondas Vibratórias de Unidade Exterior.
(Olhos abertos, ou envolvimento com estímulos exteriores; aspectos emocionais.)
enquanto as percepções aprendidas desaparecem e a estrutura do mundo exterior se desintegra em fenômenos ondulares diretos, o objetivo é manter uma consciência pura, livre de conceitos (Primeiro Bardo). A despeito das preparações, é provável que se seja levado para trás por suas próprias inclinações mentais para duas interpretações, alucinatórias ou revelatórias, da realidade. Uma reação leva à claridade intelectual ou à apavorada confusão da quarta visão (descrita logo acima). Uma outra interpretação é a reação emocional à fragmentação das formas diferenciadas. Pode-se set engolfado na unidade extática, ou pode-se escorregar para o egoísmo isolado. O Brado Thodol chama a primeira de “Sabedoria da Igualdade” e o último de “atoleiro de existência mundana emergindo de egoísmo violento”. [A Deidade Pacífica da quarta visão vem na forma de Bhagavan Ratnasambhava, nascido de uma jóia. Ele é abraçado pela mãe divina, Ela dos Olhos de Buda, e acompanhado pelos Bodhisattva, matriz do céu, Todo-Bom, e daqueles portando incenso e rosário. “No plano elementar, Ratnasambhava corresponde à terra, que carrega e alimenta a todos os seres com equanimidade e paciência de uma mãe, a cujos olhos todos os seres, paridos dela, são iguais.” (Govinda, op. Cit., p.119)] no estado de unidade radiante, a pessoa sente que existe apenas uma rede de energia no universo e que todas as coisas e todos os seres sensíveis são manifestações momentâneas dos padrões simples. Quando interpretações egoístas são impostas à quinta visão, os fenômenos “boneco de plástico” são experienciados. Formas diferenciadas são vistas como inorgânicas, enfadonhas, padronizadas[12], surradas, plásticas, e todas as pessoas (incluindo si mesmo) são vistas como manequins sem vida isolados da dança vibrante de energia, que foi perdido.
Os dados experienciais desta visão são semelhantes aos da quarta visão. Toda estrutura artificial aprendida entra em colapso e retorna à forma de vibrações de energia. A consciência é dominada não por claridade reveladora, mas por unidade cintilante. O indivíduo é fascinado pelo jogo de forças rodopiante e silencioso. Estranhas formas dançam ao seu redor, todos os objetos em volta dele irradiam energia, emanações brilhantes. Seu próprio corpo é visto como um jogo de forças. Se ele se olha num espelho, vê um mosaico brilhante de partículas. A sensação de sua própria estrutura ondular torna-se mais forte. Uma sensação de derretimento, flutuação. O corpo não é mais uma unidade separada, mas um grupo de vibrações enviando e recebendo energia – uma fase da dança de energia que tem sido dançada por milênios.
Uma sensação de profunda unicidade, um sentimento de unidade de toda energia. Diferenças superficiais de papel, casta, status, sexo, espécie, forma, poder, tamanho, beleza, mesmo as distinções entre o inorgânico e a energia viva, desaparecem ante a visão extática de todos em um. Todos os gestos, palavras, atos e eventos são equivalentes em valor – todos são manifestações da consciência una que tudo permeia. “Você”, “Eu” e “Ele” se foram, “meus” pensamentos são “nossos”, “seus” sentimentos são “meus”. A comunicação é desnecessária, desde que exista comunhão completa. Uma pessoa pode sentir as sensações e o humor de outra diretamente, como se fossem os seus próprios. Por um olhar, palavras e vidas inteiras podem ser transmitidas. Se todos estão em paz, as vibrações estão “em fase”. Se há discórdia, aparecerão vibrações “fora de fase” que serão sentidas como música dissonante. Os corpos se derretem em ondas. Objetos no ambiente – luzes, árvores, plantas, flores – parecem se abrir e lhe dar boas vindas: eles são parte de você. Vocês todos são simplesmente pulsos diferentes das mesmas vibrações. Uma sensação pura de harmonia extática com todos os seres é a tônica desta visão.
Mas, como antes, pode haver medo. A unidade requer o auto-sacrifício extático. A ego-perda traz assombro ao despreparado. A fragmentação de formas em ondas traz o mais terrível temor conhecido do homem: a revelação epistemológica final.
A verdade da matéria é que todas as formas aparentes de matéria e corpo são grupos momentâneos de energia. Somos pouco mais que tremulações uma tela de TV multidimensional. A realização diretamente experienciada pode ser deleitosa. Você subitamente acorda de uma ilusão de formas separadas e fisga a dança cósmica. A consciência desliza pelas matrizes ondulares, silenciosamente, na velocidade da luz.
O terror vem com a descoberta da transitoriedade. Nada é fixo, nenhuma forma é sólida. Tudo o que você possa experienciar “não é nada além” de ondas elétricas. Você se sente afinal trapaceado. Uma vítima de um grande produtor de televisão. Desconfiança. As pessoas ao seu redor são robôs sem vida da TV. O mundo ao seu redor é uma fachada, um cenário de palco. Você é uma marionete indefesa, um boneco de plástico num mundo de plástico.
Se outros tentam ajudar, eles são vistos como se fossem feitos de madeira, figuras de cera, sem sentimentos, frios, grotescos, maníacos, monstros de ficção científica. Você é incapaz de sentir. “Estou morto. Não voltarei a viver e sentir novamente.” Em pânico você pode tentar forçar o sentimento a voltar – por uma ação, um grito. Então você entrará no estágio do Terceiro Bardo e renascerá de maneira desagradável.
O melhor método para escapar dos terrores da quinta visão é relembrar este manual, relaxar, e balançar com a dança ondular. Ou comunicar ao guia que você está na fase do boneco de plástico, e ele o guiará de volta.
Uma outra solução é mover-se rumo ao fluxo biológico interior. Siga as instruções dadas na terceira visão: feche os olhos, deite-se de bruços, procure o contato corporal, flutue no seu fluxo corporal. Fazendo assim, você está recapitulando a seqüência evolutiva. Por bilhões de anos, a energia inorgânica dançava no ciclo cósmico antes de o ritmo biológico começar. Não a apresse.
Se o guia sentir que a pessoa está experienciando visões de boneco de plástico ou estiver com medo da incontrolabilidade de suas próprias sensações, ele deve ler para ela as èINSTRUÇÕES PARA A VISÃO 5.
Visão 6: “O Circo Retinal”
Cada uma das visões do Segundo Bardo até aqui descritas era um aspecto da “experienciação da realidade”. O fogo interior ou as ondas exteriores – apreendidos intelectualmente ou emocionalmente – cada visão com suas armadilhas correspondentes. Cada uma das “Deidades Pacíficas” aparece com suas “Deidades Coléricas” auxiliares. Manter quaisquer dessas visões por qualquer período de tempo requer um certo grau de concentração ou “unidirecionidade”[13] da mente, da mesma forma que a capacidade de reconhecê-las e não sentir medo. Assim, para a maioria das pessoas, a experiência pode passar por uma ou mais destas fases sem que o viajante seja capaz de segurá-las ou ficar com elas. Ele pode abrir e fechar os olhos, pode ficar alternadamente absorto em sensações internas ou em formas externas. A experiência pode ser caótica, bela, emocionante, incompreensível, mágica, mutante. [No Bardo Thodol, no sexto dia aparecem as luzes radiantes das Cinco Sabedorias combinadas dos Dhyani-Budhas, as deidades projetivas (guardiãs da mandala) e os Budas dos Seis Reinos do jogo-existência. De acordo com o Lama Govinda: “O Caminho Interior de Vajra-Sattva consiste na combinação dos raios das Sabedorias dos quatro Dhyani-Buddhas e sua absorção pelo próprio coração da pessoa – em outras palavras, no reconhecimento de que todas essas irradiações são emanações da própria mente da pessoa num estado de perfeita tranqüilidade e serenidade, um estado no qual a mente revela sua verdadeira natureza universal.” (Govinda, op. Cit., p. 262)].
Ele viajará livremente através de muitos mundos de experiência – do contato direto com imagens e formas do processo vital, ele pode passar às visões de “papéis” humanos[14]. Ele pode ver e entender com clareza e brilho inimaginados vários scripts sociais e individuais que ele e os outros interpretam. Suas próprias batalhas na existência cármica (de scripts) parecerão deploráveis e risíveis. Liberdade extática da consciência é a tônica desta visão. A exploração de reinos inimagináveis. Aventuras teatrais. Encenações dentro de encenações dentro de encenações. Os símbolos tornam-se as coisas simbolizadas e vice-versa. Palavras tornam-se coisas, pensamentos são música, a música é cheirada, os sons são tocados, completa intercambialidade dos sentidos.
Todas as coisas são possíveis. Todos os sentimentos são possíveis. A pessoa pode “experimentar” vários humores assim como faz com peças de roupa. Os indivíduos e objetos giram, transformam-se uns nos outros, unem-se, fundem-se, dispersam-se novamente. Objetos exteriores dançam e cantam. A mente os toca como a instrumentos musicais. Eles assumem qualquer forma, significado ou qualidade que se lhes ordene. São admirados, adorados, analisados, examinados, trocados, feitos bonitos ou feios, grandes ou pequenos, importantes ou triviais, úteis, perigosos, mágicos ou incompreensíveis. Pode-se reagir a ele com maravilhamento, fascinação, humor, amor, repugnância, espanto, horror, deleite, medo, êxtase.
Como um computador com aceso ilimitado a qualquer programa, a mente vaga livremente. Lembranças pessoais e raciais borbulham à superfície da consciência, misturadas com fantasias, desejos , sonhos e objetos exteriores. Um evento no presente carrega-se de profunda significância emocional, um fenômeno cósmico torna-se idêntico com alguma peculiaridade pessoal. Problemas metafísicos são burlados e jogados de lado. “Processo primário” puro, chuva de associação espontânea, opostos se unindo, imagens se fundindo, condensando, mudando, entrando em colapso, se expandindo, unindo-se, conectando-se.
Essa visão caleidoscópica do jogo-realidade pode ser assustadora e confusa para um indivíduo malpreparado. Em vez de claridade requintada de percepção multinivelada, ele pode experienciar um caos confuso de formas incontroláveis, sem significado. Em vez de deleite ante as acrobacias brincalhonas do intelecto livre, haverá um apego angustiado a uma ordem ilusória. Podem ocorrer alucinações mórbidas e escatológicas, evocando repugnância e vergonha.
Como antes, essa visão negativa ocorre apenas se a pessoa tentar controlar ou racionalizar este panorama mágico. Relaxe e aceite o que vier. Lembre-se de que todas as visões são criadas por sua mente, as alegres e as tristes, as belas e as feias, as deleitosas e as terrificantes. Sua consciência é criadora, intérprete e espectadora do “circo retinal”.
Se o guia sentir que o viajante estiver ou permanecer na visão do “circo retinal”, pode ler-lhe as instruções apropriadas è INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 6: “O CIRCO RETINAL”.
Visão 7: “O Teatro Mágico”
Se o viajante não for capaz de manter a serenidade passiva necessária à contemplação das visões anteriores (as deidades pacíficas), ele entra agora numa fase mais ativa e dramática. O jogo de formas e coisas torna-se o jogo de vultos heróicos, espíritos sobre-humanos e semideuses. [No Manual Tibetano, esta é descrita como a visão das cinco “Deidades Portadoras do Conhecimento”, arranjadas em forma de mandala, cada uma abraçada por Dakinis, numa dança extática. As Deidades Portadoras do Conhecimento simbolizam “o mais alto nível de conhecimento individual ou humanamente concebível, como o obtido na consciência dos grandes iogues, pensadores inspirados ou semelhantes heróis do espírito. Elas representam o último passo antes do ‘avanço’ em direção à consciência universal – ou o primeiro passo no retorno de lá para o plano do conhecimento humano”. (Govinda, op. Cit., p. 202). As Dakinis são corporificações femininas do conhecimento, representando os impulsos inspiracionais da consciência levando ao avanço. As outras quatro Portadoras do Conhecimento, além do central Senhor da Dança, são: o Portador do Conhecimento sustentando a terra, o Portador do Conhecimento de que tem poder sobre a duração da vida, o Portador do Conhecimento do Grande Símbolo, e o Portador do Conhecimento da Realização Espontânea.] Você pode ver figuras irradiantes em formas humanas. O “Senhor Lótus da Dança”: a imagem suprema de um semideus que percebe os efeitos de todas as ações. O príncipe do movimento, dançando num abraço extático com seu equivalente feminino. Heróis, heroínas, guerreiros celestiais, semideuses masculinos e femininos, anjos, fadas – a forma exata dessas figuras dependerá da tradição e do background da pessoa. Figuras arquetípicas nas formas de personagens das mitologias grega, egípcia, nórdica, celta, asteca, persa, indiana ou chinesa. As formas diferem, a fonte é a mesma: elas são corporificações concretas de aspectos da própria psique. Forças arquetípicas abaixo da consciência verbal são expressíveis apenas de forma simbólica. As figuras freqüentemente são extremamente coloridas e acompanhadas de uma variedade de sons impressionantes e inspiradores. Se o viajante estiver preparado e num estado de espírito relaxado e desprendido, ele será exposto a uma apresentação deslumbrante e fascinante de criatividade dramática. O Teatro Cósmico. A Divina Comédia. Se seus olhos estão abertos, ele pode visualizar os outros viajantes como representando essas figuras. O rosto de um amigo pode transformar-se no de um garotinho, de um bebê, de um deus-menino; de uma estátua heróica, de um velho sábio; na de uma mulher, animal, deusa, mãe d’água, garotinha, ninfa, elfo, gnomo, leprechaun. Imagens de grandes pintores erguem-se como as representações familiares desses espíritos. As imagens são múltiplas e inesgotáveis. Uma viagem iluminada pelas áreas nas quais a consciência pessoal funde-se com o supra-individual.
O perigo é que o viajante fique aterrorizado ou indevidamente atraído por essas poderosas figuras. As forças representadas por elas podem ser mais intensas do que aquelas para as quais ele estava preparado. Incapacidade ou indisposição para reconhecê-las como produtos da própria mente levam a pessoa a fugir numa caçada animalística. A pessoa pode se envolver na caçada por poder, luxúria, riqueza e descer às lutas de renascimento do Terceiro Bardo.
Se o guia sentir que o viajante caiu na armadilha, as instruções apropriadas podem ser lidasè INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 7: “O TEATRO MÁGICO”.
AS VISÕES COLÉRICAS
(Pesadelos do Segundo Bardo)
Sete visões do Segundo bardo foram descritas. Em cada uma delas, o viajante poderá reconhecer o que viu e ser libertado. Multidões serão libertadas por esse reconhecimento; e embora multidões obtenham a libertação desta maneira, o número de seres sensíveis sentindo-se grandes, as poderosas obscuridades do mau carma se adensam, propensões de uma espera muito longa, a Roda da Ignorância e da Ilusão não fica nem esgotada nem acelerada. A despeito das confrontações, há uma enorme preponderância daqueles que vagam e caem sem ser libertados.
Assim, no Thodol Tibetano, depois de sete deidades pacíficas, vêm sete visões de deidades coléricas, cinqüenta e oito em número, masculinas e femininas, “cuspidoras de fogo, coléricas, bebedoras de sangue”. Essas Herukas, como são chamadas, não serão descritas em detalhes, especialmente porque os ocidentais estão sujeitos a experienciar as deidades coléricas de formas diferentes. Ao invés de ferozes demônios de muitas cabeças, é mais provável que sejam engolfados e moídos por uma maquinaria impessoal, manipulada por cientistas, aparelhos de tortura e outros horrores da ficção científica. [Algumas observações gerais a respeito da interpretação tibetana dessas visões. As Deidades Coléricas são consideradas “apenas as antigas Deidades Pacíficas num aspecto modificado”. O Lama Govinda escreve: “As formas pacíficas de Dhyani-Buddhas representam o mais alto ideal de Budidade[15] em sua condição estática, final, completa, do alcance final ou perfeição, vistas retrospectivamente como um estado de completo descanso e harmonia. As Herukas, por outro lado, são descritas como ‘bebedoras de sangue’, raivosas ou deidades ‘terrificantes’- são meramente o aspecto dinâmico do esclarecimento, o processo de se tornar um Buda, ou alcançar a iluminação, como simbolizado pela luta de Buda com a Multidão de Mara (...) As figuras extáticas, heróicas e terrificantes, expressam o ato de avançar em direção ao impensável, o intelectualmente “Inalcansável”. Elas representam o salto por sobre o abismo[16], que boceja entre a consciência de superfície intelectual e a consciência-profunda supra-pessoal intuitiva.” (Govinda, op. Cit., pp. 198, 202)]
Os tibetanos consideram as visões de pesadelo primariamente como produtos intelectuais. As atribuem ao chakra do Cérebro, enquanto as deidades pacíficas são atribuídas ao chakra do Coração e as deidades Portadoras do Conhecimento ao chakra intermediário da Garganta. Elas são as reações da mente ao processo de expansão da consciência. Representam as tentativas do intelecto de manter suas fronteiras ameaçadas. Simbolizam a luta do avanço da consciência e do entendimento da ego-perda.
Por causa do terror e do espanto que causam, o reconhecimento é difícil. De certo modo é até mais fácil que, uma vez que alucinações negativas comandem toda a atenção, a mente esteja alerta e portanto através da tentativa de escapar do medo e do terror, as pessoas se envolvam em estados psicóticos e sofram. Mas com a ajuda deste manual e a presença de um guia, o viajante reconhecerá essas visões infernais assim que as vir, e lhes dará as boas vindas como a velhos amigos.
Novamente, quando psicólogos, filósofos e psiquiatras que não conhecem estes ensinamentos experienciam a ego-perda – embora se tenham assiduamente devotado ao estudo acadêmico e embora hábeis tenham sido ao expor teorias intelectuais – nenhum dos fenômenos mais elevados aparecerá. Isso porque eles são incapazes de reconhecer as visões que ocorrem nessas experiências psicodélicas. Ao ver subitamente algo que ele jamais viram e sem possuir quaisquer conceitos intelectuais, eles vêem isso inamistosamente; e, com os sentimentos antagônicos alçando vôo, passam a estados miseráveis. Assim, se alguém não tiver tido experiência prática com esses ensinamentos, as irradiações e luzes não aparecerão.
Aqueles que acreditem nesses doutrinas mesmo que elas pareçam incultas, irregulares no desempenho de deveres, inelegantes os hábitos, e talvez até incapazes de praticar a doutrina com sucesso – não deixem ninguém duvidar deles ou ser-lhes desrespeitoso, mas preste reverência a sua fé mística. Só isto já será capaz de torná-lo(a) apto(a) a alcançar a libertação. Elegância e eficiência da prática devocional não são necessárias – apenas conhecimento e confiança nesses ensinamentos.
As pessoas bem preparadas não precisam absolutamente experienciar as visões infernais do Segundo Bardo. Desde o início elas podem passar por estados paradisíacos guiadas por heróis, heroínas, anjos e superespíritos. “Elas se fundirão numa irradiação de arco-íris; haverá chuvas de sol, doce aroma de incenso no ar, música nos céus, irradiações.”
Este manual é indispensável para os estudantes que estejam despreparados. Os competentes em meditação reconhecerão a Serena Luz no momento da ego-perda e entrarão no Vazio-Cheio-de-Felicidade (Dharma-Kaya). Reconhecerão também as visões positivas e negativas do Segundo Bardo e obterão a iluminação (Sambhogha-Kaya); e renascerão num nível mais elevado e se tornarão inspirados santos ou professores (Nirmana-Kaya). O estudo e a busca do esclarecimento sempre podem ser retomados do ponto em que foram interrompidos pela última ego-perda, assegurando assim a continuidade do carma.
Através do uso deste manual, o esclarecimento pode ser obtido sem meditação, estudando-se a sós. Ele pode libertar mesmo os muito apegados aos scripts[17]. A distinção entre aqueles que sabem e aqueles que não sabem torna-se muito clara. O esclarecimento segue-se instantaneamente. Aqueles que forem alcançados por ele não terão experiências negativas prolongadas.
A visão concernente às visões do inferno é a mesma de antes; reconhecê-las como suas próprias formas-pensamentos; relaxar, flutuar rio abaixo. As è INSTRUÇÕES PARA AS VISÕES COLÉRICAS podem ser lidas. Se, depois disto, o reconhecimento ainda for impossível e a libertação não for obtida, então o viajante descerá ao Terceiro Bardo, o Período da Reentrada.
CONCLUSÃO DO SEGUNDO BARDO
Mesmo que alguém já tenha feito muitas experiências, há sempre a possibilidade de ocorrerem desilusões nessas experiências psicodélicas. Aqueles com prática em meditação reconhecem a verdade assim que a experiência começa. Ler este manual antes é importante. Ter algum grau de autoconhecimento ajuda no momento da ego-morte.
A meditação nas várias formas arquetípicas positivas e negativas é muito importante para as fases do Segundo Bardo. Portanto, leia este manual, o tenha com você, lembre-se dele, grave-o na mente, leia-o regularmente; deixe que as palavras e os significados fiquem bem claros; eles não devem ser esquecidos, mesmo sobre extrema coação. Chama-se “A Grande Libertação pela Audição” porque mesmo as ações egoístas da consciência podem ser libertadas ao ouvi-lo. Se ouvido apenas uma vez, pode ser eficaz mesmo que não entendido, será lembrado durante o estado psicodélico, desde que então a mente esteja mais lúcida. Deve ser anunciado a todas as pessoas vivas; deve ser lido sobre todos os travesseiros; deve ser lido aos moribundos; deve ser transmitido.
Aqueles que tiverem acesso a esta doutrina são felizardos. Ela não é fácil de encontrar. Mesmo quando lida, é difícil de compreender. A libertação será obtida simplesmente não descrendo do que se ouvir disto.
Aqui termina o Segundo Bardo, o Período das Alucinações.
TERCEIRO BARDO:
O PERÍODO DA REENTRADA
(Sidpa Bardo)
Introdução
Se, no Segundo Bardo, o viajante for incapaz de agarrar o conhecimento de que as visões pacíficas e coléricas são projeções de sua própria mente, mas ficar atraído ou assustado por uma ou mais delas, ele entrará no Terceiro Bardo. Neste período ele luta para retornar à realidade rotineira e ao seu ego; os tibetanos o chamam de Bardo da “busca do renascimento”. É o período no qual a consciência faz a transição da realidade transcendente à realidade da vida desperta ordinária. Os ensinamentos deste manual são da maior importância se deseja-se fazer uma reentrada pacífica e esclarecida e evitar que esta seja violenta ou desagradável.
No Bardo Thodol original o objetivo dos ensinamentos é a “libertação”, isto é, livrar-se do ciclo de renascimento e morte. Interpretado esotericamente, isto significa que o objetivo é permanecer no estado de perfeita iluminação e não voltar à realidade do jogo social.
Somente pessoas de desenvolvimento espiritual extremamente avançado são capazes de fazer isso, exercendo o Princípio da Transferência no momento da ego-morte. Para as pessoas médias que embarcam numa viagem psicodélica, o retorno ao jogo realidade é inevitável. Tais pessoas podem e devem usar esta parte do manual para os seguintes propósitos:
(1) para livrarem-se das armadilhas do Terceiro Bardo;
(2) para prolongar a sessão, assegurando assim um grau máximo de iluminação;
(3) par selecionar uma reentrada favorável, isto é, voltar numa personalidade pós-sessão mais sábia e pacífica.
Embora não se possa estimar ao certo o tempo, os tibetanos estimam que perto de 50% de toda a experiência psicodélica é passada no Terceiro Bardo para a maioria das pessoas normais. Às vezes, como indicado na Introdução, pode-se ir direto ao período de reentrada se a pessoa não estiver preparada para as experiências de ego-perda dos dois primeiros Bardos ou se assustar-se com elas.
Os tipos de reentradas feitas podem colorir profundamente as atitudes e sentimentos subseqüentes da pessoa em relação a si mesma e ao mundo, por semanas ou até meses. Uma sessão predominantemente negativa e cheia de medo ainda pode ser uma grande vantagem e muito pode ser aprendido dela, contanto que a reentrada seja positiva e altamente consciente. Inversamente, uma experiência feliz e revelatória pode tornar-se sem valor por um reentrada negativa ou temerosa.
As instruções chave do Terceiro bardo são: (1) não faça nada, permaneça calmo(a), passivo(a) e relaxado(a), não importa o que aconteça; e (2) perceba onde você está. Se não perceber, você será dirigido(a) pelo medo e fará uma reentrada prematura e desfavorável. Somente por essa percepção você pode manter esse estado de concentração calma e passiva necessária para uma reentrada favorável. Este é o porquê de tantos pontos de reconhecimento terem sido dados. Se você falhar em um, é sempre possível que até o final você tenha sucesso em outro. Portanto, esses ensinamentos devem ser lidos cuidadosamente e bem lembrados.
Nas seções seguintes algumas das experiências características do Terceiro Bardo são descritas. Na parte IV são dadas instruções apropriadas para cada seção. Nesse estágio, em uma sessão psicodélica, geralmente o viajante é capaz de dizer verbalmente ao guia o que está experienciando, e então as seções apropriadas podem ser lidas. Um guia sábio normalmente consegue sentir a natureza precisa da luta sem palavras do ego. Normalmente, o viajante não experienciará todos esses estados, mas apenas um ou alguns deles; ou às vezes o retorno à realidade pode dar voltar completamente novas e não-usuais. Em tal caso as instruções gerais para o Terceiro Bardo devem ser enfatizadas è TERCEIRO BARDO: INSTRUÇÕES PRELIMINARES.
I. Descrição Geral do Terceiro Bardo
Normalmente, a pessoa desce, passo a passo, a estados mais baixos (mais constritos) da consciência. Cada passo abaixo pode ser precedido de um desmaio desconsciente. Ocasionalmente a descida pode ser súbita, e a pessoa achará a si mesma sacudida de volta a uma visão da realidade que, por contraste das fases precedentes, parece enfadonha, estática, dura, angular, feia e com jeito de marionete. Tais mudanças podem induzir medo e ela pode lutar desesperadamente para retornar à realidade familiar. Ela pode ficar presa a perspectivas irracionais ou mesmo bestiais que então dominam toda a sua consciência. Esses elementos primitivos e tacanhos originam-se de aspectos da sua própria história pessoal que são normalmente reprimidos. A consciência mais esclarecida dos dois primeiros Bardos e os elementos civilizados da vida desperta são postos de lado em favor de poderosos impulsos, obsessivos e primitivos, que são de fato apenas partes instintivas apagadas da personalidade total do viajante. A sugestionabilidade da consciência do Bardo faz com que elas pareçam todo-poderosas e insuportáveis.
Por outro lado, o viajante também pode sentir que possui poderes sobrenormais de percepção e movimento, que pode executar milagres, façanhas extraordinárias de controle corporal etc. O livro tibetano definitivamente atribui faculdades paranormais à consciência do viajante do bardo e as explica como sendo devidas ao fato de a consciência do Bardo abranger elementos futuros assim como passados. Daí a clarividência, telepatia, PES etc. São ditas possíveis. Evidências objetivas não indicam se essa sensação de perceptividade aumentada é real ou ilusória. Portanto, deixamos esta questão em aberto, para ser decidida por evidências empíricas.
Este é o primeiro ponto de reconhecimento do Terceiro bardo. A sensação de percepção e desempenho sobrenormais. Assumindo que isso seja válido, o manual adverte o viajante a não ficar fascinado por seus poderes, e a não exercê-los. Na prática iogue, os mais avançados dos lamas ensinam os discípulos a não buscar poderes psíquicos desta natureza por interesse próprio; pois até que o discípulo seja moralmente capaz de usá-los sabiamente, eles se tornam um impedimento sério ao seu mais alto desenvolvimento espiritual. E até que a natureza egoísta do homem, envolta em jogos, esteja completamente dominada, não é seguro usá-los.
Um segundo sinal da existência do Terceiro bardo são experiências de pânico, tortura e perseguição. Elas distinguem-se das visões coléricas do Segundo bardo no que parecem definitivamente envolver o próprio “ego enclausurado por pela” da pessoa. Pode-se ter alucinações de vultos manipuladores, controladores da mente e demônios de aspecto horrível. A forma que tomam esses demônios torturadores dependerá do background cultural da pessoa. Onde os tibetanos vêem demônios e bestas de grandes presas, um ocidental pode ver maquinário impessoal de trituração, ou aparelhos de despersonalização e controle de diferentes variedades futurísticas. Visões da destruição do mundo, morte ao modo da ficção espacial, e alucinações de ser-se engolfado por poderes destrutivos também virão; e sons do aparato de controle da mente, da “maquina de neblina da debulhadora”[18], dos equipamentos que movem o cenário do show de marionetes, de raivosos mares transbordantes, e de fogo crepitante e ventos ferozes soprando, e de gargalhada jocosa.
Quando esses sons e visões vierem, o primeiro impulso será fugir de medo deles, não importando para onde se vá, desde que vá-se embora. Em experiências de drogas psicodélicas, a pessoa pode nesse momento implorar ou exigir ser trazida “de volta disso” por meio de antídotos e tranqüilizantes. A pessoa pode ver-se prestes a cair em profundos e assustadores precipícios. Eles simbolizam as assim chamadas paixões más que, com drogas narcóticas, escravizam e obrigam a humanidade à existência em redes-de-jogos (sangsara): raiva, luxúria, estupidez, orgulho ou egoísmo, ciúme e poder controlador. Tais experiências, do mesmo modo que as anteriores de poder aumentado, devem ser consideradas fatores de reconhecimento do Terceiro Bardo. Não se pode nem fugir da dor nem perseguir o prazer. Reconhecimento é tudo o que é necessário – e o reconhecimento depende da preparação.
Um terceiro sinal é um tipo de vagar irrequieto e infeliz que pode ser puramente mental ou envolver movimento físico. A pessoa sente-se como que levada por ventos (ventos do carma) ou manobrada mecanicamente. Podem haver breves pausas em certos lugares ou cenários no mundo humano “ordinário”. Como uma pessoa viajando sozinha à noite numa rodovia, tendo sua atenção atraídas por pontos de referência proeminentes, grandes árvores isoladas, casas, postes, templos, barraquinhas de cachorro quente etc., a pessoa no período de reentrada tem experiências similares. Ela pode exigir retornar aos redutos familiares no mundo humano. Mas cada evento exterior é temporário e logo o vagar irrequieto recomeçará. Pode vir um desejo desesperado de telefonar ou contatar de alguma forma a família, o seu médico, os amigos e apelar-lhes que lhe tirem desse estado. Deve-se resistir ao desejo. O guia e os colegas viajantes podem ser a melhor assistência. Não deve-se tentar envolver os outros no seu mundo alucinatório. A tentativa falhará de qualquer modo, uma vez que quem está de fora é geralmente incapaz de entender o que está acontecendo. Novamente, simplesmente reconhecer esses desejos como manifestações do Terceiro Bardo já é o primeiro passo rumo à libertação.
Uma quarta experiência, mais comum, é a seguinte: a pessoa pode sentir-se estúpida e cheia de pensamentos incoerentes, uma vez que todos os demais parecem ser perfeitamente cúmplices e sábios. Isto leva a sentimentos de culpa e inadequação e na forma extrema à Visão do Julgamento, descrita a seguir. Esse sentimento de estupidez é meramente o resultado natural da perspectiva limitada sob a qual a consciência está operando neste Bardo. Aceitação calma e relaxada fará com que o viajante seja capaz de libertar-se neste ponto.
Uma outra experiência, o quinto fator de reconhecimento, que é especialmente impressionante quando ocorre subitamente, é a sensação de estar morto(a), apartado(a) da vida ao redor, e cheio(a) de tristeza. A pessoa pode acordar com uma sacudidela de algum desmaio estuporante e experienciar a si mesma e aos outros como robôs sem vida, fazendo gestos amadeirados sem sentido. Ela pode sentir que nunca voltará e lamentará por seu estado miserável.
Novamente, tais fantasias devem ser reconhecidas como a tentativa do ego de recuperar o controle. No estado verdadeiro de ego-morte, como ocorre no Primeiro ou Segundo Bardos, tais queixas não são feitas jamais.
Sexto, pode-se ter a sensação de estar-se oprimido(a) ou esmagado(a) ou espremido(a) em rachaduras e fendas entre rochas e pedregulhos. Ou a pessoa pode sentir que um tipo de rede metálica ou de gaiola podem prendê-la. Isto simboliza a tentativa prematura de entrar num ego-robô que é inadequado ou não-equipado para interagir com a consciência expandida. Portanto, deve-se relaxar o desejo apavorado de recuperar um ego.
Um sétimo aspecto é um tipo de luz cinza com jeito de crepúsculo banhando tudo, que está em contraste com as luzes e cores brilhantemente radiantes dos estágios anteriores da viagem. Os objetos, ao invés de brilhar, luzindo e vibrando, são agora sombriamente coloridos, surrados e angulares.
As passagens è TERCEIRO BARDO: INSTRUÇÕES PRELIMINARES contêm instruções gerais para o estado do Terceiro Bardo e seus fatores reconhecíveis. Qualquer ma ou todas as passagens podem ser lidas quando o guia sentir que o viajante estiver começando a voltar ao ego.
II. Visões de Reentrada
Na seção precedente os sintomas da reentrada foram descritos, os sinais de que o viajante está tentando recuperar seu ego. Nesta seção são descritas visões dos tipos de reentrada que se pode fazer.
O manual tibetano concebe o viajante retornando finalmente a um dos seis mundos do jogo existência (sangsara). Ou seja, a reentrada no ego pode ter lugar em seis níveis, ou como um dos seis tipos de personalidade: dois desse são mais elevados que o humano normal, três são mais baixos. O nível mais elevado, mais iluminado, é aquele dos devas, que são o que os ocidentais chamam santos, sábios ou professores divinos. São as mais esclarecidas pessoas caminhando sobre a terra. O Gautama Buda, Lao Tsé, Cristo. O segundo nível é aquele dos asuras, que podem ser chamados titãs ou heróis, pessoas com um grau de poder e visão a mais que o humano. O terceiro grau é aquele da maioria dos seres humanos normais, lutando contra redes de jogos, ocasionalmente se libertando. O quinto nível é aquele das encarnações primitivas e animalísticas. Nesta categoria temos o cão e o gato, símbolos da hipersexualidade concomitante com ciúmes; o porco, simbolizando a estupidez lasciva e a sujidade; a formiga industriosa e acumuladora; o inseto ou verme significando uma disposição baixa ou terrena; a serpente, transmitindo raiva; o macaco, cheio de alvoroçada força primitiva; o “lobo da estepe” a grunhir; o passarinho, voando livremente. Muitos mais poderiam ser enumerados. Em todas as culturas do mundo as pessoas têm adotado identidades na forma de animais. Na infância e nos sonhos este é um processo familiar a todos. O quinto nível é o dos espíritos sem vida, frustrados e neuróticos, sempre a perseguir desejos insatisfeitos; o sexto ou mais baixo nível é o inferno ou psicose. Menos de um por cento das experiências de ego-transcendência terminam em santidade ou psicose. A maioria das pessoas retorna ao nível humano normal.
De acordo com o Livro Tibetano dos Mortos, cada um dos seis mundos de jogo, ou níveis de existência está associado com um tipo característico de escravidão, do qual as experiências de não-jogos dão liberdade temporária: (1) a existência como um deva, ou santo, embora mais desejável que as outras, é simultânea com um ciclo periódico interminável de prazeroso êxtase livre de jogos; (2) a experiência como asura, ou titã, é simultânea com combates heróicos incessantes; (3) incapacidade e escravidão são características da existência animal; (4) tormentos de necessidades e desejos insatisfeitos são característicos da existência dos pretas, ou espíritos infelizes; (5) os impedimentos característicos da existência humana são a inércia, a ignorância presunçosa, desvantagens físicas ou fisiológicas, entre outras.
De acordo com o Bardo Thodol, o nível um é distinto por ser determinado pelo carma. Durante o período do Terceiro Bardo, sinais e visões premonitórios de diferentes níveis aparecem, aquele para o qual se está prestando atenção aparece mais claramente. Poe exemplo, o viajante pode sentir-se cheio de poder como que divino (asuras), ou pode sentir-se excitado por impulsos primitivos ou bestiais, ou pode experimentar a frustração dos infelizes neuróticos, ou tremer ante as torturas do inferno criado por si mesmo.
As chances de fazer uma reentrada favorável aumentam se deixa-se o processo seguir seu próprio curso natural, sem esforço ou luta. Deve-se evitar perseguir ou fugir de qualquer uma das visões, porém meditar calmamente sobre o conhecimento de que todos os níveis existem no Buda, também.
Pode-se reconhecer e examinar os sinais assim que eles aparecerem e aprender um bocado sobre si mesmo num tempo bem curto. Embora seja imprudente lutar contra ou fugir das visões que vêm neste período, as è INSTRUÇÕES PARA AS VISÕES DE REENTRADA são feitas para ajudar o viajante a recuperar a transcendência do Primeiro Bardo. Desta maneira, se a pessoa achar-se prestes a retornar a uma personalidade ou a um ego que ela julgue inapropriados a seu novo conhecimento acerca de si mesma, ela pode, segundo as instruções, evitar isso e fazer uma reentrada legal.
III. A Influência Todo-Determinante do Pensamento
A libertação pode ser obtida, por tal confrontação, mesmo que não pudesse anteriormente. Se, entretanto, a libertação não é obtida mesmo depois dessas confrontações, aplicação adicional continuada é essencial.
Caso você sinta apego por posses materiais, por velhos jogos e atividades, ou se você sentir algo assim porque outras pessoas ainda estão envolvidas em passatempos aos quais você renunciou, isso afetará o balanço psicológico de tal maneira que mesmo se destinado(a) a retornar num nível mais elevado. Você na verdade reentrará num nível inferior no mundo de espíritos insatisfeitos (neurose). Por outro lado, mesmo se você sentir apego pelos scripts mundanos aos quais renunciou, você não será capaz de interpretá-los, e eles não lhe serão úteis. Portanto, abandone a fraqueza e o apego a eles; livre-se deles totalmente; renuncie de coração a eles. Não importa quem possa estar aproveitando as suas posses, ou tomando o seu papel, não tenha sentimentos de mesquinhez e ciúmes, mas esteja preparado para renunciar a eles de boa vontade. Pense que você os está ofertando à sua divindade interior e à sua consciência expandida. Atenha-se ao sentimento de desapego, destituído de fraqueza e ânsia.
Novamente, quando as atitudes de outros membros da sessão forem erradas, descuidadas, desatentas ou distraídas, quando o acordo ou o contato se quebrarem, e quando a pureza de intenção for perdida por algum participante, e a frivolidade e a negligência tomarem lugar (tudo isso pode ser visto claramente pelo viajante do Bardo) você pode sentir falta de fé e começar a duvidar se suas crenças. Você será capaz de perceber qualquer medo ou ansiedade, quaisquer ações egoístas, condutas egocêntricas ou comportamentos manipuladores. Você pode pensar: “Ei! Eles estão me enganando, trapacearam.” Se você pensar assim, ficará extremamente deprimido(a), e devido a um grande ressentimento você adquirirá descrença e falta de fé, em vez de afeição e sincera confiança. Se isto afetar o balanço psicológico, a reentrada far-se-á certamente num nível desagradável.
Tal pensamento não somente não terá utilidade nenhuma, como fará um grande mal. Embora impróprio o comportamento de outro, pense assim: “O quê? Como podem as palavras do Buda serem inapropriadas? É como o reflexo das manchas no meu próprio rosto que vejo no espelho; meus próprios pensamentos devem ser impuros. Como para os outros, elas (palavras) são nobres no corpo, santas na fala, e o Buda está dentro delas: seus atos são lições para mim.”
Assim pensando, tenha confiança em seus companheiros e exerça amor sincero em relação a eles. Então o que quer que ele façam será em seu benefício. O exercício desse amor é muito importante; não se esqueça disto!
Novamente, mesmo se você estiver destinado(a) a retornar num nível inferior e já estiver indo em direção àquela existência, devido aos bons feitos de amigos, parentes, participantes, professores eruditos que devotam a si mesmos de todo o coração ao desenvolvimento correto dos rituais de benefício, o deleite proveniente do seu grande entusiasmo ao vê-los, por sua própria virtude, afetará de tal forma o balanço psicológico que embora dirigindo-se para baixo, você pode ainda chegar a um nível mais elevado e feliz. Portanto, você não deve criar pensamentos egoístas, mas exercer a afeição pura e a fé sincera em relação a todos, imparcialmente. Isto é altamente importante. Então, seja extremamente cuidadoso(a).
As è INSTRUÇÕES PARA A TODO-DETERMINANTE INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO são úteis em qualquer fase do Terceiro Bardo, mas particularmente se o viajante estiver reagindo com suspeita ou ressentimento em relação a outros membros do grupo, ou a seus próprios amigos e parentes.
IV. Visões do Julgamento
A visão do julgamento pode vir: o jogo de culpa do Terceiro Bardo. “Seu gênio bom contará seus bons feitos com seixos brancos, o gênio mal contará os maus feitos com seixos negros.” Uma cena de julgamento é parte central de muitos sistemas religiosos, e a visão pode assumir diversas formas. É mais provável que os ocidentais a vejam na bem conhecida versão cristã. Os tibetanos dão uma interpretação psicológica a esta bem como a todas as demais visões. O Juiz, o Senhor da Morte, simboliza a própria consciência em seu aspecto severo de imparcialidade e amor pela integridade. O “Espelho do Carma” (o Livro cristão do Julgamento), consultado pelo Juiz, é a memória. Diferentes partes do ego virão à frente, algumas oferecendo desculpas pouco convincentes para enfrentar acusações, e outras atribuindo motivos a vários feitos, contando feitos aparentemente neutros entre os negros; outras ainda oferecerão justificativas ou pedirão perdão. O espelho da memória reflete claramente; mentiras e subterfúgios não ajudarão. Não se assuste, não conte mentiras, encare sem medo a verdade.
Agora você pode imaginar-se cercado(a) por vultos que desejam atormentá-lo(a), torturá-lo(a) ou ridicularizá-lo(a) (as “Fúrias Executoras do Robótico Senhor da Morte”). Essas figuras impiedosas podem ser interiores ou envolver as pessoas ao seu redor, vistas como impiedosas, jocosas e superiores. Lembre-se de que o medo e a culpa, a perseguição e as figuras jocosas são suas próprias alucinações. Sua própria máquina de culpa. Sua personalidade é uma coleção de padrões de pensamento e vazio. Não pode ser ferida. “Espadas não podem perfurá-la, o fogo não pode queimá-la.” Liberte-se de suas próprias alucinações. Na realidade, não existem coisas tais quais o Senhor da Morte, ou um deus ou demônio ou espírito distribuidores da justiça. Aja de forma a reconhecer isto.
Reconheça que você está no Terceiro Bardo. Medite sobre seu símbolo ideal. Se você não sabe como meditar, então apenas analise com grande cuidado a natureza real do que o(a) está assustando. A “Realidade” não é nada além de vazio (Dharma-Kaya). Esse vazio não é do vazio da nulidade, mas um vazio na natureza verdadeira na qual você sente-se impressionado(a), e ante a qual sua consciência brilha mais clara e lucidamente. [Este é o estado da mente conhecido como “Sambhoga-Kaya.” Neste estado, você experiencia, com intensidade insuportável, Vazio e Brilho inseparáveis – o brilho por natureza do Vazio e o Brilho inseparável do Vazio – um estado da consciência não-modificada ou primordial, que é Adi-Kaya. E a força desta, brilhando desobstruidamente, irradiará por toda a parte; é a Nirmana-Kaya.
Isto refere-se aos Ensinamentos de Sabedoria fundamentais do bardo Thodol. Em todos os sistemas tibetanos de ioga, a realização do Vazio é o grande objetivo. Realizá-lo é alcançar o Dharma-Kaya incondicionado, ou “Corpo Divino da Verdade”, o estado primordial da incriadozice[19], da Toda-Consciência sobre-humana. O Dharma-Kaya é o mais elevado dos três corpos do Buda e de todos os budas e seres que tem o perfeito esclarecimento. Os outros dois corpos são o Sambhoga-Kaya ou “Corpo Divino da Perfeita Doação” e o Nirmana-Kaya ou “Corpo Divino da Encarnação”. Adi-Kaya é sinônimo de Dharma-Kaya. O Dharma-Kaya é primordial, Sabedoria Essencial sem forma; é a experiência verdadeira livre de todo erro ou obscurecimento inerente ou acidental. Inclui o Nirvana e o Sangsara, que são estados polares da consciência, mas idênticos no reino da consciência pura. O Sambhoga-Kaya, corporifica, como nos cinco Dhyani Budas, Sabedoria Refletida ou Modificada; e o Nirmana-Kaya corporifica, como nos Budas Humanos, a Sabedoria Prática ou Encarnada. Todos os seres esclarecidos renascem neste ou em outros mundos com consciência plena, como trabalhadores pelo melhoramento das suas criaturas semelhantes, são chamados de encarnados Nirmana-Kaya. O Lama Kazi Dawa-Samdup, o tradutor do Bardo Thodol, considera que o Adi-Buda, e todas as deidades associadas com o Dharma-Kaya não devem ser considerados como deidades pessoais, mas como personificações das força, leis e influências espirituais primordiais e universais. “No panorama sem fronteiras do universo existente e visível, quaisquer formas que apareçam, quaisquer consciências que conjeturem, todos são o jogo da manifestação no Tri-Kaya, o Princípio Triplo da Causa de Todas as causas, a Trindade Primordial. Cobrindo tudo, está a Essência Todo-Impregnante do espírito, que é a Mente. Ela é não-criada, impessoal, auto-existente, imaterial e indestrutível”. A Tri-Kaya é a trindade esotérica e corresponde à trindade exotérica de Buda, as Escrituras e o Clero (ou a sua própria divindade, este manual e seus companheiros).]
Se o viajante estiver lutando com alucinações de culpa e penitência, as è INSTRUÇÕES PARA AS VISÕES DO JULGAMENTO podem ser lidas.
V. Visões Sexuais
Visões sexuais são extremamente freqüentes no terceiro bardo. Você pode imaginar machos e fêmeas copulando. [De acordo com Jung (“Comentário Psicológico” ao Livro tibetano dos Mortos, edição de Evans-Wentz, p. XIII), “a teoria de Freud é a primeira tentativa feita no ocidente para investigar, como que a partir de baixo, a partir da esfera animal do instinto, o território psíquico que corresponde no Lamaísmo Tântrico ao Sidpa Bardo.” A visão aqui descrita, na qual a pessoa vê mãe e pai em intercurso sexual, corresponde ao “cenário primal” na psicanálise. Neste nível, então, começamos a ver uma notável convergência das psicologias oriental e ocidental. Note também a correspondência exata da teoria psicanalítica do Complexo de Édipo.] Esta visão pode ser interior ou envolver as pessoas ao seu redor. Você pode ter alucinações de orgias multipessoais e experimentar tanto desejo quanto vergonha, atração e repugnância. Você pode perguntar-se sobre que performance sexual é esperada de você e ter dúvidas acerca de sua capacidade de desempenhá-la nesse momento.
Quando as visões ocorrerem, lembre-se de apartar-se da ação ou do apego. Tenha fé e flutue gentilmente com o fluxo. Confie na unidade da vida e em seus companheiros.
Se você tentar entrar no antigo ego porque está atraído ou sentindo repulsa, se você tentar juntar-se ou escapar da orgia que está alucinando, você reentrará num nível animal ou neurótico. Se você ficar cônscio da “virilidade”, ódio em relação ao pai, juntamente com ciúmes em relação à mãe serão experimentados; se você se tornar cônscia da “feminilidade”, ódio da mãe juntamente com atração e carinho pelo pai serão experimentados.
Talvez seja dispensável dizer que este tipo de sexualidade auto-centrada tem pouco em comum com a sexualidade das experiências transpessoais. União física pode ser uma manifestação da união cósmica.
Visões de união sexual podem às vezes ser seguidas por visões da concepção – você pode realmente ver o esperma se unido ao óvulo –, da vida intra-uterina e do nascimento a partir do útero. Algumas pessoas dizem ter revivido seu próprio nascimento físico em sessões psicodélicas e ocasionalmente foram postas evidências confirmando essas alegações. Se é assim ou não é uma questão a ser deixada para ser decidida por evidências empíricas. Às vezes as visões do nascimento serão claramente simbólicas – por exemplo, emersão de um casulo, sair de uma concha etc.
Se a visão do nascimento é construída da memória ou se da fantasia, o viajante psicodélico deve tentar reconhecer os sinais indicadores do tipo de personalidade que está renascendo.
As è INSSTRUÇÕES PARA AS VISÕES SEXUAIS podem ser lidas ao viajante que esteja lutando com alucinações sexuais.
VI. Métodos de Prevenção da Reentrada
Embora muitas confrontações e pontos de reconhecimento tenham sido dados, a pessoa pode estar despreparada e ainda vagar de volta ao jogo realidade. É vantajoso adiar o retorno tanto quanto possível, maximizando assim o grau de esclarecimento na personalidade subseqüente. Por esta razão, quatro métodos meditativos soa dados para prolongar o estado de ego-perda. São eles (1) meditação sobre o Buda ou o guia; (2) concentração em bons jogos; (3) meditação sobre a ilusão; (4) meditação sobre o vazio. Veja os è QUATRO MÉTODOS DE PREVENÇÃO DA REENTRADA. Cada um tenta levar o viajante de volta ao fluxo central de energia do Primeiro Bardo do qual ele foi separado por envolvimentos com jogos. Poe-se perguntar como esses métodos meditativos, que parecem difíceis à pessoa ordinária, podem ser eficazes. A resposta dada no Bardo Thodol Tibetano é que devido à sugestionabilidade aumentada e à abertura da mente no estado psicodélico esses métodos podem ser usados por qualquer um, a despeito da capacidade intelectual ou da proficiência em meditação.
VII. Métodos de escolha de Personalidade Pós-Sessão
Escolher o ego pós-sessão é uma arte extremamente profunda e não deve ser tentada descuidada ou apressadamente. Não deve-se voltar fugindo dos atormentadores alucinatórios. Tal reentrada tenderá a trazer a pessoa a um dos três níveis inferiores. Deve-se primeiro banir o medo por meio da visualização de uma figura protetora particular ou do Buda; então escolha cama e imparcialmente. O conhecimento disponível ao viajante deve ser usado para fazer uma escolha sábia. Na tradição tibetana cada um dos níveis do jogo-existência está associado com uma cor particular e também com certos símbolos geográficos. Estes podem ser diferentes para ocidentais do século XX. Cada pessoa tem que aprender a decifrar seu próprio mapa rodoviário interior. Os indicadores tibetanos podem ser usados como um ponto de partida. A proposta é clara: deve-se seguir os sinais dos três tipos mais elevados e afastar-se daqueles dos três inferiores. Deve-se seguir a luz e as visões prazerosas e afastar-se das monótonas e da escuridão.
Diz-se do mundo dos santos (devas) que brilha com uma luz branca e é precedido por visões de templos encantadores e mansões ajoalhadas. O mundo dos heróis (asuras) tem uma luz verde e é assinalado por imagens de florestas mágicas e fogo. O mundo humano ordinário tem uma luz amarela. A existência animal é anunciada por uma luz azul e imagens de cavernas e buracos fundos na terra. O mundo dos espíritos neuróticos ou insatisfeitos tem uma luz vermelha e visões de planícies desoladas e ermos florestais. O mundo infernal emite uma luz cor de fumaça e é precedido por sons de gemidos, visões de terra sombrias, casas pretas e brancas e estradas negras pelas quais você tem que viajar.
Use sua prudência para escolher um bom robô pós-sessão. Não seja atraído ao seu antigo ego. Se você decidir perseguir poder, ou status, ou sabedoria, ou saber, ou servidão, ou o que quer que seja, escolha imparcialmente, sem ser atraído(a) ou repelido(a). Entre no jogo-existência de boa graça, voluntária e livremente. Visualize-o como uma mansão celestial, isto é, como uma oportunidade de exercer o jogo-êxtase. Tenha fé na proteção das divindades e escolha. A disposição de completa imparcialidade é importante já que você pode cair em erro. Um jogo que parece bom pode mais tarde tornar-se ruim. Completa imparcialidade, liberdade de desejo ou medo, asseguram que um escolha maximamente sábia será feita.
Enquanto retorna você pode ver dispersar-se ante si o mundo, sua antiga vida, um planeta cheio de objetos e eventos fascinantes. Logo você estará descendo para tomar seu lugar em eventos mundanos. A chave desta viagem de volta é apenas isto: vá na boa, devagar, naturalmente. Aproveite cada segundo. Não corra. Não se apegue aos seus antigos scripts. Reconheça que você está no período de reentrada. Não volte com qualquer pressão emocional. Tudo o que você vir ou tocar pode brilhar com irradiação. Cada momento pode ser uma agradável descoberta.
Aqui termina o Terceiro Bardo, o Período da Reentrada.
CONCLUSÃO GERAL
Estudantes bem preparados com avançado entendimento espiritual podem usar o princípio da “Transferência” no momento da ego-morte e não precisam atravessar os estados do Bardo subseqüentes. Eles alçarão a um estado de iluminação e permanecerão lá o tempo todo. Outros, um pouco menos experientes em disciplina espiritual, reconhecerão a serena Luz no segundo estágio do Primeiro Bardo e então alcançarão a libertação. Outros, num nível ainda menos adiantado, podem ser libertados enquanto experienciam uma das visões positivas ou negativas do Segundo Bardo. Já que há várias guinadas, a libertação pode ser obtida numa ou noutra através do reconhecimento nos momentos de confrontação. Aqueles de conecção cármica muito fraca, isto é, aqueles envolvidos em scripts ego-dominados muito agudos, terão de vagar em direção ao Terceiro Bardo. Novamente, muitos pontos de libertação foram traçados. As pessoas mais fracas cairão sob a influência da culpa e do medo. Para as pessoas mais fracas, há várias lições para prevenir a volta à realidade rotineira, ou pelo menos para escolhê-la sabiamente. Aplicando os métodos de visualização descritos, elas devem ser capazes de experimentar os benefícios da sessão. Mesmo àquelas pessoas cujas rotinas familiares são primitivas e egocêntricas pode-se prevenir que caiam na tristeza. Uma vez que tenham experimentado, mesmo que por um curto período, a grande beleza e força da consciência livre, elas podem, da próxima vez, encontrar um guia ou amigo que as iniciem mais adiante no caminho.
O modo pelo qual este ensinamento é eficaz, mesmo para um viajante que já esteja no Sidpa Bardo, é o seguinte: cada pessoa tem alguns resíduos-de-jogos (carma) positivos e alguns negativos. A continuidade da consciência foi quebrada por uma ego-morte para a qual a pessoa não estava preparada. Os ensinamentos são como um borbulho d’água num bueiro quebrado, restaurando temporariamente a continuidade com o carma positivo. Como afirmado antes, a extrema sugestionabilidade ou qualidade imparcial da consciência neste estado assegura a eficácia da audição da doutrina. O ensinamento encravado neste Manual pode ser comparado a uma catapulta que pode direcionar a pessoa ao objetivo da libertação. Ou como o movimento de uma grande viga de madeira, que é tão pesada que uma centena de homens não pode carregá-la, mas que ao flutuar sobre a água pode ser facilmente movida. Ou como controlar o passo e a direção de um cavalo pelo uso de um freio.
Portanto, estes ensinamentos devem ser vivamente incutidos ao viajante, de novo e de novo. Este Manual também pode ser usado mais geralmente. Deve ser recitado coma maior freqüência possível e alocado na memória tanto quanto possível. Quando a ego-morte ou a morte real vierem, reconheça os sintomas, recite o manual a si mesmo(a), e reflita sobre o seu significado. Se não puder fazer isto por si mesmo(a), peça a um amigo para lê-lo para você. Não há dúvida acerca de seu poder libertador.
Ele liberta ao ser lido ou ouvido, sem necessidade de um ritual ou de meditação complexa. Este Ensinamento Profundo liberta aqueles de carma muito ruim através do Caminho Secreto. Não se deve esquecer o seu significado e as palavras, mesmo se perseguido por sete mastins. Por meio deste Seleto Ensinamento, se obtém a Budidade no momento da ego-perda. Mesmo se os Budas do passado, do presente e do futuro procurassem, eles não encontrariam qualquer doutrina que transcendesse esta.
Aqui termina o Bardo Thodol, conhecido como Livro Tibetano dos Mortos.
III
ALGUNS COMENTÁRIOS TÉCNICOS SOBRE SESSÕES PSICODÉLICAS
1. Uso Deste Manual.
O uso mais importante deste manual é como leitura preparatória. Tendo lido o Manual Tibetano, pode-se reconhecer imediatamente os sintomas e experiências que poderiam de outra forma ser terrificantes, simplesmente por causa da falta de entendimento acerca do que está acontecendo. Reconhecimento é a palavra chave.
Secundariamente, este manual pode ser usado para evitar ciladas paranóicas ou para recuperar a transcendência do Primeiro Bardo se ela se perdeu. Se a experiência começar com luz, paz, unidade mística, entendimento, e se continuar nesse caminho, então não há necessidade de lembrar-se deste manual ou tê-lo relido para você. Como a um mapa rodoviário, consulte-o apenas se perder-se, ou se quiser mudar de curso. Normalmente, entretanto, o ego se agarra a seus antigos scripts. Podem haver desconforto ou confusão momentâneos. Se isso acontecer, os demais presentes não devem ser simpáticos ou demonstrar inquietação. Eles devem estar preparados para ficar calmos e reprimir seus “jogos de ajuda”. Em particular, o papel de “médico” deve ser evitado.
Se a qualquer hora você se achar lutando para voltar à realidade rotineira, você pode ter (por acordo prévio) uma pessoa mais experiente, um companheiro viajante, ou um observador de confiança, lendo partes deste manual para você.
Passagens apropriadas para ler durante a sessão são dadas na Parte IV a seguir. Cada seção descritiva principal do Livro Tibetano tem um texto de introdução apropriado. Pode-se querer anotar previamente as passagens selecionadas e simplesmente folhear as anotações quando desejado. O objetivo constante destes textos de instruções é levar o viajante de volta à transcendência original do Primeiro bardo e ajudar a mantê-la tanto quanto possível.
Um terceiro uso seria construir um “programa” para uma sessão usando passagens do texto. O objetivo seria levar o viajante a uma das visões deliberadamente, ou através de uma seqüência de visões. O guia ou amigo poderia ler as passagens relevantes, mostrar slides ou fotos ou figuras simbólicas de processos, tocar música cuidadosamente selecionada etc. Pode-se prever uma alta arte da programação de sessões psicodélicas, na qual manipulações e apresentações simbólicas levariam o viajante através de extáticos e visionários Jogos de Contas[20].
2. Planejando uma Sessão.
Ao planejar uma sessão, a primeira questão a ser decidida é “qual é o objetivo?”. O Hinduísmo Clássico sugere quatro possibilidades:
(1) Pelo aumentado poder pessoal, entendimento intelectual, discernimento aguçado de si e da cultura, melhora da situação de vida, aprendizado acelerado, crescimento profissional.
(2) Por dever, ajuda a outros, providenciando carinho, reabilitação, renascimento para semelhantes.
(3) Por divertimento, aproveitamento sensual[21], prazer estético, aproximação interpessoal, experiência pura.
(4) Pela transcendência, libertação dos limites do ego e do espaço-tempo; alcance da união mística.
Este manual visa primariamente ao último objetivo – o da libertação-esclarecimento. Esta ênfase não exclui a consecução dos demais objetivos – de fato, ela garante a sua consecução porque a iluminação requer que a pessoa seja capaz de ir além dos problemas dos scripts como personalidade, papel e status social. O iniciado pode decidir antes devotar a experiência psicodélica a qualquer dos quatro objetivos. O manual será de ajuda em todo caso.
Se há várias pessoas tendo uma sessão juntas, elas devem entrar em acordo por um objetivo colaborativamente, ou pelo menos estar conscientes dos objetivos de cada um. Se a sessão é para ser “programada”, então os participantes devem concordar colaborativamente quanto a um programa ou desing, ou concordar em deixar que um membro do grupo elabore a programação. Manipulações inesperadas ou indesejadas por parte de um dos participantes podem facilmente “prender” os outros viajantes nas ilusões paranóicas do Terceiro Bardo.
O viajante, especialmente numa sessão individual, pode também desejar ter uma experiência extrovertida ou introvertida. Na experiência transcendente extrovertida, o self está extaticamente fundido com objetos exteriores (por exemplo, flores ou outras pessoas). No estado introvertido, o self está fundido com processos vitais interiores (luzes, ondas de energia, eventos corporais, formas biológicas etc.). é claro, ambos os estados extrovertido ou introvertido podem ser mais negativos que positivos, dependendo da atitude do viajante. Também podem ser primariamente conceituais ou primariamente emocionais. Os oito tipos de experiências assim distinguidas (quatro positivas e quatro negativas) foram descritos mais propriamente nas Visões 2 a 5 do Segundo Bardo.
Para a experiência mística extrovertida traría-se à sessão objetos ou símbolos para guiar a consciência na direção desejada. Velas, fotos, livros, incenso, música ou passagens anotadas. Uma experiência mística introvertida requer a eliminação de toda estimulação: nada de luz, som, cheiro ou movimento.
O modo de comunicação com os outros participantes deve também ser pré-definido. Vocês podem concordar quanto a certos sinais, indicando silenciosamente o companheirismo. Podem estabelecer contato físico – dar-se as mãos, abraçar-se. Esses meios de comunicação devem ser preestabelecidos para evitar as más interpretações provenientes dos scripts[22]que podem desenvolver-se durante a sensibilidade elevada da transcendência do ego.
3. Drogas e Dosagens.
Uma ampla variedade de produtos químicos e plantas tem efeitos psicodélicos (“manifestados na mente”). As substâncias mais largamente usadas são listadas aqui juntamente com as doses adequadas para um adulto normal de porte médio. A dosagem a ser tomada depende, é claro, do objetivo da sessão. Dois números são dados portanto. A primeira coluna indica a dosagem que deve ser suficiente para que uma pessoa inexperiente entre nos mundos transcendentais descritos neste manual. A segunda coluna dá um número de dosagem menor, que pode ser usada por pessoas mais experientes ou por participantes numa sessão de grupo.
LSD-25 (dietilamida de ácido lisérgico)
Mescalina
Psilocibina
200-500 microgramas
600-800 mg
40-60 mg
100-200 microgramas
300-500 mg
20-30 mg
O tempo de espera para o começo, quando as drogas são tomadas oralmente e de estômago vazio, é de aproximadamente 20 a 30 minutos para o LSD e a pscilocibina, e de uma a duas horas para a mescalina. A duração da sessão é de oito a dez horas para LSD e mescalina, e de cinco a seis horas para a pscilocibina. DMT (dimethyltryptamide), quando injetado intramuscularmente em dosagens de 50 a 60 mg, dá uma experiência aproximadamente equivalente a 500 microgramas de LSD, mas que dura apenas 30 minutos.
Algumas pessoas acham útil tomar outras drogas antes da sessão. Uma pessoa muito ansiosa, por exemplo, pode tomar de 30 a 40mg de Librium mais ou menos uma hora mais cedo, para se acalmar e relaxar. Methedrina também tem sido usada para induzir um humor eufórico e prazeroso antes da sessão. Às vezes, com pessoas excessivamente nervosas, é aconselhável escalonar a administração da droga: por exemplo, 200 microgramas de LSD podem ser tomadas inicialmente, e um “booster” de outras 200 microgramas pode ser tomado depois que a pessoa se familiarizar com alguns dos efeitos do estado psicodélico. Às vezes pode ocorrer náusea. Normalmente este é um sintoma mental, indicando medo, e deve ser considerado como tal. Às vezes, entretanto, particularmente com o uso de grãos de morning-glory e peiote, a náusea pode ter uma causa fisiológica. Drogas anti-nauseantes tais quais Marezina, Bonamina, Dramamina ou Tigan podem ser tomadas antes para preveni-la.
Se a pessoa ficar presa numa rotina-de-jogos repetitiva durante uma sessão, às vezes é possível “parar o jogo” pela administração de 50mg de DMT, ou mesmo de 25mg de Dexedrina ou Methedrina. Tais dosagens adicionais, por suposto, devem ser dadas somente com o conhecimento e consentimento da pessoa.
Se emergências exteriores o exigirem, Thomazina (100-200mg, em média) ou outros tranqüilizantes do tipo phenothiazina cessarão com os efeitos das drogas psicodélicas. Antídotos não devem ser usados simplesmente porque o viajante ou o guia estejam assustados. Em vez disso, as sessões apropriadas do Terceiro bardo devem ser lidas. [Sugestões mais detalhadas concernentes à dosagem podem ser encontradas num artigo de Gary M. Fisher: “Alguns Comentários Acerca do Nível de Dosagem de Compostos Psicodélicos para Experiências Psicoterapêuticas.” Psychedelic Review, I, no. 2, pp. 208-218, 1963.]
4. Preparação.
Produtos químicos psicodélicos não são drogas no sentido usual da palavra. Não há reação específica, nem seqüência esperada de eventos, somáticos ou fisiológicos[23].
A reação específica tem pouco a ver com o produto químico e é principalmente uma função do lugar e do cenário: preparação e ambientação.
Quanto melhor a preparação, mais extática e reveladora a sessão. Em sessões iniciais com pessoas despreparadas, o cenário – particularmente as ações dos demais – é o mais importante. Para pessoas que se preparam pensativa e seriamente, o cenário é menos importante.
Há dois aspectos da preparação: de longo alcance e imediato.
A preparação de longo alcance refere-se à história pessoal, à personalidade duradoura. O tipo de pessoa que você é – seus medos, desejos conflitos, culpas, paixões secretas – determina como você interpreta e se vira com qualquer situação em que entre, inclusive uma sessão psicodélica. Talvez mais importantes sejam os mecanismos de reflexo utilizados ao lidar-se com a ansiedade – as defesas, as manobras protetoras usualmente empregadas. Flexibilidade, confiança básica, fé religiosa, abertura humana, coragem, calor interpessoal, criatividade são características que permitem um aprendizado fácil e divertido. Rigidez, desejo de controle, desconfiança, cinismo, tacanhez, covardia, frieza, são características que tornam ameaçadora qualquer situação nova. O mais importante é o discernimento[24]. Não importa quantas brechas hajam no registro, a pessoa que tiver algum entendimento de sua própria máquina registradora, que puder reconhecer quando não estiver funcionando como gostaria, é melhor adaptável a qualquer desafio – mesmo ao súbito colapso do seu ego.
A preparação mais cuidadosa incluiria uma discussão das características da personalidade e um planejamento com o guia sobre como lidar com as reações emocionais esperadas quando elas ocorrerem.
A preparação imediata refere-se às expectativas relativas à próprias sessão. A preparação da sessão é de crítica importância por determinar como a experiência se desdobrará. As pessoas naturalmente tentem a impor a qualquer situação nova suas próprias perspectivas de jogos pessoais e sociais. A reflexão cuidadosa deve preceder a sessão para prevenir que aspectos tacanhos sejam impostos.
Expectativas médicas. Alguns indivíduos malpreparados impões inconscientemente um modelo médico à experiência. Eles olham para os sintomas, interpretam cada sensação nova em termos de doença/saúde, põe o guia no papel de médico, e, se a ansiedade desenvolve-se, exigem o renascimento químico – isto é, tranqüilizantes. Ocasionalmente ouve-se falar de sessões casuais, malplanejadas e não-guiadas que terminam com o indivíduo exigindo ser hospitalizado etc. Causa-se ainda mais problemas se o guia emprega o modelo médico, procura por sintomas, e pensa na possibilidade de recorrer à hospitalização, para proteger a si mesmo.
Revolta contra as convenções pode ser o motivo de algumas pessoas que tomam a droga. A idéia de fazer algo “proibido” ou vagamente travesso é um jogo ingênuo que pode afetar a experiência.
Expectativas intelectuais são apropriadas quando o indivíduo já tem boa experiência psicodélica. De fato, o LSD oferece enormes possibilidades para acelerar o aprendizado e a pesquisa científica. Mas para sessões iniciais, reações intelectuais podem se tornar armadilhas. O Manual Tibetano nunca se cansa de alertar sobre os perigos da racionalização. “Desligue sua mente” é o melhor conselho para os novatos. Controlar a sua consciência é como aprender a voar. Depois de aprender a mover sua consciência em volta – na ego-perda e para trás, por vontade – os exercícios intelectuais podem ser incorporados à experiência psicodélica. O último estágio da sessão é a melhor hora para examinar conceitos. O objetivo deste manual em particular é libertá-lo(a) de sua própria mente verbal pelo maior tempo possível.
Expectativas religiosas merecem o mesmo conselho que as intelectuais. Novamente, é mais aconselhável ao indivíduo em sessões iniciais flutuar com o fluxo, ficar “pra cima” o maior tempo possível, e adiar interpretações religiosas até o fim da sessão, ou para sessões posteriores.
Expectativas recreacionais e estéticas são naturais. A experiência psicodélica proporciona, sem dúvida, momentos extáticos que ananicam qualquer script pessoal ou cultural. A sensação pura pode capturar a consciência. A intimidade interpessoal ergue-se a alturas himalaias. Deleites estéticos – musicais, artísticos, botânicos, naturais – são incrementados com uma força sem escala. Mas todas esses reações podem ser jogos do Terceiro Bardo: “Estou tendo este êxtase. Que sortudo eu sou!” Tais reações podem se tornar tenras ciladas, impedindo o indivíduo de alcançar a pura ego-perda (Primeiro Bardo) ou as glórias da criatividade do Segundo Bardo.
Expectativas planejadas. Este manual prepara a pessoa para uma experiência mística de acordo com o modelo tibetano. As Sagas dos Vigilantes das Neves desenvolveram um entendimento muito preciso e sofisticado da psicologia humana, e o estudante deste manual será orientado para uma viagem que é muito mais rica em alcance e significado que qualquer teoria psicanalítica ocidental. Estamos conscientes, entretanto, de que o modelo do Bardo Thodol para a consciência é um artefato humano, uma alucinação do Segundo Bardo, embora de grande alcance.
Algumas recomendações práticas. O indivíduo deve reservar pelo menos três dias à sua experiência; um dia antes, o dia da sessão, e o dia seguinte. Essa agenda garante uma redução da pressão exterior e um comprometimento mais sério com a viagem.
Falar com outros que já fizeram a viagem é uma excelente preparação, embora a qualidade alucinógena do Segundo Bardo de todas as descrições deva ser levada em conta. Observar uma sessão é outra preliminar de valor. A oportunidade de ver outros durante e após uma sessão modela as expectativas.
Ler livros sobre experiências místicas é um método padrão de orientação. Ler os relatos das experiências de outros é outra possibilidade (Aldous Huxley, Alan Watts e Gordon Wasson escreveram poderosos relatos).
Meditação é provavelmente a melhor preparação para uma sessão psicodélica. Aqueles que gastaram tempo na tentativa solitária de lidar com a mente, eliminar o pensamento e alcançar estados mais elevados de concentração, são os melhores candidatos a uma sessão psicodélica. Quando o estado de ego-perda ocorre, elas estão prontas. Elas reconhecem o processo como um fim avidamente esperado, ao invés de um evento estranho malcopreendido.
5. O Cenário
A primeira e mais importante coisa a lembrar, na preparação de uma sessão psicodélica, é providenciar um cenário que não se relacione com os scripts sociais e interpessoais e que seja o mais livre possível de distrações e intromissões imprevistas. O viajante deve assegurar-se de que não será perturbado por visitas ou chamadas telefônicas, já que elas afetarão a atividade alucinatória. Confiança em quem estiver por perto e privacidade são necessárias.
Um período de tempo (usualmente de no mínimo três dias) deve ser reservado, no qual a experiência tomará seu curso natural e haverá tempo para reflexões e meditação. É importante manter a agenda aberta por três dias e fazer esses arranjos com antecedência. Um retorno muito apressado aos jogo-envolvimentos vai borrar a claridade da visão e reduzir o potencial de aprendizado. Se a experiência for com um grupo, é muito útil ficar juntos depois da sessão de forma a compartilhar as experiências.
Há diferenças entre as sessões noturnas e as diurnas. Muitas pessoas dizem que estão mais confortáveis ao entardecer e conseqüentemente que suas experiências são mais profundas e ricas. A pessoa deve escolher a hora do dia que parecer de acordo com seu próprio temperamento. Mais tarde, ela pode desejar experimentar as diferenças entre as sessões diurnas e noturnas.
Similarmente, há diferenças entre as sessões em espaços abertos e fechados. Cenários naturais como jardins, praias, florestas e campos abertos têm influências específicas que pode-se ou não desejar. O essencial é sentir-se o mais confortável possível com os arredores, seja na sala de estar de alguém ou sob o céu noturno. Familiaridade com os arredores pode ajudar a sentir-se confiante nos períodos alucinatórios. Se a sessão realizar-se em local fechado, a pessoa precisa pensar no arranjo da sala e dos objetos específicos que deseja-se ver e ouvir durante a experiência.
Música, iluminação, a disponibilidade de comida e bebida, devem ser consideradas com antecedência. A maioria das pessoas não relata o desejo de comer durante o auge da experiência, e então, mais tarde, preferem alimentos simples e antigos como pão, queijo, vinho e frutas frescas. A questão não é fome. Os sentidos estão totalmente abertos, e o gosto e cheiro de uma laranja fresca tornam-se inesquecíveis.
Em sessões de grupo, o arranjo da sala é extremamente importante. As pessoas normalmente não andarão ou se moverão por um longo período, e tanto camas quanto colchões devem ser providenciados. O arranjo das camas ou colchões pode variar. Uma sugestão é colocar as cabeças das camas juntas formando uma estrela. Talvez possa-se querer colocar umas poucas camas juntas e manter uma ou duas a alguma distância para alguém que deseje ficar à parte por algum tempo. Freqüentemente, a disponibilidade de uma sala extra é desejável para alguém que queira ficar algum tempo em isolamento.
Se deseja-se ouvir música ou refletir acerca de pinturas ou objetos religiosos, deve-se arranjar de forma que todos no grupo se sintam confortáveis com o que forem ouvir e ver. Numa sessão de grupo, todas as decisões acerca de objetos, cenário etc. devem ser feitas com abertura e colaboração.
6. O Guia Psicodélico
Para sessões iniciais, a atitude e o comportamento do guia são fatores críticos. Ele possui enorme poder para moldar a experiência. Com a mente cognitiva suspensa, o indivíduo está num estado de elevada sugestionabilidade. O guia pode mover a consciência com gestos e reações triviais.
A questão chave aqui é a capacidade do guia de desligar seus próprios jogos sociais e do ego – em particular, de abandonar suas necessidades de poder e seus medos. Ficar ali relaxado, sólido, receptivo, seguro. A sabedoria Tao da quietude criativa. Sentir tudo e não fazer nada a não ser deixar que o indivíduo saiba da sua presença.
Uma sessão psicodélica dura até doze horas e produz momentos de reatividade intensa, intensa, INTENSA. O guia não deve nunca se aborrecer, ficar falando ou intelectualizando. Ele precisa ficar calmo durante os longos períodos de insensatez redemoinhante,.
Ele é o controle de solo numa torre de aeroporto. Sempre lá para receber mensagens e perguntas das aeronaves lá em cima. Sempre pronto para ajudá-las a ficar no curso, um operador de torre de aeroporto que impõe sua própria personalidade, seus próprios scripts ao piloto, é insólito. Os pilotos têm seus próprios planos de vôo, seus próprios objetivos, e o controle de solo está lá, sempre esperando para entrar em serviço.
Ainda não se disse que o guia deve ter considerável experiência em sessões psicodélicas consigo mesmo e guiando outros. Administrar psicodélicos sem experiência pessoal é antiético e perigoso.
O maior problema enfrentado pelos seres humanos em geral, e pelo guia psicodélico em particular, é o medo. Medo do desconhecido. Medo de perder o controle. Medo de confiar no processo genético e nos seus companheiros. A partir de nossos próprios estudos e nossa investigação de sessões feitas por outros – profissionais sérios ou boêmios aventureiros – chegamos à conclusão de que quase todas as reações negativas do LSD foram causadas por medo da parte do guia,. O que aumentou o medo transitório dos indivíduos. Quando o guia age para proteger a si mesmo, ele comunica sua preocupação ao indivíduo.
O guia precisa permanecer intuitivamente sensitivo e passivamente relaxado por várias horas. Esta é uma tarefa difícil para ocidentais. Por esta razão, temos procurado maneiras de ajudar o guia a manter um estado de quietude alerta no qual ele fique assentado com pronta flexibilidade. O método mais certeiro de alcançar esse estado é o guia tomar uma dose baixa do psicodélico com o indivíduo. O procedimento de rotina é ter uma pessoa treinada participando da experiência e um membro da equipe no controle de solo sem ajuda psicodélica.
O conhecimento de que um guia experiente está “ligado” e na companhia do indivíduo é de valor inestimável; intimidade e comunicação; companheirismo cósmico; a segurança de ter um piloto treinado voando na ponta da sua asa; a segurança do mergulhador em presença de um camarada especialista nas profundezas.
Não é recomendado que o guia tome grandes doses durante sessões para novatos. Quanto menos experiente ele for, é mais provável que o sujeito imponha alucinações do Segundo e Terceiro Bardos. Esses jogos intensos afetam o guia experiente, que provavelmente está num estado de vazio insensato. O guia é então puxado para o campo alucinógeno do indivíduo, e pode ter dificuldades para orientar-se. Durante o Primeiro Bardo não há sinais familiares fixados, não há onde por os pés, nenhum conceito sólido sobre o qual basear o seu pensamento. Tudo é fluido. A ação decisiva do segundo Bardo por parte do indivíduo pode estruturar o fluxo do guia se ele tomar uma dose pesada.
O papel do guia psicodélico é talvez o papel mais excitante e inspirador na sociedade. Ele é literalmente um libertador, alguém que providencia a iluminação, alguém que liberta os homens de sua longeva escravidão interior. Estar presente no momento do despertar, compartilhar a revelação extática quando o viajante descobrir a maravilha e o espanto do processo vital divino, é para muitos o papel mais gratificante de interpretar no drama evolucionário. O papel de guia psicodélico tem uma proteção embutida contra o profissionalismo e o didático aparentar ser mais do que se é. A libertação psicodélica é tão poderosa que ultrapassa muito as ambições dos scripts terrenos. Espanto e gratidão – mais que orgulho – são as recompensas desta nova profissão.
7. Composição do Grupo
O uso mais eficaz deste manual será para a experiência de uma pessoa com um guia. Entretanto, o manual também será útil em grupo. Quando usado numa sessão de grupo, as sugestões serão muito úteis no planejamento.
A coisa mais importante de se lembrar ao organizar uma sessão de grupo é ter conhecimento e confiança nos companheiros viajantes. Confiar em si mesmo e nos companheiros é essencial. Ao preparar-se para uma experiência com estranhos, é muito importante compartilhar tempo e espaço o máximo possível com eles antes da sessão. Os participantes devem estabelecer objetivos colaborativos e explorar mutuamente suas expectativas e sentimentos e experiências passadas.
O tamanho do grupo deve depender até certo ponto de quão experientes os participantes forem. Inicialmente, pequenos grupos são preferíveis aos maiores. Em qualquer caso, experiências de grupo excedendo seis ou sete pessoas são demonstradamente menos profundas e geram mais alucinações paranóicas. Ao planejar uma sessão de grupo de cinco ou seis pessoas, é preferível ter pelo menos dois guias presentes. Um tomará a substância psicodélica e o outro, que não a tomará, serve como um guia prático para tomar conta das preocupações tais quais mudar as anotações, providenciar alimento etc., e, se necessário ou desejado, ler seleções do manual. Se for possível, um dos guias deve ser uma mulher experiente que possa providenciar uma atmosfera de alimentação e conforto espiritual.
Às vezes, é aconselhável que a sessão inicial de casais casados seja separada de forma que a exploração de seu jogo de casamento não domine a sessão. Com alguma experiência em expansão da consciência, o jogo do casamento, como outros, pode ser explorado para qualquer propósito – intimidade aumentada, comunicação mais clara, exploração dos fundamentos do sexual, relação de camaradagem etc.
IV
INSTRUÇÕES PARA USAR DURANTE UMA SESSÃO PSICODÉLICA
INSTRUÇÕES DO PRIMEIRO BARDO
Oh (nome do viajante), chegou o momento de procurar novos níveis de realidade. Teu ego e o jogo (nome) estão a ponto de cessar. Tu estás prestes a ser posto(a) face a face com a Serena Luz. Estás prestes a experienciá-la em sua realidade. No estado livre-de-ego, onde todas as coisas são como o vazio e limpo céu, E o intelecto nu e imaculado é como um vácuo transcendente; Neste momento, conhece-te e suporta o estado.
Oh (nome do viajante), Aquela que é dita a ego-morte aproxima-se de ti. Lembra-te: Esta é a hora da morte e do renascimento; Tira vantagem desta morte temporária para obteres o estado de perfeito Esclarecimento. Concentra-te na unidade de todos os seres vivos. Agarra-te à Serena Luz. Usa-a para alcançares entendimento e amor.
Se não puderes manter o gozo da iluminação e se estás deslizando de volta ao contato com o mundo exterior, Lembra-te: As alucinações que experimentas agora, As visões e insights, Te ensinarão muito sobre tu mesmo(a) e sobre o mundo. O véu da percepção rotineira será tirado da frente dos teus olhos. Lembra-te da unidade de todas as coisas vivas. Lembra-te do gozo da Serena Luz. Deixa-a guiá-lo(a) através das visões desta experiência. Deixa-a guiá-lo(a) através de tua nova vida a vir. Se te confundires, puxa à memória a lembrança de teus amigos e da força da pessoa que tu mais admiras.
Oh (nome), Tenta alcançar e manter a experiência da Serena Luz. Lembra-te: A luz é a energia vital. A infinita chama da vida. Um turbilhão ondulante e mutante de cor pode engolfar tua visão. Esta é a transformação incessante da energia. O processo vital. Não o temas. Rende-te a ele. Junta-se a ele. Ele é parte de ti. Lembra-te também: Além da eletricidade fluida incansável da vida está a realidade final – O Vazio. Tua própria consciência, não sendo formada por nada que possua forma ou cor, é naturalmente vazia. A Realidade Final. A Toda Boa. A Toda Pacífica. A Luz. A Irradiação. O movimento é o fogo da vida do qual tudo vem. Junta-te a ele. Ele é parte de ti. Além da luz da vida está o silêncio pacífico do vazio. A tranqüila felicidade além de todas as transformações. O sorriso do Buda. O Vazio não é nulidade. O Vazio é o começo e o fim de si mesmo. Desobstruído, brilhando, estremecendo, cheio de felicidade. A consciência de Diamante. O Todo-Bom Buda. Tua própria consciência, não sendo formada por nada, Nenhum pensamento, nenhuma visão, nenhuma cor, é vazia. O intelecto brilhando e cheio de felicidade e silêncio – Este é o estado do perfeito esclarecimento. Tua própria consciência, brilhando, vazia e inseparável do grande corpo de irradiação, não tem nascimento, nem morte. É a luz imutável que os tibetanos chamam de Buddha Amitabbha, A consciência do início sem forma. Saber disto é o bastante. Reconhece o vazio de tua própria consciência para chegares à Budidade. Mantém este reconhecimento e manterás o estado da mente divina do Buda.
INSTRUÇÕES PRELIMINARES DO SEGUNDO BARDO
Lembra-te: Nesta sessão tu experiencias três Bardos, Três Estados de ego-perda. Primeiro há a Serena Luz da Realidade. Depois há fantásticas alucinações de jogos variados. Mais tarde chegarás ao estágio de Reentrada, recuperando o ego.
Oh amigo(a), podes experienciar a ego-transcendência, saindo de seu antigo self. Mas não és o(a) único(a). Isto chega para todos em certo momento. Tu tens sorte por ter esta experiência de renascimento gratuita. Não te apegues com carinho e fraqueza ao seu antigo self. Mesmo que te agarres a tua mente, perdeste o poder de mantê-la. Não tens nada a ganhar lutando neste mundo alucinógeno. Não te apegues. Não sejas fraco(a). Mesmo que o terror venha a ti, Não Te Esqueças destas palavras. Toma o seu significado no teu coração. Vai em frente. Aqui jaz o segredo vital do reconhecimento.
Oh amigo(a), lembra-te: Quando corpo e mente se separam, tu experimentas um vislumbre da verdade pura – Súbita, cintilante, brilhante, Deslumbrante, gloriosa, e radiantemente deslumbrante, ao aparecer como uma miragem movendo-se através de uma paisagem primaveril. Um fluxo contínuo de vibração. Assim, não te desapontes, nem te amedrontes ou apavores. Esta é a irradiação de tua própria natureza verdadeira. Reconhece-a.
Do meio da irradiação vem o som natural da realidade, Reverberando como um milhão de trovões troando simultaneamente. Este é o som natural do teu processo vital. Então não te assustes. É suficiente para ti saber que essas aparições são tuas próprias formas-pensamento. Se tu não reconheceres tuas próprias formas de pensamento, se te esqueceres de tua preparação, As luzes te desapontarão, Os sons te assustarão, Os raios te terrificarão, As pessoas à tua volta te confundirão. Lembra-te da chave para os ensinamentos.
Oh amigo(a), Esses reinos não vieram de algum lugar fora do teu self, Eles vieram de dentro e brilham sobre ti. As revelações também não vieram de algum outro lugar; Elas existem na eletricidade dentro das faculdades de teu próprio intelecto. Conhece-as para seres daquela natureza.
A chave do esclarecimento e da serenidade durante este período de dez mil visões é simplesmente esta: Relaxa, Funde-te a elas. Aceita alegremente as maravilhas da tua própria criatividade. Não te tornes apegado(a) nem temeroso(a), Nem fiques atraído(a) ou repelido(a). Acima de tudo, não faças nada a respeito das visões. Elas existem apenas dentro de ti.
INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 1: A FONTE
(Olhos fechados, estímulos exteriores ignorados)
oh nobremente nascido(a), ouve cuidadosamente: A Energia Radiante da Semente – Da qual vêm todas as formas vivas – te Ataca com uma luz tão brilhante que tu mal serás capaz de olhá-la. Esta é a Energia da Fonte que se tem irradiado por bilhões de anos, Sempre a manifestar-se de diferentes maneiras. Aceita-a. Não tentes intelectualizá-la. Não jogues com ela. Une-te a ela. Deixa-a fluir através de ti. Perde-te nela. Funde-te na Auréola de luz de Arco-Íris no coração da dança energética. Obtém a Budidade o reino central do densamente Comprimido.
INSTRUÇÕES PARA OS SINTOMAS FÍSICOS
Os amigo(a), ouve cuidadosamente: Os sintomas corporais que estás tendo não são efeito da droga. Eles indicam que tu estás lutando contra a consciência das sensações que superam tua experiência normal. Tu não podes controlar essas ondas energéticas universais. Deixa as sensações fundirem-se em ti. Torna-te parte delas. Afunda-te nelas e através delas. Permite-te pular com as vibrações ao teu redor. Relaxa. Não lutes. Teus sintomas desaparecerão tão logo todo traço de esforço ego-centrado desapareça. Aceita-os como uma mensagem do corpo. Dá-lhes boas vindas. Aproveita-os.
INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 2: O FLUXO INTERIOR DE PROCESSOS ARQUETÍPICOS
(Olhos fechados, estímulos exteriores ignorados, aspectos intelectuais)
Oh nobremente nascido(a), ouve cuidadosamente: O fluxo vital está passando por ti. Uma parada infindável de sons e formas puros, Deslumbrantemente brilhantes, sempre mudando. Não tentes controlá-lo. Flui com ele. Experiencia os mitos cósmicos ancestrais de criação e manifestação. Não tentes entender; Há muito tempo para isso mais tarde. Une-te a ele. Deixa-o fluir através de ti. Não há necessidade de agir ou pensar. Tu estás recebendo as grandes lições da evolução, criação, reprodução. Se tentares pará-las, podes cair em mundos infernais e sofrer de insuportável tristeza gerada por sua própria mente. Evita interpretações do script. Evita pensar, conversar e agir. Tem fé no fluxo vital. Confia em seus companheiros nesta jornada de sonho. Funde-te na Luz do Arco-Íris, No Coração do Rio das Formas Criadas. Obtém a Budidade no reino chamado Preeminentemente Feliz.
INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 3: O FLUXO FLAMEJANTE DA UNIDADE INTERIOR
(Olhos fechados, estímulos exteriores ignorados, aspectos emocionais)
Oh nobremente nascido(a), ouve cuidadosamente: tu estás fluindo para a unidade fluida da vida. O êxtase do fogo orgânico brilha em cada célula. As palhas ásperas, secas e frágeis do teu ego estão sendo levadas pela água. Levadas para o mar infinito da criação. Flui com ele. Sente o pulsar do coração do sol. Deixa o vermelho Buddha Amitabbha varrer-te. Não temas o êxtase. Não resistas ao fluxo. Lembra-te, toda a força exultante vem de dentro. Abandona o teu apego. Reconhece a sabedoria de teu próprio sangue. Confia na força da maré a puxar-te para dentro da unidade com todas as formas vivas. Deixa o seu coração arrebentar-se de amor por toda a vida. Deixa teu sangue quente jorrar no oceano de toda vida. Não te apegues ao poder extático; Ele vem de ti. Deixa-o fluir. Não tentes segurá-lo por seus antigos medos corporais. Deixa teu corpo fundir-se com o fluxo quente. Deixa tuas raízes afundarem-se no corpo da quente vida. Une-te ao Brilho-do-Coração do Buddha Amitabbha. Flutua no Oceano de Arco-Íris. Atinge a Budidade no Reino chamado Amor Exultante.
INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 4: A ESTRUTURA DE VIBRAÇÃO ONDULAR DE FORMAS EXTERIORES
(Olhos abertos, envolvimento com estímulos visuais exteriores, aspectos intelectuais)
Oh nobremente nascido(a), ouve cuidadosamente: neste ponto tu podes tornar-te consciente da estrutura ondular do mundo ao teu redor. Tudo o que vês dissolve-se em vibrações energéticas. Olha de perto e tu sintonizarás a dança elétrica da energia. Não há mais coisas e pessoas, mas apenas o fluxo direto de partículas. A consciência agora deixará o teu corpo e fluirá no fluxo do ritmo ondular. Não há necessidade de conversa ou ação. Deixa o teu cérebro tornar-se um aparelho receptor de irradiação. Todas as interpretações são os produtos da tua própria mente. Não tenhas medo. Triunfa no poder natural de teu próprio cérebro, A sabedoria de tua própria eletricidade. Fica no estado de quietude. Enquanto o mundo tridimensional se fragmenta, tu podes sentir pânico; Podes sentir apego pelo aborrecidíssimo mundo de objetos que estás deixando. Neste momento, não temas a deslumbrante, transparente e irradiante energia ondular. Permite que teu intelecto descanse. Não temas os raios curvos da luz da vida, A estrutura básica da matéria, A forma básica da comunicação ondular. Observa em silêncio e recebe a mensagem. Agora experienciarás diretamente a revelação das formas primais.
INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 5: AS ONDAS VIBRATÓRIAS DE UNIDADE EXTERIOR
(Olhos abertos, envolvimento com estímulos exteriores tais como luzes ou movimentos; aspectos emocionais)
Oh nobremente nascido(a), escuta cuidadosamente: Tu estás experienciando a unidade de todas as formas vivas. Se as pessoas te parecerem borrachudas e sem vida, como marionetes de plástico, Não te assustes. É apenas a tentativa do ego de manter a sua identidade separada. Permite-te sentir a unidade de tudo. Funde-te com o mundo ao teu redor. Não tenhas medo. Aproveita a dança das marionetes. Elas são criadas por tua própria mente. Permite-te relaxar e sentir as vibrações energéticas extáticas pulsando através de ti. Aproveita o sentimento de completa unicidade com toda vida e toda matéria. A irradiação brilhante é um reflexo da tua própria consciência. É um aspecto da tua natureza divina. Não te apegues ao teu antigo self humano. Não te alarmes com as novas e estranhas sensação que estás tendo. Se tu fores atraído(a) ao te antigo self, renascerás logo para outra rodada do jogo existência. Exerce humilde confiança e permanece sem medo. Te fundirás ao coração do Abençoado Ratnasambhava, Numa Auréola de Luz de Arco-Íris, E alcançarás a libertação no Reino Dotado de Glória.
INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 6: “O CIRCO RETINAL”
Oh nobremente nascido(a), ouve bem: Tu estás testemunhando a dança mágica das formas. Padrões caleidoscópicos explodem ao teu redor. Todas as formas possíveis ganham vida ante os teus olhos. O circo retinal. O jogo incessante de elementos – Terra, água, ar, fogo, em formas e manifestações mutantes – te deslumbram com sua complexidade e variedade. Relaxa e aproveita o rápido fluxo. Não te apegues a qualquer visão ou revelação. Deixa tudo fluir através de ti. Se experiências desagradáveis vierem, deixa-as passar rapidamente com as outras. Não lutes contra elas. Tudo isso vem de dentro de ti. Esta é a grande lição de criatividade e poder do cérebro, livre de suas estruturas aprendidas. Deixa a cascata de imagens e associações levar-te aonde quiser. Medita calmamente sobre o conhecimento de que todas essas visões são emanações da tua própria consciência. Deste modo podes obter autoconhecimento e libertar-te.
INSTRUÇÕES PARA A VISÃO 7: “O TEATRO MÁGICO”
Oh nobremente nascido(a), ouve bem: Tu estás agora no teatro mágico de heróis e demônios. Figuras míticas sobre-humanas. Demônios, deusas, guerreiros celestiais, gigantes, Anjos, Bodhisattvas, anões, cruzados, elfos, diabos, santos, e feiticeiros, Espíritos Infernais, duendes, cavaleiros e imperadores. O Senhor Lótus da Dança. O Velho Sábio. A Criança Divina, O Brincalhão, O-Que-Muda-de-Forma. O domador de monstros, a mãe dos deuses, a bruxa. O rei da lua. O viajante. Todo o teatro divino de vultos representando o mais alto alcance do conhecimento humano. Não tenhas medo deles. Eles estão dentro de ti. Teu próprio intelecto criativo é o mago mestre de todos eles. Reconhece as figuras como aspectos de teu self. Toda a fantástica comédia acontece dentro de ti. Não te apegues às figuras. Lembra-te dos ensinamentos. Tu ainda podes alcançar a libertação.
INSTRUÇÕES PARA AS VISÕES COLÉRICAS
Oh nobremente nascido(a), ouve cuidadosamente: Tu foste incapaz de reter a perfeita Serena Luz do Primeiro Bardo. Ou as serenas e pacíficas visões do Segundo. Estás entrando agora nos pesadelos do Segundo bardo. Reconhece-os. São tuas próprias formas-pensamento tornadas visíveis e audíveis. São produtos da tua própria mente de constas para a parede. Eles indicam que estás próximo(a) da libertação. Não os temas. Nenhum mal pode ser feito a ti por essas alucinações. São teus próprios pensamentos de aspecto assustador. Elas são velhas amigas. Dá-lhes boas vindas. Funde-te a elas, junta-te a elas. Elas são tuas. O que quer que vejas, não importa quão estranho e terrificante, Lembra-te acima de tudo de que isso vem de dentro de ti. Apanha esse conhecimento. Tão logo tu o reconheças, obterás a libertação. Se não os reconheceres, Tortura e punição se seguirão. Mas essas também são as irradiações do teu próprio intelecto. Elas são imateriais. O vazio não pode ferir o vazio. Nenhuma das visões pacíficas ou coléricas, demônios bebedores de sangue, máquinas, monstros ou diabos, Existe na realidade. Apenas dentro do teu crânio. Isto dissipará o teu temor. Lembra-te bem disto.
TERCEIRO BARDO: INSTRUÇÕES PRELIMINARES
Oh (nome), ouve bem: Tu estás entrando no Terceiro Bardo. Antes, ao experimentar as visões pacíficas e coléricas do Segundo Bardo, tu não as pôde reconhecer. Através do medo te tornaste inconsciente. Agora, enquanto te refazes, Tua Consciência se ergue, como uma truta pulando para fora da água, Esforçando-se para retornar a suas formas originais. Teu ex-ego começou a operar novamente. Não lutes para compreender as coisas. Se por fraqueza fostes atraído(a) à ação e ao pensamento, terás que vagar pelo mundo do jogo existência, E sofrer dor. Relaxa tua mente inquieta.
Oh (nome), fostes incapaz de reconhecer as formas arquetípicas do Segundo Bardo. Desceste até aqui. Agora, se desejas ver a verdade, Tua mente deve parar sem distrações. Não há nada a fazer, Nada a pensar. Flutua de volta para o estado vazio, brilhante, primordial, desobscurecido, de teu intelecto. Neste rumo obterás a libertação. Se fores incapaz de relaxar tua mente, Medita sobre (nome de figura protetora), Medita sobre teus amigos (nomes), Pensa neles com profundo amor e confiança, como que ofuscando a coroa na tua cabeça. Isto é de grande importância. Não te distraias.
Oh (nome), agora podes sentir o poder de realizar feitos milagrosos, Perceber e comunicar-te com poderes extra-sensoriais, Mudar de forma, tamanho e número, Transpor espaço e tempo instantaneamente. Estas sensações te vêm naturalmente, Não por mérito da tua parte. Não as desejes. Não tentes exercê-las. Reconhece-as como sinais de que estás no Terceiro bardo, No período de reentrada no mundo normal.
Oh (nome), se não entendestes o que veio antes, Neste momento, como resultado do teu próprio arranjo mental, Visões assustadoras virão. Rajadas de vento geladas, o zumbir e clicar da máquina de controle, Rindo jocosamente. Podes imaginar o terror a comentar: “Culpado”, “estúpido”, “inadequado”, “indecente”. Tais pensamentos zombeteiros e paranóicos imaginados São os resíduos do jogo ego-dominado, egoísta. Não os temas. Eles são teus próprios produtos mentais. Lembra-te de que estás no Terceiro Bardo. Estás lutando para entrar na atmosfera mais densa do jogo existência rotineiro. Deixa que esta reentrada seja tranqüila e lenta. Não tentes usar força ou o poder da vontade.
Oh (nome), enquanto és levado para lá e para cá pelos ventos sempre mutantes do carma, Tua mente, sem descansar, é como uma pluma arremessada pelo vento, Ou como um cavaleiro montando um cavalo, ou a respiração, incessantemente e involuntariamente vagarás por aí, Clamando desesperadamente pelo teu antigo ego. Tua mente corre até que estejas triste e exausto. Não retenhas pensamentos. Permite à mente descansar no seu estado não-modificado. Medita sobre a unicidade de toda energia. Assim, estarás livre da tristeza, do terror, da confusão.
Oh (nome), te sentes confuso(a) e atordoado(a). Podes estar te perguntando sobre tua sanidade. Podes olhar para seus companheiros viajantes e amigos, E sentir que eles não te podem entender. Podes pensar: “Estou morto(a)! O que devo fazer”, E sentir grande tristeza, como um peixe jogado da água para rubras brasas quentes. Podes te perguntar se um dia voltarás.
Lugares familiares, parentes, pessoas conhecidas tuas aparecem como num sonho, Ou através de vidro, sombriamente. Se estiveres tendo essas experiências, Pensar não será de ajuda. Não lutes para explicar. Este é o resultado natural do teu próprio programa mental. Tais sentimentos indicam que tu estás no Terceiro bardo. Confia no teu guia, Confia em teus companheiros, Confia no Buda Compassivo, Medita calmamente e sem distrações.
Oh (nome), podes sentir-te como se estivesses sendo oprimido(a) e espremido(a), Como se entre rochas e pedregulhos, Ou como se dentro de uma gaiola ou prisão. Lembra-te: Esses são sinais de que estás tentando forçar um retorno a teu ego. Pode haver uma luz cinza e sombria, Banhando todos os objetos com um brilho escuro. Estes são sinais do terceiro Bardo. Não lutes para voltar. A reentrada se fará por si mesma. Reconhece onde tu estás. O reconhecimento levará à libertação.
INSTRUÇÕES PARA AS VISÕES DE REENTRADA
Oh (nome), Tu ainda não entendeste o que está acontecendo. Até aqui estiveste procurando por tua personalidade passada. Incapaz de achá-la, podes começar a sentir que nunca serás o(a) mesmo(a) novamente, Que voltarás uma pessoa mudada. Entristecido(a) por isso, sentirás autopiedade, Tentarás encontrar o teu ego, recuperar o controle. Pensando assim, vagarás por aqui e ali, Incessante e distraidamente. Diferentes imagens de teu futuro self te serão visíveis; Aquela para a qual estiveres te dirigindo aparecerá mais claramente. A arte especial destes ensinamentos é particularmente importante neste momento. Qualquer imagem que vejas, Medita sobre ela com vindo do Buda – Aquele nível de existência também existe no Buda. Esta é uma arte extremamente profunda. Ela te livrará de tua presente confusão. Medita sobre (nome de ideal protetor) tanto quanto possível. Visualiza-o(a) como algo produzido por um mago, Então deixa sua imagem derreter-se, Começando pelas extremidades, Até que nada permaneça visível. Te põe num estado de Clareza e Vazio; Fica um pouco neste estado. Então medita novamente sobre teu ideal protetor. Então novamente sobre a Serena Luz. Faz isto alternadamente. Depois, permite que tua própria mente derreta-se gradualmente. Onde quer que entre o ar, entra a consciência. Onde quer que entre a consciência, entra o sereno êxtase. Fica tranqüilamente no estado não-criado da serenidade. Neste estado, previne-se o renascimento paranóico. Será conseguido o perfeito esclarecimento.
INSTRUÇÕES PARA A INFLUÊNCIA TODO-DETERMINANTE DO PENSAMENTO
Oh (nome), agora podes experimentar alegria momentânea, Seguida de tristeza momentânea, De grande intensidade, como o estirar e o relaxar de uma catapulta. Passarás por oscilações agudas de humor, Todas determinadas pelo carma. Pelo menos não fiques apegado(a) às alegrias nem aborrecido(a) pelas tristezas. As ações de teus amigos e companheiros podem evocar raiva ou vergonha em ti. Se ficares com raiva ou deprimido(a), Terás imediatamente uma experiência infernal. Não importa o que as pessoas estejam fazendo, assegura-te de que nenhum pensamento raivoso possa surgir. Medita sobre o amor por elas. Mesmo neste último estágio da sessão, Tu estás apenas a um segundo da alegre descoberta que muda vidas. Lembra-te de que cada um dos teus companheiros é Buda por dentro. Tua mente em seu estado atual, sem ter qualquer foco ou força integradora, Sendo a luz e movendo-se continuamente, Qualquer pensamento que te ocorra, Positivo ou negativo, Exercerá grande força. Tu estás extremamente sugestível. Portanto, não penses em coisas egoístas. Lembra-te da tua preparação para a sessão. Demonstra afeição pura e fé humilde. Através da audição destas palavras, virá a recordação. A recordação será seguida por reconhecimento e libertação.
INSTRUÇÕES PARA AS VISÕES DE JULGAMENTO
Oh (nome), se estiveres experienciando uma visão de julgamento e culpa, Ouve cuidadosamente: Estás sofrendo assim como resultado de teu próprio arranjo mental. Teu carma. Ninguém está te fazendo nada. Não há nada a fazer. Tua própria mente está criando o problema. Por conseguinte, flutua em meditação. Lembra-te de tuas ex-crenças. Lembra-te dos ensinamento deste manual. Lembra-te da presença amiga dos teus companheiros. Se não souberes como meditar, Concentra-te num único objeto ou sensação qualquer. Segura isto (ponha um objeto nas mãos do viajante), Concentra-te na realidade disto, Reconheça a natureza ilusória de existência e fenômenos. Este momento é de grande importância. Se estiveres distraído(a) agora, levarás muito tempo para sair do atoleiro de tristeza. Até agora as experiências do Bardo têm vindo a ti e tu não as reconheceste. Estiveste distraído(a). Por conta disto experimentaste medo. Mesmo que não tenhas tido sucesso até aqui, Tu podes reconhecer e obter a libertação aqui. Tua sessão ainda pode tornar-se extática e revelatória. Se não souberes como meditar. Lembra-te de (ideal da pessoa). Lembra-te dos seus companheiros, Lembra-te deste manual. Pensa em todos esses medos e aparições terrificantes como sendo teu próprio ideal, Ou como o compassivo. Eles são testes divinos. Lembra-te de teu guia. Repete os nomes de novo e de novo. Mesmo que caias, não te ferirás.
INSTRUÇÕES PARA VISÕES SEXUAIS
Oh (nome), Nesta hora podes ver casais acasalando. Estás convicto(a) de que uma orgia está prestes a acontecer. Desejo e entusiasmo apossam-se de ti, Te perguntas que performance sexual espera-se de ti. Quando essas visões ocorrerem, lembra-te de apartar-te da ação e do apego. Exerce humildemente sua fé. Flutua com o fluxo. Confia no processo com ardência. Meditação e confiança na unidade da vida são as chaves. Se tentares entrar em tua antiga personalidade porque estás atraído(a) ou repelido(a), Se tentares juntar-te à orgia que está alucinando, Renascerás num nível animal. Experimentarás desejo e cíumes posessivos, Sofrerás estúpida e miseravelmente. Se desejas evitar essas misérias, Ouve e reconhece. Rejeita os sentimentos de atração e repulsa. Lembra-te de que o empurrão para baixo em oposição ao esclarecimento está forte em ti. Medita sobre a unidade com seus companheiros viajantes. Abandona o ciúme, Não fiques atraído(a) nem repelido(a) pelas alucinações sexuais. Se ficares, vagarás tristemente por um longo tempo. Repete essas palavras a si mesmo. E medita sobre elas.
QUATRO MÉTODOS DE PREVENÇÃO DA REENTRADA
Primeiro Método: Meditação Sobre o Buda.
Oh (nome), medita tranqüilamente sobre tua figura protetora (nome). Ele(a) é como o reflexo da luz na água. Ele(a) é aparentemente não-existente. Como ilusão produzida por mágica, se não tiveres nenhuma figura protetora especial, Medita sobre o Buda ou sobre mim. Com isto em mente, medita tranqüilamente. Então criando a forma visualizada de teu ideal protetor a derreter das extremidades, Medita, sem formar qualquer pensamento, sobre a Serena Luz Vazia. Esta é uma arte muito profunda. Em virtude disto o renascimento é adiado. Um futuro mais iluminado é assegurado.
Segundo Método: Meditação Sobre Bons Jogos
(Nome), Agora estás vagando no Terceiro Bardo. Como sinal disto, olha-te no espelho e não verás teu eu usual (mostre ao viajante um espelho). Nesta hora deves formar uma única e firme resolução na tua mente. Isto é muito importante. É como direcionar o curso de um cavalo pelo uso de rédeas. O que quer que desejares virá a passar. Não penses em ações más que possam mudar o rumo da tua mente. Lembra-te do teu relacionamento espiritual comigo, Ou com qualquer um de quem recebeste ensinamento. Persevera com bons jogos. Isto é essencial. Não te distraias. Aqui está a linha divisória entre subir ou descer. Se deres chance à indecisão mesmo que por um segundo, Terás de sofrer tristeza por muito, muito tempo, apanhado(a) em antigos hábitos e scripts. Este é o momento. Segura-te logo a uma única proposta. Lembra-te de bons jogos. Resolve-te a agir de acordo com o teu mais alto discernimento. Esta é uma hora em que sinceridade e amor são necessários. Abandona o ciúme. Medita sobre rido e confiança. Tem isto bem no coração.
Terceiro Método: Meditação Sobre a Ilusão
Se ainda descendo e não-libertado(a), Medita como segue: As atividades sexuais, a máquina de manipulação, a gargalhada jocosa, sons enérgicos e aparições terrificantes, De fato todos os fenômenos São, em sua natureza, ilusões. Embora possam aparecer, na verdade são irreais e falsos. São como santos e aparições, Não-permanentes, não-fixos. Que vantagem há em se apegar a eles, Ou ter medo deles? Tudo isso são alucinações da mente. A própria mente não existe, Portanto por que eles deveriam existir? Só por tomar essas ilusões por reais tu vagarás por esta confusa existência. Tudo isso são como sonhos, Como ecos, Como cidades de sombras, Como miragens, como vultos no espelho, Como fantasmagoria, A lua vista na água. Não são reais mesmo que por um momento. Por ligar-se única e sugestivamente àquele trem de pensamento, A crença de que elas são reais é dissipada, E a libertação e alcançada.
Quarto Método: Meditação Sobre o Vazio
“Todas as substâncias são parte da minha própria consciência. Esta consciência é vácua, não-nascida, incessante”. Assim meditando, permite à mente descansar no estado não-criado. Como o despejar de água em água, Deve-se permitir à mente sua própria postura mental Em sua condição natural, não-modificada, clara e vibrante. Mantendo este estado de espírito relaxado, não-criado, Previne-se seguramente o renascimento no jogo realidade rotineiro. Medita nisto até que estejas seguramente livre.
INSTRUÇÕES PARA ESCOLHER A PERSONALIDADE PÓS-SESSÃO
(Nome), Ouve: Está quase na hora de voltar. Faz a seleção de tua personalidade futura de acordo com o melhor ensinamento. Ouve bem: Os sinais e características do nível de existência a vir Te aparecerão em visões premonitórias. Reconhece-as. Quando achares que tens que voltar à realidade, Tenta seguir as visões prazerosas. Evita as sombrias e desagradáveis. Se retornares em pânico, um estado cheio de medo se seguirá. Se retornares em irradiação, um estado feliz se seguirá. Teu estado mental de agora afetará o teu nível subseqüente de ser. O que quer que escolhas, Escolhe imparcialmente, Sem atração ou repulsa. Entra no jogo-existência com boa graça. Voluntária e livremente. Permanece calmo. Lembra-te dos ensinamentos.
[1] Scripts podem ser definidos, a grosso modo, como um conjunto ordenado de jogos, embora inconscientemente, uma estrutura com um início e que prevê um determinado final. O termo script faz alusão a um “roteiro” que a pessoa segue durante sua vida, como se atuasse num filme ou peça de teatro. Este termo foi cunhado pelo psicólogo americano Eric Berne, um dos pioneiros na análise transacional, que tem foco nas transações (jogos) entre as pessoas. Em seu livro Transational Analysis in Psychotherapy, de 1961, Berne diz que “Os jogos parecem ser segmentos de estruturas mais amplas e complexas de transações, chamadas scripts... Um script é uma estrutura complexa de transações, repetitivas por natureza, mas não necessariamente repetidas, uma vez que uma atuação completa pode exigir uma vida inteira... O objetivo da análise de scripts é ‘acabar com o espetáculo e colocar alguém melhor a caminho’.”
[2] "(...) o lamaísmo, assim como a doutrina cristã, confere uma decisiva importância à hora da agonia. Chegada esta hora, ou ainda depois da morte, um sacerdote lê ao moribundo ou ao cadáver o livro que se chama Barde-Thödol ou Libertação pelo Ouvido (transmissão oral), que consta de uma série de instruções para o viajante no reino da morte. uma vez enterrado o cadáver, a cerimônia continua; sua duração é de quarenta e nove dias e se executa diante de uma efígie que representa a morte. a efígie, finalmente, é queimada.
Depois da morte física, a primeira etapa ou primeiro bardo é de sono profundo e dura quatro dias; brilha em seguida uma luz resplandecente que deslumbra a alma que somente neste momento sabe que morreu. se alcançou a salvação, esta luminosa etapa é a última e o sacerdote o exorta da seguinte maneira: 'Tua própria inteligência, que agora é o vazio, mas que não deves considerar como o vazio do nada, mas sim como a inteligência mesma, sem trava, resplandecente, estremecida e venturosa, é a consciência, o Buda perfeito'. Em seguida o aconselha a meditar sobre sua divindade tutelar, como se fora o reflexo de uma lua na água, visível porém inexistente.
Se é indigna dessa luz, a alma se retrai e entra no segundo bardo. O morto vê que o despem, que varrem a casa e ouve o lamento de seus parentes, mas não pode responder-lhes. Neste estado, experimenta visões: primeiramente aparecem divindades benéficas, e logo em seguida divindades iracundas, cuja forma é monstruosa. O sacerdote lhe adverte que tais formas são emanações de sua própria consciência e não têm realidade objetiva.
Durante sete dias verá sete divindades pacíficas, que irradiam cada qual uma luz de distinta cor; paralelamente vê outras luzes que correspondem aos mundos em que a alma pode reencarnar, inclusive no dos homens. o monge o aconselha a eleger a luz de cada divindade e rejeitar as outras que o tentam a prosseguir o Samsara; entenda-se bem que a divindade e as luzes procedem do indivíduo e do carma acumulado por ele. A partir do oitavo dia se apresentam as divindades iracundas, que são as anteriores sob outro aspecto. A primeira tem três cabeças, seis mãos, quatro pés. Está envolta em chamas, adornada de crânios humanos e de serpentes negras, e suas mãos direitas brandem uma espada, uma tocha e uma roda, enquanto que as esquerdas empunham uma campainha, um arado e uma caveira da qual bebe sangue.
No décimo quarto dia aparecem as quatro guardiãs dos quatro pontos cardeais, com cabeças de tigre, de porco, de serpente e de leão; o Norte, o Sul, o Leste e o Oeste emitirão depois ouras divindades zoomórficas. Todas estas formas são gigantescas.
Perante o Senhor da Morte, ocorre finalmente o julgamento da alma. Com cada homem nasceram um anjo tutelar e um gênio malvado; o primeiro conta suas boas ações com pedras brancas, e o segundo as más, com pedras negras. Em vão a alma trata de mentir, pois o Juiz consulta o Espelho do carma, que reflete nitidamente todo o processo de sua vida. O Senhor da Morte é a consciência, e o Espelho do carma a memória.
Reconhecido o caráter alucinatório do extenso processo, o morto sabe qual será sua reencarnação ulterior. Os que logram o Nirvana já se salvaram nas etapas iniciais."
Jorge Luis Borges, sobre o uso do Livro Tibetano dos Mortos na religião lamaísta (budismo tibetano).
[3] NT: pessoas que representam scripts trágicos. Sobre a teoria dos scripts, ver “Os Papéis Que Vivemos na Vida”, de Claude Steiner.
[4] NT: Curiosidade: este trecho é também o primeiro verso da música “Tomorrow never knows”, dos Beatles, que faz parte do álbum “Revolver”, gravado em 1966.
[5] NT: Reich discorda.
[6] Heavy game players.
[7] NT: bodhisattvas são, no budismo, pessoas que alcançaram o mais alto grau de iluminação, o nirvana, mas que, sentindo compaixão pela humanidade – o Buda Sidharta Gautama é conhecido também como “o compassivo” –, permaneceram neste plano de existência para ajudar os seres infelizes a alcançar a iluminação. Ao morrer, estes mestres alcançarão o nirvana final, ou parinirvana. O conceito de bodhisattva varia em cada escola do Budismo.
[8] NT: “dime-store objects”, no original.
[9] NT: no original “The raw ‘is-ness’”, sem tradução exata, nem aproximada
[10] NT: “thingness”, no original.
[11] NT: para efeito de ilustração, ler a descrição de uma experiência psicodélica presente no romance A Ilha, de Aldous Huxley.
[12] NT: no sentido de serem como se feitas em produção em massa.
[13] NT: no original, “one-pointedness”.
[14] NT: “human game-forms”, no original.
[15] NT: no original, “Buddhahood”, ou seja, o estado de Buda.
[16] NT: podemos fazer uma analogia com a tentação de Jesus pelo demônio no deserto, explicando Jesus assim como um ser humano iluminado, uma espécie de Buda, o que é muito mais plausível que aceitar que ele tenha sido o filho de uma virgem e do velho barbudo que mora no céu. Recomendo a leitura de O Assassinato de Cristo, de Wilhelm Reich.
[17] NT: “very heavy ego-game players”.
[18] NT: citação do livro Um Estranho no Ninho, do escritor Ken Kesey, que viria a se tornar o líder dos Merry Pranksters, grupo californiano dedicado à libertação das mentes.
[19] NT: “uncreatedness”, no original.
[20] NT: “Bead Games”, no original.
[21] NT: neste caso, a palavra portuguesa “sensual” é a tradução do termo inglês “sensuous” e não de “sensual”, como ocorre comumente, e relaciona-se com os sentidos.
[22] NT: “game-misinterpretations”, no original.
[23] NT: Também não há, segundo Ayush Morad Amar, dependência química e as possibilidades de intoxicação são remotíssimas.
[24] NT: “insight”.
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